A atribuição do nome da transexual brasileira brutalmente assassinada no Porto em 2006, Gisberta, para uma rua na cidade gerou divergências no entendimento do regulamento da Comissão de Toponímia, que agora admite que é preciso rever os critérios.

Depois de já ter sido recusado em várias outras ocasiões, o nome de Gisberta Salce Júnior entrou para a bolsa da Comissão de Toponímia, mas não sem levantar divergências sobre o seu enquadramento nos critérios ditados pelo regulamento.

Contactados pela Lusa, vários membros desta comissão admitem uma revisão do regulamento para evitar confusões e ambiguidades em torno de quem é elegível.

Dos 19 elementos que compõem a comissão, estavam naquela reunião 13.

Por levantar questões quanto ao seu cabimento, a presidente da comissão, Isabel Ponce de Leão, optou por fazer uma primeira votação em que se deliberava se o nome iria a votos, que obteve um resultado positivo, tendo depois, na votação efetiva da proposta, sido aprovada com sete votos favoráveis e seis contra.

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“Todos os regulamentos, por mais objetivos que sejam, têm sempre várias leituras”, frisou a professora catedrática.

Foi uma das que votou contra, porque entende que se deve “dar nome de pessoas que tenham feito alguma coisa pelo Porto, o que não foi o caso”.

“Em meu entender, o que se devia pôr era uma placa próximo do sítio onde este crime foi cometido, evocando a pessoa e dizendo o que é que se tinha passado”, prosseguiu.

Joel Cleto foi um dos elementos que votou a favor da medida.

“Houve uma série de pessoas que entenderam que esta visão é demasiado restritiva. Há pessoas que, não tendo diretamente feito nada pela cidade, podem, através do simbolismo da sua morte, ter feito algo pela cidade o que, no nosso entender, é o caso da Gisberta”, disse.

O historiador acredita que “existe um antes e um depois da morte da Gisberta no que diz respeito à tolerância e ao respeito pelas minorias sexuais” e isso “acaba por ter um enorme simbolismo e por ser importante para a cidade”.

Deste modo, considera que, “se calhar, nem era preciso alterar as regras”, já que defende que “a Gisberta cumpria as regras – foi importante para esta cidade e fez alguma coisa pela cidade”.

O recém-chegado Artur Ribeiro foi surpreendido com uma primeira reunião que “deu uma grande discussão”.

“Houve grande debate. Houve até uma pessoa que até se demitiu por causa disso, e é uma pessoa que já vinha de trás, que já tinha votado nisto várias vezes”, adianta o ex-deputado municipal da CDU.

Na quarta-feira, o jornal Público adiantou que Germano Silva tinha abandonado a comissão alegando motivos pessoais.

O historiador defendia que esta aprovação era contra o regulamento.

Sem nunca avançar a quem se referia, Artur Ribeiro conta que a pessoa em causa “alegou que a comissão aprovou o nome contrariando os critérios que estão em vigor”.

“Disse lá [na reunião] e foi-se embora. (…) Houve pessoas que ficaram de falar com essa pessoa e convencê-lo a ficar, porque é uma pessoa muito conhecida no Porto e conhece bem isto”.

A Lusa contactou Germano Silva, que não quis prestar declarações sobre o assunto.

Artur Ribeiro não revela o seu sentido de voto mas diz que “o que foi visto na comissão é que se os critérios são ambíguos, porque há quem considere que estão a ser respeitados e quem considere que não, o melhor é clarificar os critérios”.

Sobre a revisão do regulamento, Isabel Ponce de Leão foi clara: “já tivemos, e vamos voltar a ter”. Mas não pode adiantar qual o sentido dessa revisão, porque “é feita por toda a comissão”.

“Não posso estar a adiantar o que se vai mexer ou não, faremos uma reunião, daqui a um mês ou dois, para acertarmos e modernizarmos o regulamento”, concretizou.