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O que têm em comum marionetas, electrocardiogramas, betoneiras e robôs?

Este artigo tem mais de 2 anos

Se pensa que sabe o que é um espectáculo de marionetas, desengane-se. Até 5 de junho, o FIMFA mostra espectáculos em que “as pessoas entram noutra dimensão”. Os diretores artísticos explicam porquê.

Diz-nos Luís Vieira: “Isto mexe muito com o limite da criação. De repente vemos coisas, objectos a que à partida não daríamos importância, ganharem vida e provocarem sentimentos, e damos por nós a pensar ‘Então eu estou a comover-me com isto?’”
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Diz-nos Luís Vieira: “Isto mexe muito com o limite da criação. De repente vemos coisas, objectos a que à partida não daríamos importância, ganharem vida e provocarem sentimentos, e damos por nós a pensar ‘Então eu estou a comover-me com isto?’”

Pierre RIGO

Diz-nos Luís Vieira: “Isto mexe muito com o limite da criação. De repente vemos coisas, objectos a que à partida não daríamos importância, ganharem vida e provocarem sentimentos, e damos por nós a pensar ‘Então eu estou a comover-me com isto?’”

Pierre RIGO

Luís Vieira e Rute Ribeiro ainda se lembram do choque de verem pessoas com bebés de colo aparecerem à meia-noite para os espectáculos inaugurais do FIMFA, há 22 anos. “Pensavam que seriam peças infantis. Depois tivemos de explicar que não…”, recorda Rute. “Felizmente, deixou de acontecer.”

Em mais duas décadas, o Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas teve tempo para criar um público fiel, com sentido crítico e que discute os espectáculos. “Esses sabem ao que vão”, garante Luís, “mas a maior parte das pessoas não tem noção e continua a associar as marionetas à ideia tradicional dos fantoches, da marioneta de fios e do universo infantil.”

Nada poderia estar mais errado para a dupla que há 29 anos criou A Tarumba – Teatro de Marionetas, que tinha por missão criar peças de teatro de marionetas para adultos, e que desde 2000 é a estrutura de criação artística através da qual Luís e Rute produzem e dirigem o Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas.

Também longe vão os tempos das marionetas enquanto bonecos de madeira manejados por cordéis ou de fantoches que encaixavam como luvas nas mãos do marionetista. Hoje, o  universo da marioneta é um terreno permeável à influência de artistas de diferentes áreas, como a dança, pintura e cinema, e que têm vindo a fazer experiências neste campo. É por isso que, para os diretores artísticos do certame, o público entra num universo paralelo quando vão a um espectáculo de marionetas. “É a arte onde é proibido proibir, porque através da marioneta consegues dar vida a coisas em que nunca pensaste, seja com imagens, robôs, ou que for”, considera Rute.

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“Isto mexe muito com o limite da criação. De repente vemos coisas, objectos a que à partida não daríamos importância, ganharem vida e provocarem sentimentos, e damos por nós a pensar ‘Então eu estou a comover-me com isto?’”, diz Luís, referindo-se a espectáculos como “Work,” de Claudio Stellato, coreógrafo que trabalha a matéria – neste caso, madeira e objetos de construção como pregos ou uma betoneira que também entra em cena – e o corpo.  “Tudo se transforma e pode ganhar vida, como numa performance dadaísta”.

“Work” vai ter apresentações no Teatro São Luiz, a 13 e 14 de maio, às 20h. E é para maiores de 8 anos, ou, como diz Rute, “é dos 8 aos 108” – para variar, na programação deste ano estão, de facto, uma série de propostas que os mais pequenos irão apreciar, ainda que não sejam, por natureza, peças infantis. “‘Work’ surpreende pela imprevisibilidade do que acontece em cena. Acho que é por isso que os miúdos gostam. É um trabalho de arte pura em que começas a trabalhar sobre os materiais, que por sua vez se transformam, enquanto prossegues nesse processo de transformação contínua.”

“Work” vai ter apresentações no Teatro São Luiz, a 13 e 14 de maio, às 20h. E é para maiores de 8 anos, ou, como diz Rute Ribeiro, “é dos 8 aos 108”

Pierre RIGO

Já mais próximo do teatro infantil está uma peça que leva insectos com mais de dois metros a invadir o chão do jardim do Palácio Pimenta, no Museu de Lisboa, onde se junta aos de porcelana que já habitam o espaço em permanência. Big Bugs Show é um espetáculo de rua da autoria da companhia neerlandesa Mr. Image Theatre – são actores que interagem com o público dentro de fatos de insecto hiperrealistas – pensado para crianças a partir dos 4 anos, e está marcado para o último fim de semana do FIMFA, 4 e 5 de junho, às 11h e 16h.

Mas tal como uma andorinha não faz a Primavera, também a presença de alguns espectáculos de pendor mais infantil não torna o FIMFA num festival pensado para crianças. A prová-lo está, por exemplo, “Hen” – peça para maiores de 16 anos que os diretores artísticos descrevem como um concerto-cabaret sobre a liberdade, com uma marioneta queer e punk. “Hen é um pronome sueco que não define homem nem mulher. A marioneta, que é manipulada à vista do público, luta pela liberdade de ser quem quiser. E ela pode ser tudo.” A peça de Johanny Bert, do Théâtre de Romette, sobe ao palco do Teatro do Bairro nos dias 26, 27 e 28 de maio, sempre às 21h30.

“Hen é um pronome sueco que não define homem nem mulher. A marioneta, que é manipulada à vista do público, luta pela liberdade de ser quem quiser. E ela pode ser tudo.”

A tradição desta arte enquanto grito de liberdade é longa, como lembram: “Na altura do Estado Novo, havia marionetas que eram apreendidas por falarem sobre o que não deviam”, diz Rute enquanto se ri do absurdo de a repressão cair sobre os objectos e não sobre quem os manipula.

Mas é na robótica, na tecnologia e na interseção destes dois com a biologia – e, de certa forma, no futuro – onde encontramos a tónica desta edição do FIMFA. Como em “Earthbound”, espectáculo de ficção científica em que a italiana Marta Cuscunà fala sobre um futuro em que o genoma humano está posto em causa. É ela sozinha quem controla e dá voz a várias criaturas animatrónicas de dimensões consideráveis espalhadas pelo palco. Altura de lembrar que até à década de 2000, muitos dos efeitos especiais nos filmes de ficção científica ou de terror eram à base de animatrónicos. Pense na Guerra das Estrelas ou no Parque Jurássico, por exemplo. “Ninguém pensa nisso quando vê esses filmes, mas a tecnologia das marionetas, de dar vida a objectos inanimados, está ainda hoje presente nesses grandes filmes”, diz Luís. “Earthbound” está em cena no São Luiz, dias 20 e 21 de maio, às 20h.

Pense na Guerra das Estrelas ou no Parque Jurássico, por exemplo. “Earthbound” está em cena no São Luiz, dias 20 e 21 de maio, às 20h

Guido Mencari

Ainda no campo da robótica, destaque-se “Simple Machines”, de Ugo Dehaes, da companhia belga Kwaad Bloed, que questiona a relação entre homens e máquinas – e o movimento destes – imaginando um futuro sem corpos humanos. A ideia é ensinar robôs a criarem coreografias através da inteligência artificial ao ponto de se tornarem totalmente autónomos. Em paralelo, o artista leva ao São Luiz uma instalação de robôs com a qual o público pode interagir nos dias dos espetáculos: 21 e 22 de maio, às 15h, 17h, 19h30 (domingo) e 21h30 (sábado).

Ugo Dehaes esteve ligado à dança e à coreografia, indissociáveis à noção de movimento, antes se dedicar às artes da marioneta.Trabalhava com a coreógrafa Meg Stuart, figura de renome na dança contemporânea, quando o desejo de transmitir movimento através de robôs e objetos o levou a interessar-se pela robótica.

“Simple Machines”, de Ugo Dehaes, da companhia belga Kwaad Bloed, questiona a relação entre homens e máquinas

E se quiséssemos traçar um retrato-robô do marionetista moderno ficaríamos com um esboço do performer absoluto. De alguém que tem de saber usar a voz, mas também o corpo, com formação em dança ou em artes visuais. “O marionetista tradicional já era um canivete suíço, mas hoje em dia essa profissão, como quase todas as outras, especializou-se. Há no teatro de marionetas quem faça desenho para luz para marionetas, quem as construa, quem as manipule e quem encene – tal como há no teatro em regra geral”.

Há ainda quem peça ao público para fazer um eletrocardiograma e converter o resultado numa partitura que depois será escutada. É o que vai acontecer em “Cardiophone”, espectáculo de Moran Duvshani pensado para uma pessoa de cada vez, em que a partir do gráfico da atividade cardíaca de cada participante é realizada uma faixa perfurada que segue o padrão do ECG. Esta é depois inserida numa caixa de música, para que no final cada espectador possa escutar a melodia do seu coração. É no São Luiz, dias 21 e 22 de maio, às 15h30 e 18h30.

As artes da marioneta transformaram-se num híbrido de dança, cinema, teatro e novas tecnologias, mas, apesar desta mescla de estilos e influências, não se afastaram das suas raízes: “As marionetas surgiram quando o homem viu pela primeira vez a sombra e soube que era ele, mas que ao mesmo tempo não era ele”, diz Rute, atribuindo a citação a um marionetista argentino.

“As pessoas entram noutra dimensão. Este teatro proporciona esse espaço de transcendência.”

O FIMFA’22 decorre em Lisboa entre 13 de maio e 5 de junho. O programa completo do festival está disponível para consulta aqui 

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