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"Faz-se e destrói-se, faz-se e destrói-se. É necessário preservar e dignificar a arquitetura portuguesa"

Este artigo tem mais de 2 anos

O novo "Guia de Arquitectura de Lisboa 1948-2021" atualiza a primeira edição (2013) de um livro esgotado. Maria Melo, que repartiu a coordenação com Michel Toussaint, fala sobre o que mudou na cidade.

O Guia surgiu da vontade de fazer um livro que mapeasse o património arquitetónico e que servisse de roteiro para se poder admirar o edificado da cidade com outros olhos
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O Guia surgiu da vontade de fazer um livro que mapeasse o património arquitetónico e que servisse de roteiro para se poder admirar o edificado da cidade com outros olhos

O Guia surgiu da vontade de fazer um livro que mapeasse o património arquitetónico e que servisse de roteiro para se poder admirar o edificado da cidade com outros olhos

Roma tinha um. Paris também. Londres idem. Berlim então, nem se fala. Todas as capitais europeias tinham um, exceto Lisboa. Um quê? Um livro que mapeasse o património arquitetónico e que servisse de roteiro para se poder admirar o edificado da cidade com outros olhos. Identificado o problema, a A+A Books lançou-se a procurar a solução e lá surgiu, há nove anos, o Guia de Arquitetura de Lisboa 1948-2013. Do movimento moderno ao contemporâneo.

O livro esgotou rapidamente, o que levou os seus editores de volta à estaca zero: Lisboa já o tinha, o tal guia, mas em lado nenhum se encontrava à venda. Solução? Lançar uma 2.ª edição atualizada e revista — o que aconteceu no fim de 2021 quando a a A+A Books publicou o Guia de Arquitetura de Lisboa 1948-2021. Mas comecemos pelo início.

“Porque é que fizemos isso? Em primeiro lugar, porque somos malucos”, diz, rindo-se, Maria Melo, sócia gerente da Livraria A+A, especializada em arquitetura, há 26 anos a funcionar no rés do chão do prédio da Ordem dos Arquitetos, em Lisboa. “A editora A+A Books surgiu mais tarde com o mote de divulgar e internacionalizar a arquitetura portuguesa”, conta. O seu contacto com o público, com os arquitetos — trabalhou 10 anos no departamento de cultura da Ordem — e a aprendizagem enquanto livreira fizeram-na ver que havia um “défice tremendo na arquitetura portuguesa, sobretudo por não haver edições bilingues.”

Em 2009 reparou que o turismo estava a começar a mexer em Lisboa. “Fazia-me confusão receber na livraria guias de arquitetura de todas as cidades do mundo, e que Lisboa e Porto não tinham nenhum. Sempre achei isso uma coisa estranhíssima.”

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A capa de "Guia de Arquitetura de Lisboa 1948-2021"

Importa agora referir que, na verdade, o primeiro Guia Urbanístico e Arquitetónico de Lisboa, da autoria da Associação dos Arquitetos Portugueses, surgiu em 1987, e que em 1994 se fez um levantamento posterior, no âmbito de Lisboa enquanto Capital Europeia da Cultura. E que um dos autores de Guia de Arquitetura Lisboa 94, a par de Francisco Gentil Berger e Luís Bissau, foi Michel Toussaint.

“Em 1994 ajudei o arquiteto Michel Touissant com esse guia, que foi feito um bocado à pressa, que tinha alguns problemas e que esgotou logo. A partir daí nunca mais houve nada”, conta Maria Melo, que assina com Touissant a coordenação do guia em português e inglês da A+A Books que compreende o período entre 1948 e 2013 e que acaba de ser alargado até 2021. “Quando falei com o Michel, que é um grande professor de história da arquitetura e o meu editor científico, ele ficou muito entusiasmado. Foi assim, três anos antes de o livro sair, que começámos a trabalhar no guia. Foi uma edição muito pensada e estruturada”, acrescenta. “A ideia foi sempre fazer em bilingue e tentar que fosse um guia que mostrasse todo o património arquitetónico de Lisboa. O livro é procuradíssimo lá fora. Tínhamos de o continuar.”

O périplo da primeira edição, que termina em 2013, arranca em 1948 porque foi nesse ano que se realizou o 1.º Congresso Nacional de Arquitectura e que se concluiu o Plano Director da Cidade de Lisboa, de Étienne de Gröer (1882-1974). Maria Daniela Alcântara e Patrícia Bento d’Almeida assinam os textos, além de Michel Toussaint. A segunda edição, revista e aumentada, já alcança o ano de 2021 — considerando o quanto Lisboa mudou desde 2013, da intensa construção que se seguiu aos anos da troika impulsionada pela recuperação económica e do boom do turismo de massas, uma nova edição precisaria sempre de voltar a passar pelo crivo dos editores.

“Olhando para o espaço temporal entre 2013 e 2019, quando começámos a pensar na segunda edição, houve um grande desenvolvimento não só de novas obras como de projetos de recuperação. A cidade desenvolveu-se imenso, por isso achámos que o devíamos actualizar”, explica Maria. Dessa atualização resultaram 50 novas obras que não se encontravam na primeira edição.

O guia está dividido em 16 zonas. Cada uma é apresentada por um texto introdutório e um mapa com a localização das obras e planos, além das respetivas fotografias

O que ambas as versões têm é uma secção dedicada a projetos futuros. Para ter essa chamada de atenção em relação à evolução da cidade, Maria e Michel mantiveram contactos com o departamento de urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, que os foram informando sobre o que estava previsto vir a acontecer — o que não significa que tudo o que apareça se venha a concretizar.

“É o que está pensado vir a acontecer”, explica. “Como na primeira edição, em que tínhamos o projeto do Hospital de Todos os Santos, do arquiteto Souto Moura, e que acabou por nunca se concretizar. Isto também mostra a capacidade de desenvolvimento e de como a cidade se mexe e de como cresce até em termos geográficos, se é por dentro, por fora, nos arredores, para o outro lado do rio, para o lado de cá.”

Escreveu o arquitecto Michel Touissant na introdução do Guia de Arquitetura de Lisboa 1948-2021:

“De 1948 até à atualidade, percorre-se, com este guia, uma linha temporal que ilustra a Arquitectura em Portugal e os seus ciclos, iniciando-se com o Movimento Moderno num ambíguo tempo de modernização do país, no qual as esperanças de uma evolução democrática do regime se esvaíram (…) Após a 2.ª Guerra Mundial os arquitectos portugueses passaram a reconhecer e integrar-se no panorama internacional que culminou com uma posição internacional prestigiada do país. Assim, o Movimento Moderno, a sua Revisão Crítica, a Pós Modernidade e a Contemporaneidade, mas também experimentações e temas como a pré-fabricação, a flexibilização na habitação, a grande e a pequena escala, a obra arquitectónica como fazedora de cidade, a participação das populações (SAAL), a invenção tipológica, a forma do espaço público, a paisagem, a reabilitação, os vetores ecológicos, a sustentabilidade, o domínio da complexidade, etc. atravessaram e atravessam a produção arquitectónica de excelência na cidade.”

Para Maria Melo, a qualidade da segunda edição superou a da primeira porque já tinham mais experiência. “A primeira edição foi apenas o nosso segundo livro, depois de termos feito a monografia de Bak Gordon. Foi muito duro. As instituições são difíceis, apanhar os arquitetos também, conseguir os materiais, recolher os textos — havia quem os começasse e a meio desistisse — foi uma saga fazer essa primeira edição. No entanto, já ganhou e foi nomeada para vários prémios.”

Em termos arquitetónicos muito mudou nos anos que passaram entre os dois livros, mas o que impressiona mais a livreira e editora é a forma como hoje se está a tentar recuperar edifícios antigos. “É muito bom ver Lisboa a pegar em edifícios que estavam degradados e a recuperá-los. Conheço alguns casos de recuperação absolutamente estrondosos, como o edifício da Universidade Autónoma de Lisboa, entre a Rua de São Paulo e a de São Luís. Isto do guia tem a ver com a nossa memória e história. Temos de guardar para o futuro senão não temos nada. E hoje em dia é uma loucura: faz-se e destrói-se, faz-se e destrói-se. Há esta situação de ser necessário preservar e dignificar a arquitetura portuguesa.”

É um livro que funciona como um guia de bolso, apesar da capa dura: “Quem for para o Chiado e levar o guia consigo terá uma orientação física do que pode ver e aonde deve ir"

O guia está dividido em 16 zonas que vão da letra A à P. Cada uma é apresentada por um texto introdutório e um mapa com a localização das obras e planos, seguindo-se as respectivas fichas numeradas de 001 a 251 e de P01 a P07 que incluem um texto, fotografias e/ou desenhos, indicação de autoria e datas, bem como morada, GPS e transportes públicos, mas também uma referência bibliográfica ou infográfica, na eventualidade de a informação base não tiver sido fornecida diretamente pelo arquitecto.

Não é o levantamento total de toda a arquitetura lisboeta, antes uma seleção de mais de 200 edifício de várias tipologias cujos critérios incidem sobre “a qualidade da obra construída” , o que inclui vários prémios Prémio Valmor, Prémios SECIL de Arquitectura e Prémios Gulbenkian Património — Maria Tereza Vilalva, entre outros

Um texto introdutório assinado por Michel Toussaint aborda as intenções e justificações desta segunda edição, enquanto um mapa coloca em perspectiva a localização das zonas. No final, outro texto debruça-se sobre os já mencionados projetos que moldarão — se se concretizarem — a cidade no futuro. Há ainda espaço para duas páginas dedicadas ao Metro de Lisboa, obra arquitetónica de dimensão geográfica, ainda que parcialmente subterrânea. As últimas páginas contêm o índice dos projetistas e toda a bibliografia/infografia referida nas fichas.

É um livro que funciona como um guia de bolso, apesar da capa dura. “Quem for para o Chiado e levar o guia consigo terá uma orientação física do que pode ver e aonde deve ir. E pode escolher ver só reabilitações ou, se preferir, apenas edifícios novos”, exemplifica Maria Melo. Por outro lado, se for até Marvila ou à Alta de Lisboa conseguirá perceber o que há lá de novo, e descobrir novos jardins e espaços públicos que foram impulsionados nos últimos anos”.

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