Se foi adolescente durante a segunda metade da década de 1990, houve um momento em que uma cassete com a gravação caseira de Pamela Anderson e Tommy Lee chegou à sua turma. Se estava atento aos primeiros passos da internet, lembra-se, de certeza, de como este terá sido o primeiro fenómeno de partilha ou venda ilegal online, algo próximo daquilo que podemos chamar de “primeiro conteúdo viral”. Quem não viveu o momento, já ouviu referências e histórias. O fenómeno ultrapassava o elemento “sex tape de celebridade”, Pamela Anderson não era uma celebridade. Pamela Anderson era mais do que isso, era C.J. em “Marés Vivas” e já tinha sido modelo da Playboy: numa altura em que a oferta de televisão era infinitamente mais reduzida – e tão pouco diversificada –, o impacto de algo deste género era muito maior do que acontece hoje. Acresce a isso a relação apaixonante que ligou Pamela Anderson e Tommy Lee, baterista dos Mötley Crüe, banda vinda da fornada de hair metal gerada em Los Angeles nos anos 80, tornada irrelevante pelo grunge e que pouca atenção tinha em Portugal.
O casal é assunto no início de 2022 por causa da minissérie de oito episódios “Pam & Tommy”, cuja estreia dos primeiros três episódios acontece esta quarta-feira, 2 de fevereiro, na plataforma Disney+. Fica o aviso: a série é ótima, uma das boas confirmações deste início de ano e isso começa com o elenco: Lily James (talvez mais conhecida do remake de “Cinderela” ou da segunda parte de “Mamma Mia!”) como Pamela Anderson e Sebastian Stan (o Soldado de Inverno do Universo Cinematográfico da Marvel) como Tommy Lee. Lily James sabe ser Pamela: ou seja, consegue ser a mulher mais desejada do mundo, precisamente o que Anderson foi nos anos 90. Ainda assim, a interpretação ultrapassa isso, é grandiosa nos pequenos gestos, magistral a assumir a sua personagem na história e o seu lugar no mundo.
[o trailer de “Pam & Tommy”:]
Pam e Tommy casaram-se quatro dias após se terem conhecido. O magnetismo era avassalador, a atração sexual inexplicável. Eram fogo, as fotografias do casal na altura gritam sexo e as duas personalidades expunham-se constantemente, de forma mais ou menos consciente. O casamento aconteceu em 1995 e na lua de mel fizeram uma gravação de quase uma hora – e cerca de oito minutos mostrava o casal numa relação sexual. Foi esta gravação que escapou para o mundo, pouco tempo depois.
A rápida escalada para casamento tem os seus problemas recordados na série, por exemplo: o que há na outra pessoa, na sua personalidade, além dessa atração física e emocional? A dado momento no terceiro episódio, Lily James mostra o desconforto de Pamela Anderson através da linguagem corporal, com pequenos movimentos, enquanto faz perguntas banalíssimas a Tommy e este se mostra indiferente à sua reação (e ao que está a contar). A Pamela que vemos é a Pamela que se mostra desprotegida, confiante em querer ser outra pessoa, um pouco mais como Tommy, alguém que confunde certeza, clareza e convicção com uma atitude questionável.
Se Lily James conquista pela subtileza e encanto da sua interpretação, Sebastian Stan é força física enquanto Tommy Lee, convincente nas duas decisões abruptas e ridículas, desejoso de ser sempre o macho alfa e extremamente convencido do seu poder: com razão para isso, afinal, conquistou Pamela Anderson. É um bad boy a que correspondem todos os estereótipos, viril e com um magnetismo inexplicável. Se separados são ótimos como Pamela e Tommy, juntos emanam aquilo que se imaginava do casal. Vai para lá do convincente, é emotivo e excitante vê-los juntos no ecrã.
A grande conquista de “Pam & Tommy” é, a dado momento, no segundo episódio – e daí para a frente, em vários momentos – fazer o espectador esquecer-se da sex tape. Apesar de estar sempre presente, a gravação passa a ser um detalhe. O primeiro episódio arranca com Rand Gauthier (Seth Rogen), o carpinteiro que está a trabalhar em casa de Tommy Lee e que, mais tarde, rouba a cassete como vingança por Tommy não lhe pagar pelo trabalho, a ouvir o casal a fazer sexo no andar de cima, enquanto monta uma cama nova. E o processo de como Rand lançou a cassete no mercado é bem reproduzido, atribuindo até várias dimensões à sua personagem – não é um mero carpinteiro –, relembrando bem a inocência que existia no início da internet e o amadorismo de toda a coisa. A sex tape do casal levou muita gente a efetuar a sua primeira compra online. E apesar do espectador saber isso, ficar a conhecer a história, esquece-se que ela – a sex tape – está lá. Pamela e Tommy muito são mais complexos e importantes.
A dado momento, esta série (desenvolvida pela dupla Evan Goldberg e Seth Rogen) assume o papel de retrato perfeito dos 1990s – as expectativas, as possibilidades, o que movia aquela década –, nunca deixando de ser uma ficção oleada e surpreendente sobre um dos casais mais mediáticos desse tempo. Tiveram dois filhos, a relação durou apenas três anos (divorciaram-se em 1998), mas o impacto mediático e na cultura popular estava feito. “Pam & Tommy” é um ótimo exercício de ficção nostálgica, que sabe como trabalhar um momento para explicar o que estava a mudar no mundo. Enquanto o faz, não se esquece que Pamela Anderson e Tommy Lee são pessoas que, por momentos, estiveram numa relação apaixonada. Enquanto todo o mundo estava a vê-los.