Os vikings, recentemente apontados como os primeiros colonizadores dos Açores, poderão, afinal, não se ter estabelecido no arquipélago antes dos descobridores portugueses.
Um estudo publicado na revista científica americana Proceedings of the National Academmy of Sciences, liderado pelo ecologista e professor da Universidade dos Açores Rui Elias, questionou algumas das conclusões a que um estudo publicado na mesma revista, em outubro do ano passado, teria chegado.
O primeiro estudo, liderado pelo ecologista Pedro Raposeiro, sugeria que o povo viking se teria estabelecido nos Açores a partir do ano 700 depois de Cristo. Para tal, os cientistas recolheram amostras de núcleos cilíndricos de sedimentos de cinco leitos de lagos localizados nos Açores, de modo a analisar a história climática daquele arquipélago.
Afinal, os Vikings poderão ter chegado primeiro aos Açores do que os portugueses
Embora o estudo tenha encontrado a presença de “pólen de colheitas não nativas ou esporos de fungos que crescem em fezes de gado”, que datavam dos anos 700 a 850, os dados, como o novo estudo científico publicado comprova, não são sustentados.
Outros dos métodos utilizados pela equipa de Pedro Raposeiro foi a análise do “aumento nas partículas de carvão e uma queda na abundância de pólens de árvores nativas“, que comprovariam a hipótese de que humanos terão queimado parte da floresta para criar gado.
Amostras insuficientes levaram a conclusões precipitadas
O novo estudo, contudo, considera não existirem “evidências suficientes para concluir que o proposto povoamento viking tenha causado ampla perturbação da ecologia e da paisagem nos Açores, antes da chegada dos portugueses”.
“Com base nas informações disponíveis, não negando a possibilidade de presença humana anterior, argumentamos que não existem evidências sólidas que suportem a existência de alterações antropogénicas de larga escala, causadas por povoadores pré-portugueses”, é explicado no comunicado enviado às redações. Ou seja, os vikings poderão ter chegado primeiro aos Açores, mas não colonizaram as ilhas antes dos portugueses.
O estudo começa por abordar a fraca sustentação dos resultados com base no número e tipo de amostras cilíndricas recolhidas. Para a equipa de Rui Elias, na primeira investigação “foram recolhidos [sedimentos] em cinco ilhas, e com uma amostragem limitada para cada ilha (uma só lagoa por ilha)”.
Além disso, apenas uma das amostras cobriu a evolução ecológica entre o ano 700 e a atualidade, sendo que uma das amostras apenas tem informação referente ao período anterior à ocupação de Portugal e outra apresenta informação no período português. “A amostragem é limitada e, na nossa opinião insuficiente no que respeita à cobertura temporal e espacial”, afirma o comunicado.
Indicadores de presença humana anteriores ao século XV podem não ser necessariamente causados por humanos
Em relação à presença de carvão e à evidência de desflorestação verificada através da redução de pólens de árvores nativas, a equipa de Rui Elias explica, agora, que a presença de carvão, no caso da amostra retirada da Lagoa do Caldeirão, no Corvo, foi datada até ao século IX, mas a diminuição da percentagem de pólen só se torna substancial no período posterior à descoberta dos Açores pelos portugueses.
Também na amostra da Lagoa Funda, nas Flores, a queda da taxa de pólen reduz-se a partir do século XV, apesar de se verificar um aumento da percentagem de carvão a partir do século XI.
Além disso, a presença de carvão no solo, como explica o comunicado, pode ser explicada por incêndios de origem natural, e que se terão depois convertido em depósitos de carvão.
Estes depósitos naturais vão sendo depois gradualmente erodidos, ou expostos em deslizamentos de terras, acabando algum deste carvão por ser arrastado, pela água da chuva, para as lagoas”, é esclarecido pela equipa de Rui Elias.
Já em relação à presença de pólen de centeio, Rui Elias explicou ao Observador que “para já [a investigação] só tem presença e ausência, o que levanta uma questão, que é o facto de coisas muito leves poderem ser transportadas pelo vento a milhares de quilómetros“, como o caso do polén de centeio.
Em relação aos vestígios de fezes provenientes, de acordo com o primeiro estudo, de animais ruminantes que poderão ser associados ao gado trazido por supostos vikings, o professor da Universidade dos Açores explicou que estes também podem “resultar da existência de colónias de aves nas margens da lagoas“.
Muito provavelmente, como nós achamos, será o resultado de colónias de aves de grande dimensão que os primeiros portugueses que cá chegaram [aos Açores] relataram. Esse marcador [stigmastanol] também existe nas aves, embora em quantidade menor que no gado, mas se tivermos colónias com centenas ou milhares de aves é natural que a quantidade deste marcador também seja grande”, esclareceu Rui Elias.
E se os vikings tivessem sido os primeiros a viver nos Açores? Conservação das espécies podia ficar comprometida
O objetivo do artigo, como explicou Rui Elias, não passou por negar a presença de humanos nos Açores antes do portugueses no século XV, mas sim que os vikings tivessem colonizado as ilhas e alterado a paisagem do arquipélago em consequência da sua suposta ocupação.
Com apenas cinco amostras, temos de compreender as próprias limitações do tipo de estudos que este é, e não podemos estrapular para as ilhas uma ocupação com, inclusive, alteração da paisagem a partir, na realidade, de quatro amostras”, uma vez que uma das amostras recolhidas apenas apresentava vestígios de datas a partir da presença portuguesa.
O perigo principal, segundo o comunicado da nova investigação, é que a assunção de uma forte presença humana que tenha impactado a paisagem dos Açores, “já desde o século VIII, pode levar a uma diminuição dos atuais esforços de conservação para preservar espécies endémicas e habitats únicos”.