Se pudesse escolher, este seria aquele encontro que a UEFA não queria em qualquer cenário. No entanto, a única coisa que o órgão pode controlar é o “antes” e foi por isso que, no sorteio da fase de grupos do Europeu de futsal , Rússia e Ucrânia não podiam ficar no mesmo grupo. A partir daí, no “durante”, nada mais podia fazer. E aconteceu mesmo aquilo que se “temia”, com os ucranianos a surpreenderem o Cazaquistão no jogo dos quartos por 5-3 e a marcarem presença nas meias com os russos, que derrotaram na Geórgia.
Desde 2007 que não havia qualquer confronto entre os dois países em competições organizadas pela UEFA. No futebol, por exemplo, não se cruzam desde as eliminatórias de qualificação para o Campeonato da Europa de 200. Mais: como recordava o The Guardian, desde a invasão da Crimeia que levou a que passassem a ter sempre potes diferentes nos sorteios, houve apenas uma partida e no Europeu de futsal feminino, em 2019. “A UEFA só quer um jogo limpo das duas equipas, dentro e fora de campo”, destacou o órgão à publicação inglesa, na antecâmara de uma partida que teve segurança reforçada na Ziggo Dome, em Amesterdão.
“Este Europeu de 2022 está a ser o mais difícil de toda a nossa história. Como colocamos as tensões políticas de parte? Não existem segredos especiais mas estamos todos juntos como equipa. Com o nosso carácter e o nosso espírito, vamos tenta vencer. O único princípio que temos é que isto é uma meia-final, é a única coisa que interessa”, comentou o capitão ucraniano, Petro Shoturma. “Apoiamos por completo o fair play. Todo o grupo sente as emoções e o apoio dos nossos compatriotas mas também de outros países. Não vivemos numa ilha, todos comunicamos com outros países”, acrescentou o selecionador, Oleksandr Kosenko.
“É um jogo especial apenas porque é uma meia-final, não interessa com quem vamos jogar. Talvez queiram que eu fale de questões políticas mas estou aqui apenas para falar de desporto, apontou Sergey Abramov, o capitão da Rússia, que não contou com o brasileiro naturalizado Robinho, do Benfica. “A nós não interessam rumores e conversas, estamos apenas concentrados no futsal”, referiu o selecionador, Sergei Skorovich, passando ao lado de um alegado aumento do prémio por vitória para o dobro. A tensão geopolítica é uma realidade mas na quadra a história foi outra. E, não havendo esse contexto, ninguém falaria de política. “Comunicamos com eles, não temos qualquer animosidade”, salientou Chiskala, jogador russo do Benfica. Como contava o correspondente da BBC em Kiev, havia adeptos que nunca tinham visto futsal a juntarem-se para seguir a partida mas, ao longo de 40 minutos, esta foi apenas uma meia-final de um Europeu.
Para quem esperava uma grande “guerra” em campo, a realidade trouxe um filme muito diferente mas que penalizou sobretudo a Ucrânia… até adotar uma postura de ataque. A primeira falta dos ucranianos chegou com apenas 20 segundos, o primeiro golo da Rússia demorou 76 segundos (por Sokolov mas num “frango” de Tsypun, que tinha sido um herói no encontro com Portugal), a quinta falta da Ucrânia foi atingida ainda com dez minutos de jogo. Os russos entravam numa zona ainda mais de conforto mas a tranquilidade foi tanta que aquilo que parecia estar mais do que controlado ficou em completo descontrolo no encontro.
Com mais de sete minutos para jogar no primeiro tempo, a Ucrânia arriscou o 5×4 para ter mais bola e não ficar tão exposta a uma sexta falta que valesse livre direto (e durante todo o Europeu houve apenas dois, ambos convertidos), sofrendo numa troca demasiado lenta o segundo golo pelo gigante Afanasyev na recarga a um primeiro desvio de cabeça à trave (15′). Todavia, Siryi reduziu menos de um minuto depois num remate cruzado e foi a Ucrânia a acabar melhor a primeira parte, tendo mesmo um tiro forte ao poste a apenas 15 segundos do intervalo por Lebid que não daria hipóteses ao guarda-redes Putilov e faria o empate.
A claque ucraniana, em maioria na Ziggo Dome de Amesterdão (ou pelo menos era bem mais audível), fazia a festa acreditando numa reviravolta mas foi a Rússia que voltou a entrar com maior pragmatismo no segundo tempo, tendo um remate ao poste de Davydov e mais um par de ocasiões até ao 3-1 de Niyazov, candidato a melhor golo da fase final (31′). A Ucrânia tinha de voltar a arriscar, lançando mais uma vez o 5×4 com um jogador de campo como guarda-redes avançado, reduzindo de novo a desvantagem por Abakshyn num toque de classe na cara de Putilov (35′) e ameaçando por mais do que uma vez o empate, tendo mesmo falhado uma grande penalidade por Shoturma com 1.12 minutos por jogar e a Rússia com cinco faltas. Por mais tensão que pudesse existir, e que vai continuar, este foi apenas um encontro. Competitivo, bem jogador, com 13 faltas, cinco golos e quatro cartões amarelos. E a emoção chegou sobretudo pela incerteza no resultado.