Milhares de estudantes portugueses desafiaram, há 60 anos, o regime autoritário de Salazar, sob o pretexto de contestar a proibição das comemorações do Dia do Estudante, embora na sua agenda estivesse o fim da ditadura e a liberdade.
Com o ponto alto no dia 24 de março de 1962 — Dia do Estudante — esta foi uma crise que se prolongou por meses, entre negociações e suspensões da greve, debaixo de ameaças e com cargas de violência policial. Contou ainda com uma greve de fome dos alunos.
Sem grandes meios logísticos para divulgar o protesto, a notícia sobre o mesmo correu célere e milhares de estudantes concentraram-se na zona da Cidade Universitária, em Lisboa, oriundos das quatro universidades portuguesas, onde na altura estudavam 30 mil jovens.
O luto académico — assim se chamava a greve dos estudantes, que não podiam utilizar o termo proibido — começou na primavera e prolongou-se para o verão. Subiu de tom, como a temperatura, e contou com o ânimo de muitos que viam nesta atitude uma hipótese de mudar o rumo das coisas.
A década não estava a começar bem para António de Oliveira Salazar. Em 1961 registaram-se o assalto ao quartel de Beja, o assalto ao paquete Santa Maria, o desvio do avião da TAP para a distribuição de 100 mil panfletos contra a ditadura, a invasão de Goa e o início da guerra colonial.
Fora de um Portugal que insistia em estender-se do Minho a Timor, surgiam movimentos de libertação com cada vez mais peso e líderes que viriam a marcar uma, ou mais, gerações, como Che Guevara (Cuba), Amílcar Cabral (Cabo Verde e Guiné-Bissau), Nelson Mandela (África do Sul).
O ditador ignorava os ventos da mudança e o seu governo tentava contê-los com a “legalidade”, o que também passava por controlar a autonomia dos estudantes, nomeadamente das associações académicas.
Já antes, em 1956, surgira o decreto 40.900, que regulava as atividades circum-escolares e que as associações de estudantes interpretaram como violador das suas liberdades, levando à revolta estudantil, que se prolongaria até março de 1962, altura em que atinge o seu ponto alto.
O movimento espontâneo conta com nomes que, após o 25 de Abril, vão assumir altos cargos, entre os quais Jorge Sampaio, Presidente da República entre 1996 e 2006, na altura secretário-geral Reunião Inter-Associações (RIA).
Mas também figuras como os antigos ministros José Medeiros Ferreira, João Cravinho e António Correia de Campos, a médica Isabel do Carmo, o advogado e político Vítor Wengorovius, o político Eurico Figueiredo e o professor universitário Lindley Cintra, solidário com os estudantes.
A crise demonstrou que os estudantes queriam outro rumo para o país, diferente daquele que muitos dos seus pais tinham escolhido, ou simplesmente se resignaram a aceitar.
E mesmo quando acalmou, deixando para memória futura registos na polícia política (PIDE), passagens pela prisão e marcas de bastonadas, o protesto continuou a acalentar outros desagravos, como o registado em 1969, em Coimbra.
A 17 de abril desse ano, o então presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), Alberto Martins, pediu para usar a palavra na inauguração do edifício das Matemáticas, numa sessão que foi abruptamente interrompida, sem que usasse da palavra.
Na altura, os estudantes pretendiam reclamar o direito de intervir na vida da Universidade, defendendo a sua autonomia e o acesso democratizado.
Alberto Martins foi preso nessa noite. Os estudantes decidiram avançar para uma greve que se estendeu aos exames. E facilmente os temas do protesto estenderam-se a outras áreas, como a guerra colonial, onde muitos estudantes foram obrigados a combater.