(Em atualização)

Morreu o encenador, ator e cineasta Jorge Silva Melo, aos 73 anos, confirmou ao Observador o amigo Nuno Vieira de Almeida. Silva Melo estava internado no hospital dos Lusíadas, em Lisboa.

Com uma obra reconhecida no teatro e no cinema, Jorge Silva Melo nasceu em Lisboa em 1948, dirigiu o Teatro da Cornucópia e fundou a companhia Artistas Unidos. Foi encenador, ator, cineasta, dramaturgo, tradutor, crítico e, genericamente, um dos mais importantes dinamizadores culturais das últimas cinco décadas em Portugal.

Como encenador, preparava-se para estrear este mês a peça Vida de Artistas, do britânico Noël Coward, no Teatro São Luiz, em Lisboa. Em nota oficial, o teatro já confirmou que a peça irá mesmo ser apresentada nos dias previstos, podendo ser vista entre 23 de março e 10 de abril:

“Como previsto e desejado pelo Jorge, estreamos a sua última encenação na próxima quarta-feira, 23, aqui no São Luiz. Continuaremos com ele no tudo que nos deixou escrito e filmado, no tudo que nos contou, nos mundos que nos abriu. Até já, vizinho”, informa o teatro.

Jorge Silva Melo (1948-2022): o renovador que, passeando, mudou o teatro e a cultura portuguesa

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O velório do ator realiza-se a partir das 17h30 de quinta-feira, na capela de Nossa Senhora do Carmo, na Basílica da Estrela, em Lisboa. O funeral sairá pelas 11h00 de sexta-feira da Basílica da Estrela para o Cemitério dos Prazeres.

Ministra da Cultura: “Aprendemos que o teatro é indissociável da vida”

Por entre as reações de nomes da Cultura que se estão a multiplicar, também o Governo já reagiu. Numa sequência de dois tweets publicados na conta do Ministério da Cultura, pode ler-se: “Serviu a liberdade, dedicou toda a sua energia ao teatro e ao cinema, viveu sempre sob o lema do amor e respeito pelo outro. Criou histórias, construiu espaços, ergueu atrizes e atores, levantou companhias. Hoje, no dia em que nos deixa, lamentamos a sua morte e celebramos a sua vida. Obrigado, Jorge Silva Melo”, remata a mensagem.

Posteriormente, em declarações à Rádio Observador (pode ouvir aqui), a ministra da Cultura afirmou estar “muito triste” mas evocou Jorge Silva Melo: “É e será sempre nome maior e luminoso da cultura e da democracia em Portugal”.

Com o Jorge aprendemos todos que o teatro é indissociável da vida, que tem esse condão de escutar o mundo. Tocou muitas gerações ao longo da sua vida e é, absolutamente e inequivocamente, um nome incontornável do teatro em Portugal. Será sempre um dos nomes maiores do teatro em Portugal”, acrescentou Graça Fonseca.

Já em extensa nota oficial de pesar, enviada aos meios de comunicação, o gabinete de Graça Fonseca resumiu o percurso biográfico de Jorge Silva Melo com algum detalhe, interpretando-o e comentando-o: “A forma singular e ousada como questionou e desbravou novos rumos para a cena teatral nacional no período pós-revolução dos cravos, como repensou modos de produção e paradigmas do trabalho teatral na década de 90, como renovou esteticamente as artes do palco com a companhia Artistas Unidos, são marcos incontornáveis da cultura portuguesa que merecem uma profunda admiração e reconhecimento.”

“Jorge Silva Melo é esse exemplo de uma rara dignidade, coerência, persistência e verticalidade, bebidas em grande medida nos cafés, livrarias, cinemas e teatros da cidade que o viu nascer, crescer e partir para depois regressar”, lê-se ainda na nota de pesar oficial.

Em dezembro do ano passado, o ministério tinha homenageado Silva Melo, ao lado de outros históricos do teatro português, com uma medalha de mérito cultural.

Crónica. Até à próxima conversa com Jorge Silva Melo junto ao muro da Politécnica

António Costa lembra “espírito jovem” e aposta em “jovens atores”

Já o primeiro-ministro, António Costa, falou em “tristeza enorme” salientando também o contributo que Silva Melo deu para a renovação do teatro português após o 25 de Abril de 1974.

Numa mensagem publicada na sua conta na rede social Twitter, António Costa escreveu que “a intervenção artística de Jorge Silva Melo foi pautada por um espírito jovem”. “Apostou permanentemente em jovens atores, revelou e pôs em cena autores contemporâneos“, disse o primeiro-ministro, afirmando que a morte do encenador “deixa uma tristeza enorme”.

Marcelo Rebelo de Sousa: “Ninguém como ele lembrou tempos antigos que não eram saudosos mas eram de ação e de esperança”

Marcelo Rebelo de Sousa, que reagiu esta terça-feira num comunicado publicado no site da Presidência, prestou a sua “sentida homenagem” a “um dos encenadores mais emblemáticos e dinâmicos do teatro português”.

“Jorge Silva Melo não era apenas um dos encenadores mais emblemáticos e dinâmicos do teatro português; foi, a par disso, ator, dramaturgo, cineasta, professor, crítico, cronista, memorialista, bem como um homem politicamente empenhado e um descobridor de talentos e congregador de vontades”, disse o Presidente da República.

“Deixou-nos, em diversos registos, a crónica de duas gerações, a sua e a dos atores que tanto amava; um acervo de monografias filmadas sobre artistas portugueses; e um longo trabalho sobre o teatro contemporâneo, que encenou, traduziu e editou.”

Apontando que “ninguém como ele escreveu sobre os atores portugueses ainda pouco conhecidos, ou sobre os atores portugueses de quem nos tínhamos esquecido”, Marcelo acrescentou que “ninguém como ele lembrou tempos antigos que não eram saudosos mas eram de ação e de esperança. Passou toda a vida fiel a esse propósito, entre impaciências, comoções e desencantos. Presto-lhe a minha sentida homenagem”.

Nas redes sociais sucedem-se as homenagens. No Twitter, Maria Rueff deixou o seu “derradeiro aplauso” para Silva Melo, lamentando que o teatro fique “mais pobre”. Júlio Isidro comentou a notícia no Facebook, dizendo-se em choque: “Estou em silêncio, chocado”.

Artistas Unidos: “Somos os seus herdeiros. Manteremos viva a sua obra e o seu legado”

O grupo de teatro que Jorge Silva Melo criou em 1995, e que vinha a dirigir e impulsionar desde então, reagiu esta terça-feira à tarde à morte do encenador recordando o seu percurso biográfico e deixando uma promessa: “a sua obra e o seu legado” terão continuidade.

Somos os seus herdeiros e é com honra que manteremos viva a sua obra e o seu legado. Como previsto e desejado pelo Jorge, estreamos a sua última encenação na próxima 4ª feira 23 no São Luiz Teatro Municipal”, lê-se no texto.

Antes desta posição, o grupo já tinha deixado uma mensagem na conta oficial da companhia de teatro. Nessa nota anterior, lia-se: “Morreu o Jorge, fundador e diretor artístico desta companhia, nosso mestre, nosso amigo”.

Tiago Rodrigues: “É como se tivesse ardido a nossa mais esplêndida biblioteca, como se tivesse ruído o nosso mais fulgurante teatro”

O dramaturgo e encenador Tiago Rodrigues, antigo diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, fala em “profunda tristeza”. “É como se tivesse ardido a nossa mais esplêndida biblioteca, como se tivesse ruído o nosso mais fulgurante teatro”, pode ler-se na mensagem que escreveu no Facebook.

“O Jorge Silva Melo foi um incansável trabalhador do teatro, um obstinado construtor de outras maneiras de inventar espetáculos, um arquiteto de coletivos mais solidários, uma enciclopédia generosa ao serviço das novas gerações, um feroz defensor da sua e nossa liberdade de pensamento, uma locomotiva intelectual que transformou o teatro e a cultura de um país”.

“É um mestre para tantas e tantos que com ele aprenderam, que com ele trabalharam, que se alimentaram do seu trabalho. Vai fazer-nos tanta falta”, acrescenta Tiago Rodrigues.

Nuno Lopes: “O teatro e o cinema vão ter muitas saudades tuas, Jorge”

O ator Nuno Lopes, que em 2017 trabalhou com Jorge Silva Melo na peça por este encenada A Noite da Iguana, de Tennessee Williams, deixou uma mensagem nas redes sociais recordando o encenador e dramaturgo e lembrando o trabalho conjunto.

Partilhando uma conversa com Silva Melo depois de, em “vários ensaios seguidos” dessa peça não ter recebido “uma única correção” do encenador (“coisa que me deixava doente”), Nuno Lopes acrescentou: “Nunca esquecerei as conversas que tivemos durante estes ensaios, os filmes que me mostraste e a forma bonita como contavas histórias e me falavas de alguns dos teus atores favoritos. O teatro e o cinema vão ter muitas saudades tuas, Jorge. E eu também”.

“Perdemos uma referência absoluta”, lamenta a Cinemateca

A morte de Jorge Silva Melo representa a perda de “uma referência absoluta”, lamentou esta terça-feira o diretor da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa.

“Perdemos uma referência absoluta, além mesmo do teatro, além mesmo do cinema, porque foi uma referência moral, para não dizer ‘política’, no único sentido — precisamente o de uma ‘moral’ – em que creio que a palavra mais resistiu para toda uma geração”, escreveu José Manuel Costa, na página oficial da Cinemateca.

Crónica: o que Jorge Silva Melo me deu

“Perdemos tantas das memórias vivas do teatro em Portugal”

Através do Facebook, a direção do Teatro São Luiz publicou uma série de fotografias de passagens antigas de Jorge Silva Melo por este teatro, onde Jorge Silva Melo preparava-se para estrear (já dia 23), como encenador, a peça Vida de Artistas,  de Noël Coward.

A acompanhar as fotografias vinha uma mensagem em que se lia: “Estamos de luto e tão tristes. Perdemos o Jorge Silva Melo e, com ele, tantas das memórias vivas do Teatro em Portugal. Não há palavras suficientes para falar do quanto deu ao país e a nós, São Luiz, em particular”.

Aqui começou a vir por causa dos filmes que via a partir do segundo balcão, aqui encenou tantos e tantos espetáculos. Ouvi-lo falar sobre as peças que encenava e os atores com quem trabalhava — muitos deles dando com ele os primeiros passos num palco — era como abrir um livro de histórias sem fim”, indica ainda o texto.

“Reinventor, fundador, criador, escritor, contador, sabedor, nunca deixou, até ao fim, de fazer aquilo em que acreditava. Teatro”, lê-se também.

Catarina Martins lembra “incansável criador de mundos”

Também na política começaram as reações. Catarina Martins, que além de coordenadora do Bloco de Esquerda é atriz de profissão, destacou Jorge Silva Melo enquanto “um incansável criador de mundos” no teatro e “muito para lá dele”. No Twitter, a coordenadora do Bloco de Esquerda escreveu que “somos tantos, tantas” que Jorge Silva Melo “tocou, com quem discutiu, construiu, que entusiasmou, ficam agora com um enorme vazio. Até de palavras.”

“Figura incontornável da cultura portuguesa e europeia”, considera o embaixador de Itália

O embaixador de Itália em Potugal, Carlo Formosa, lamentou a morte de Jorge Silva Melo, considerando-o uma “figura incontornável da cultura portuguesa e europeia”

A embaixada de Itália “participa no grave luto que atingiu Portugal pela perda de uma tão extraordinária personalidade humana e intelectual”, acrescenta a mensagem de Carlo Formosa.

O representante de Itália em Portugal recorda ainda que Jorge Silva Melo foi distinguido, em 2006, como Grande Oficial da Ordem da Estrela de Itália, condecoração concedida pelo então Presidente da República Italiana, Giorgio Napolitano, pelo seu especial empenho na promoção de relações artísticas de profunda amizade entre os dois países, principalmente através da divulgação dos grandes autores do teatro italiano

Socialista Ana Gomes lamenta “grande perda”

Já a socialista Ana Gomes lamentou a “grande perda”: “Quantas horas de deslumbramento e de consciencialização cultural, política e humanista me deu no saudoso Teatro da Cornucópia???”.