Entramos no campo, pisamos a relva, apertamos as chuteiras e olhamos em frente. A outra equipa está do outro lado, pronta para jogar connosco. O árbitro olha para os dois lados, para ver se está tudo pronto. O coração está acelerado, a expectativa é grande, a vontade é muita. Ouve-se o apito. Começou o jogo, finalmente!

Para os mais jovens, a prática desportiva é uma oportunidade de passar tempo com os amigos, fugir à rotina, conhecer pessoas novas e criar hábitos saudáveis. No entanto, estes benefícios acabam por esbarrar, muitas vezes, na atitude de pessoas envolvidas no desporto. Na internet, multiplicam-se vídeos e histórias de conflitos entre pais de jovens atletas em jogos e torneios, a que se junta outro fenómeno, que pode afetar grandemente estes pequenos desportistas: comentários depreciativos.

Foi o que aconteceu a Alfie. Este jovem jogador de râguebi, de 11 anos, foi alvo de críticas nas redes sociais, por, alegadamente, ser demasiado grande para jogar no escalão de Sub-12 (escalão este que é o indicado para a sua idade).

Alfie, a figura contra o bullying aos 12 anos. Família do râguebi uniu-se em torno da criança e disse “não” ao que não cabe no desporto

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quando teve conhecimento do caso de Alfie, o antigo jogador de râguebi Gonçalo Uva — que representou os lobos no Mundial de râguebi de 2007, a competição mais importante no desporto —, rapidamente chegou a uma conclusão: o comentário só pode ter vindo de uma pessoa que não está ligada à modalidade, afirma, em entrevista à Rádio Observador. E foi precisamente por esta razão que as figuras ligadas ao desporto sentiram a necessidade de defender a criança.

De acordo com o internacional português, a diferença de tamanhos entre os jovens durante a formação é normal no râguebi, e é encarada com naturalidade: “No râguebi estamos muito habituados a isso, é uma coisa com que lidamos diariamente. Sendo o râguebi um desporto muito inclusivo, onde é preciso todo o tipo de anatomias e fisionomias, muitas das vezes, aqueles miúdos que são escolhidos por último nos outros desportos, são os primeiros a ser escolhidos no râguebi”.

Nestes casos, onde há atletas que têm um desenvolvimento físico mais precoce, alguns jogadores, treinadores e dirigentes da modalidade defendem a subida de escalão como o caminho a seguir, e o antigo capitão da seleção portuguesa, pela qual jogou por 101 vezes, aponta para alguns casos em que essa foi a solução encontrada:

“Muitas vezes isso acontece, e não é estranho, e não tem só a ver com o tamanho, tem também a ver com a qualidade. […] O Pipoca (Pedro Leal), no Mundial 2007, era o jogador mais baixo do campeonato. E também é engraçado, já que estamos a falar do campeonato do mundo, Portugal, sendo uma equipa amadora, tinha o jogador mais pequeno, e o jogador mais pesado, dentro da mesma equipa, e tinha também um dos mais altos, que era eu. E o Pedro [Leal] sempre jogou no escalão acima, porque era tão bom, que jogava no escalão acima, portanto não tem a ver com o tamanho, também tem a ver com a qualidade.”

Râguebi. “As diferenças de tamanho são comuns, encaradas com naturalidade”, diz Uva

Em sentido contrário às pessoas que criticaram a presença de Alfie no jogo do escalão de Sub-12, o antigo internacional português defende que a diversidade de perfis físicos é um fator positivo, que comprova a ideia de que o râguebi é “um desporto muito inclusivo”, ao afirmar que “é saudável ter miúdos completamente diferentes a jogar o mesmo desporto”.

Ainda sobre o caso, o ex-segunda-linha mostrou-se solidário para com o jovem que foi criticado: “Tem de se dar força e apoiar um miúdo destes, que passa de estar numa situação confortável, para uma situação desconfortável, e podemos dizer que está a sofrer por aquilo que outras pessoas dizem.”

Scotland v Portugal - IRB RWC 2007 Match Seven

Richard Heathcote/Getty Images

Agora, do alto dos seus dois metros de altura, Gonçalo Uva confessa que também foi visado por comentários parecidos quando era criança, mas no sentido inverso:

“Eu era bem diferente. Eu era baixinho e gordinho, jogava a pilar ou a talonador, e tinha uma cara de bebé. Muitas vezes duvidavam da minha idade, porque eu podia eventualmente jogar no escalão inferior. Também eu não gostava quando me diziam isso, mas aprendi a viver com isso, e eu acho que o râguebi nos dá força para aprendermos a lidar com as diferenças e com as nossas próprias características”, destaca.

Precisamos de todos: do mais alto, do mais magrinho, do esparguete, do gordo, do pipas, do minorca, precisamos de todos para fazer uma equipa. […] Há sempre, sempre, sempre lugar para todos.”

Para reforçar esta necessidade de jogadores com diferentes características no desporto, o antigo atleta do Direito deu o exemplo de Antoine Dupont (da seleção francesa e do Toulouse), que considera “o melhor jogador do mundo”, apesar de não ser um atleta com uma grande estampa física: 1,75 metros de altura, e 85 quilogramas, de acordo com a World Rugby.

Gonçalo Uva aproveita ainda para deixar um apelo aos jovens que estão em situações semelhantes à de Alfie:

“Escolham o râguebi. Se em algum momento se sentirem desconfortáveis nos desportos que estão a praticar, ou que não têm as características ideais para a prática do desporto, venham experimentar o râguebi, porque há espaço para eles, serão bem-recebidos.”