Castro
1,10€ uni
5 (*****)
Não é comum encontrar quem queira parecer idoso. Exceto em Lisboa. Não falo das patranhas e das novidades que já nascem ancestrais, pastéis de bacalhau com queijo da Serra e assim. Falo das novas lojas com pinta de relíquia e desta coisa moderna de querer ser autêntico, parecendo mais antigo. Pessoalmente, nada contra. Não vou para novo, quem sabe volto a estar na moda.
Penso nisto enquanto me estreio no Castro, atelier de pastel de nata, que ocupou o lugar da velha Casa Pereira, n.º 38 da Rua Garrett. A receita é simples e deliciosa. É um espaço sóbrio de três mesinhas, a decoração em pedra, azul e dourado, a empregada com bata de governanta, o pasteleiro com barrete de meio metro — tudo uma sofisticação de outrora. Abriu em Dezembro, mas dá ares de quem já aqui estava quando assucar não era um erro orthographico.
O pastel do Castro condiz com essa elegância de Chiado. É uniforme e aprumado, a massa folhada numa resma certinha e bem segura, gulosa sem ser gorda. E o creme é de la crème, aveludado, toque de baunilha, nota de laranja. À primeira dentada nada se desmancha, nem um pingo, um farrapo de massa, e deixa-nos a dúvida dos seios firmes: isto é natural ou tem truque? É um belíssimo nata que apetece comer com o mindinho esticado. Vou em busca de comparação.
Alcôa
1,10€ uni
4 (****)
A meio da Garrett, vem vindo uma guia com uma chusma de turistas. Fala espanhol para um daqueles microfones como usam a Madonna e a Marta da OK Teleseguros. À socapa, enfileiro atrás dela. Vai explicando que as fachadas nem sempre contam a mesma história da loja e aponta para o número 72, onde se inscreve em pedra o nome da Pastelaria Marquês e hoje se vende roupa com nome de violino antigo. No lado de lá da rua, apresenta la más antigua librería del mundo, onde descubro que também vendem pastéis de nata (a Bertrand tem um cafezinho lá dentro). E cá mais abaixo elogia os azulejos de Querubim Lapa na fachada da Pastelaria Alcôa, que é “doçaria conventual desde 1957”, mas isso lá em Alcobaça, onde nasceu — aqui chegou 60 anos depois. Ela segue, hasta la vista baby, eu entro.
Deparo-me com um pastel mais estaladiço, ótima massa, mais tostado que o primeiro. O creme um nadinha mais espesso, a puxar mais ao ovo, e uma nota floral que não consigo descortinar e que lhe dá um sabor fino e antigo. É um ótimo pastel. Sigo rua acima.
Benard
2,30€ uni
3 (***)
A esplanada da Benard é estrangeiro. Os nativos tendem a preferir o balcão, onde o preço não inclui a mordomia em bandeja de inox, e eu costumo preferir o croissant, ainda e sempre a especialidade da casa. Mas hoje venho pelo turismo de pastel e nesta paragem tenho companhia. Mesa para dois, natas, cafés e os toilletes, por favor.
À porta do WC há uma espécie de parquímetro que oferece duas hipóteses: ou meto um euro ou uma ficha, que devo solicitar ao garçom. Cai a ficha. Lá dentro, há um assento que se limpa sozinho enquanto se ouve Chopin e eu faço contas ao serviço. Nata 2,30€, mais café 1,10€, vezes dois, e vai um à casa de banho, nós fora na esplanada aquecida, o resto é conversa — são 6,80€ para nos sentirmos turistas. Vamos ao pastel.
A massa folhada é menos fina do que as anteriores, já exige manobras de língua para manter a cremalheira limpa, mas é estaladiça e amanteigada no ponto. O interior é mais créme brulée, com um ligeiro toque de limão e travo de baunilha. É um bom pastel de nata.
Vegan Nata
1,20€ uni
1 (*)
A primeira vez que ouvi falar em veganos, imaginei por momentos aquela malta de orelhas em bico que se cumprimenta, mão ao alto, a fazer um v entre o anelar e o médio. Estava num jantar de gente crescida, a conversa era séria e eu tentei a gracinha. A minha namorada, que ainda era vegetariana e já não me aturava, aconselhou-me a crescer e depois, então, aparecer à mesa. De uma assentada, ofendi veggies, veganos, trekkies e senti-me à beira de um incidente galáctico. Percebi aí que acelerávamos em velocidade warp para um mundo mais sensível e menos tolerante a glutens, lactoses e piadolas — creio, aliás, que aconteceu tudo mais ou menos ao mesmo tempo.
Ser vegano continua a parecer-me coisa de outro mundo, mas percebo a ideia. Aceito por isso interromper esta peregrinação pela via láctea, faço um desvio e subo até ao 9 da Misericórdia para tentar um vegan nata. É mais bojudo que a ocorrência, servido ainda morno, lourinho em redor, tostado por cima. Bonito. Só que depois morde-se. O creme só me sabe a aveia, a massa é uma resistente que vence o prémio de coisa mais difícil de tirar dos dentes, e a soma é mais borrachosa que estaladiça. Ergo a mão, vida longa e próspera, sigo caminho.
Manteigaria
1,10€ uni
5 (*****)
Retomo pelo Camões, até ao número 2 da Rua do Loreto. Chego à Manteigaria com quatro pastéis no bucho e, para ser justo, ataco uma água com gás. É a primeira paragem em que conto mais indígenas que camones, e quase toda a gente pega para levar. Já eu, pago para ver. Encosto-me ao balcão, faço-me magro para facilitar o trânsito, fico a admirar os fornos.
A Manteigaria descreve-se como Fábrica de Pastéis de Nata e eu conto nove operários, entre quem faz e quem serve. Explicam-me que hoje vão sair 120 fornadas, com uns três mil pastéis. “Está fraco”, gaba-se o gaiato da caixa: “no verão passamos dos sete mil por dia”. Esse afã industrial significa, desde logo, que é difícil morder um exemplar que não esteja morninho. Mas isso não é tudo.
A massa é mais amanteigada, já a humedecer os dedos, mais tostada nuns pontos que noutros, mas sem se desfazer. E o creme é mais leite-creme, com uma finíssima película a conter um recheio ligeiramente incontinente, abaunilhado na conta. É a definição acabada do pastel de nata que procuro quando me dá desejo — uma delicada javardose que se come em duas dentadas.
Se quisesse levar isto a sério, podia seguir até ao Chiado Café e à Pastelaria Emenda. Podia também, sem grandes desvios, ter entrado na Brasileira, na Sacolinha, na Pastelaria do Bairro Alto, na Padaria Portuguesa, na Padaria do Bairro ou até no Trevo. Ou descido rumo à Aloma. No Chiado, nata é o que parece. Mas por hoje está bom.
Como dizia o outro, hei-de voltar.
O Experimentador Implacável é uma figura fictícia criada por Arnaldo Valente, que por sua vez é pseudónimo de outro fulano. É homem de palavra e só não dá a cara porque precisa dela para fazer a barba. Tende pouco para as tendências, não é muito sensível às sensibilidades, é fascinado por coisas sem importância e insiste em brincar com coisas sérias. Só fala do que experimenta, embora não possa falar de tudo o que já experimentou.