O primeiro-ministro, António Costa defendeu esta quarta-feira, durante um debate no Parlamento Europeu, em Bruxelas, que a União Europeia deve dotar-se de um instrumento de política orçamental conjunto centrado no investimento, recuperando uma proposta feita há cinco anos.
Intervindo numa conferência de alto nível sobre o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, António Costa apontou que a crise da Covid-19 permitiu quebrar “uma barreira que parecia intransponível, a da mobilização de financiamento comum, com a escala de que a Europa precisa”, e observou que o novo “momento de absoluta exceção”, provocado pela guerra na Ucrânia, a escalada dos preços da energia, a rutura em muitas cadeias de valor e a incerteza global demonstra a necessidade de a UE ter instrumentos permanentes e a mobilização de recursos comuns.
Orador principal de um painel sobre “que lições retirar para o futuro”, o chefe de Governo comentou que, não sendo académico, não iria “responder sobre como deveria ser num mundo ideal”, mas sim avançar, “enquanto político”, com algumas ideias que considera necessárias e possíveis, e recuperou então uma que já avançara em 2017, o Instrumento Orçamental para a Convergência e a Competitividade, o chamado BICC, que considerou “embrião” do plano de recuperação acordado pelos 27 em 2020 para fazer face à crise da pandemia.
“Já em 2017, numa conferência organizada pela Comissão Europeia, tive a oportunidade de propor que precisávamos de um instrumento de política orçamental conjunto, centrado no investimento para a promoção da convergência real”, recordou, referindo-se a um instrumento que acabou por ficar, sobretudo a nível orçamental, muito aquém da ideia original, mas que, no seu entender, serviu de algum modo de inspiração à bazuca de 750 mil milhões acordada para superar a crise da Covid.
Costa recordou que a ideia era a de “um instrumento que assentasse em critérios e indicadores claros para medir resultados, num calendário acordado, cuja execução condicionaria a transferência gradual das sucessivas tranches de financiamento.
“Era um modelo contratualizado entre cada Estado-membro e a Comissão Europeia e que, de um modo geral, foi transposto para o NextGenerationEU [o plano de recuperação da UE], e provou que é de facto passível de merecer o acordo de todos os Estados Membros e da Comissão“, sublinhou.
Defendendo que “o investimento é a base da prosperidade presente e futura” e que “é possível desenhar soluções conjuntas que potenciam a prosperidade da União e de cada um dos seus membros”, António Costa disse que “só foi possível criar o Mecanismo de Recuperação e Resiliência porque, pela primeira vez na história, houve uma emissão de dívida pela Comissão Europeia que será reembolsada por via de receitas próprias”.
“Esta situação extraordinária permitiu-nos transformar um Instrumento Orçamental para a Convergência e a Competitividade dotado de uns meros 16,8 mil milhões de euros num NextGenerationEU com 750 mil milhões de euros“, observou.
De acordo com António Costa, esta é a melhor via para promover investimentos centrais para o crescimento futuro, até porque uma outra, “já muita debatida”, a da “aplicação das chamadas ‘regras de ouro’, que isentam certas despesas de investimento da contabilização para o défice”, tem o mesmo pecado que as ajudas estatais: não reforçam a convergência, em razão da assimétrica capacidade orçamental dos diferentes Estados-membros.
António Costa reiterou que “as regras são essenciais para o bom funcionamento da União Europeia”, mas exigem que sejam aplicadas “com inteligência”, e congratulou-se por a recente comunicação da Comissão sobre a orientação da política orçamental abrir a porta à manutenção da suspensão das regras de disciplina orçamental também em 2023, em face da incerteza crescente.
Não há, por isso, necessidade de abrir debates confrontacionais, designadamente de definição de novos limites quantitativos por via de alterações dos Tratados, que dividem os 27″, disse.
O primeiro-ministro também insistiu num “instrumento conjunto e permanente de estabilização para resposta às crises”, que permita à UE “agir de forma tempestiva” e que funcione “como pilar de estabilidade e de confiança, em face de crises cuja natureza será, necessariamente, diversa”.
Também neste caso, apontou que já há um instrumento que pode servir de modelo, designadamente o mecanismo de estabilização macroeconómica SURE, criado também durante a crise da Covid-19, que “apoiou 31 milhões de trabalhadores, um quarto da população ativa dos 19 Estados-membros que a ele recorreram”.
Segundo Costa, este mecanismo SURE “deve merecer consolidação no arsenal de instrumentos para responder às crises, num contexto em que as políticas monetária e cambial não são definidas individualmente pelos Estados-membros e em que as políticas orçamentais estão condicionadas por um conjunto de regras comuns”.
“O nosso mandato é claro e não temos tempo a perder. A incerteza em que vivemos e a urgência das transições climática e digital demonstram que este é o tempo de seguirmos, juntos, pelo caminho que trilhámos durante a crise pandémica. Um caminho de verdadeira União, um farol de esperança em defesa dos nossos valores e do bem-estar das nossas populações”, concluiu.
Depois do debate, António Costa reunir-se-á com a nova presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, estando agendada uma conferência de imprensa conjunta para depois do encontro.