Taylor Tomlinson é, aos 28 anos, uma das melhores comediantes de stand up do mundo. Deixem-me alterar um pouco esta frase: Taylor Tomlinson é um dos melhores comediantes de stand up. Independentemente do seu género, Taylor traz uma frescura misturada com uma dureza que tem tudo para fazer dela um nome recorrente da comédia. Quem ainda não a conhece, é embarcar já neste comboio que pode muito bem ser um TGV num futuro próximo.

“Look At You” estreou-se na Netflix há poucos dias e é o segundo especial da humorista nesta plataforma de streaming. O primeiro, “Quarter-life Crisis”, saiu em 2020 e foi quase unanimemente considerado um dos melhores do ano. Foi o início de uma visibilidade que a colocou, em dezembro de 2021, na prestigiada lista da Forbes dos “30 Under 30”, os melhores de várias áreas que ainda não entraram na casa das três dezenas. O equivalente anglo saxónico a um jovem agricultor, pronto.

O novo especial explica, em parte, o segredo deste sucesso: Tomlinson é profundamente autobiográfica no seu texto, indo a temas duros como a saúde mental ou a morte da sua mãe quando tinha apenas 8 anos, brincando com as linhas vermelhas, mas sem nunca deixar de ter muita, muita graça. A determinada altura até avisa que se vão seguir seis minutos de piadas sobre a mãe morta, mas para não nos preocuparmos, que vai ter tanta graça e tantas referências a coisas corriqueiras que até nos vamos esquecer que a prezada senhora bateu a bota. E reitera: tentar ser boa pessoa num espectáculo de comédia é um esforço inútil. Não sintam culpa por rir. Não é para sermos puros que lá estamos, é para meter a mão na zona obscura e deixar-nos queimar até à carne viva.

[o trailer de “Taylor Tomlinson: Look at You”:]

Muitos espectáculos recentes têm conseguido, até com muita eficácia e interesse, colocar momentos dolorosamente sérios em determinado ponto do seu alinhamento. “Nanette”, de Hannah Gadsby, é talvez o exemplo mais assinalável. Não é essa a guerra que Taylor Tomlinson trava. Está ali para fazer rir, ponto final, sem parênteses, mesmo quando o tema é o relato verdadeiro daquela vez em que esteve tão no precipício que ligou para uma linha de apoio para pessoas com tendências suicidas. Está a desconstruir os seus medos ali, à nossa frente, fruto de uma profunda reflexão, mas nunca soa a moralista. A moralidade e a culpa associadas, aliás, são algo que Taylor quer ver pelas costas, já que começou a fazer stand up exatamente como modo de lidar com a educação profundamente conservadora e católica na qual hoje já não se revê.

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Um dos melhores momentos de “Look At Me” é quando Taylor explica a importância da medicação para a bipolaridade, doença com a qual está diagnosticada. Compara-a com o uso de braçadeiras numa piscina. A descrição, impecavelmente construída, tem não só piada como ajuda a uma compreensão dessa perturbação sem rodriguinhos ou meios termos. E tudo porque a comediante tem uma noção de texto e de escrita acima da média da sua competição direta. A sua persona em palco é polida, uma aparente miúda querida capaz de dizer barbaridades sem pestanejar ou se desculpar; mas a grande mais-valia de Tomlinson é mesmo a sua capacidade de desenvolver uma ideia com a escolha certa de palavras, de ritmo, de imagens mentais, de comparações.

O especial debruça-se também num tema recorrente para quem se aproxima de uma idade redonda: a ideia de que o tempo escasseia. De que o sucesso profissional e pessoal tem de ser atingido já, numa espécie de peddy-paper no qual não nos inscrevemos, mas que estamos a perder.

No final da ficha técnica do especial surge o contacto de um site para quem precise de ajuda psicológica profissional. Não é, de todo, necessário batalhar com uma doença mental para desfrutar de “Look At Me”. Mas é um especial de comédia que, fazendo jus ao nome, nos vê. E nos compreende. E nos faz rir do nosso estado.