Chancel Mbemba era ainda um desconhecido no futebol europeu quando se tornou centro de uma polémica resultante de uma investigação da CNN a propósito de idades entre jogadores que poderiam ter sido alvo de adulteração. De acordo com a publicação, a FIFA estaria a verificar a situação do central que, em momentos diferentes, teria quatro datas de nascimento: nos dois primeiros conjuntos na República Democrática do Congo, o Mputu e o MK Etanchéité, tinha nascido em 1988; num jogo de qualificação pela seleção, já teria nascido a 30 de novembro de 1991; quando chegou ao Anderlecht, naquela que ficou como a primeira experiência na Europa, tinha nascido a 8 de agosto de 1994. E o próprio jogador quis fazer a sua defesa para que não existissem dúvidas, por forma a que passasse a ser um “não assunto” como iria ficar.

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“Tenho testes feitos aos ossos e os resultados provam a minha idade. Muita coisa foi dita sobre a minha data de nascimento e as idades diferentes. Provei exatamente qual é a verdade. As pessoas em África sabem, eu e a minha família, amigos e toda a gente que conhece o Chancel Mbemba sabe que nasci a 8 de agosto de 1994. É isso que importa. Por vezes em África, quando as pessoas veem alguém a ser bem sucedido, tentam mandá-lo abaixo ou prejudicar a sua carreira. Não sou esse tipo de pessoa. Tenho os meus amigos e família e não tenho nenhuns pensamentos negativos no meu coração e na minha mente”, disse ao The Mirror em 2015, quando jogava em Inglaterra e já tinha ganho por duas vezes em tribunal a “batalha da idade”, na Bélgica e na República Democrática do Congo. E foi da Premier que chegou ao Dragão.

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Antes, a vida do jogador tivera tudo menos facilidades, como assumiu ao jornal belga Het Laatste Nieuws. “Quando cheguei à Bélgica não tinha nada, nem sabia se iria ter comida suficiente todas as noites”, frisou, entre as dificuldades com a língua (só na Bélgica começou a aprender francês) e a vontade de ajudar quem mais precisava em África. “Falei com o Jean-François Lenvain da parte social do clube [Anderlecht] e ele ajudou-me com ideias. Primeiramente, para mandar equipamentos de futebol para África, ajudar um clube pequeno de lá. O Jean-François veio até mim com a ideia de ajuda uma equipa que necessitava e pensei que seria bom fazê-lo. Em retorno, Deus diz: ‘Se deres, também receberás’”, contou o jogador que, durante os quatro anos que esteve no Anderlecht, enviava sempre 80% do que ganhava à sua família.

Em 2015, o central foi contratado pelo Newcastle a troco de 12 milhões de euros (segundo o Transfermarkt) e teve a possibilidade de fazer a estreia na Premier League, terminando a época com um total de 35 jogos feitos mas sem conseguir evitar a descida ao Championship tendo Steve McLaren e Rafa Benítez como treinadores. Logo na temporada seguinte o técnico espanhol conseguiu de novo colocar os magpies no primeiro escalão mas nem aí nem em 2017/18, também com algumas lesões à mistura, Mbemba voltou a ter o mesmo protagonismo, saindo para o FC Porto nesse verão de 2018 por um total de 6,2 milhões.

A primeira temporada no Dragão, com Felipe e Éder Militão como titulares indiscutíveis e Pepe a reforçar o eixo recuado a partir de janeiro, deixou muito a desejar, com o internacional a somar apenas seis jogos na equipa principal e mais dois na equipa B para ganhar ritmo. Essa pouca utilização (6% do tempo possível) colocou em causa a continuidade nos azuis e brancos mas Sérgio Conceição quis sempre manter o central no plantel e a época de 2019/20, quando foi pela primeira vez campeão e ganhou a Taça de Portugal com dois golos na final frente ao Benfica, mostrou o porquê: 42 jogos feitos, seis golos marcados e ainda mais uma assistência. Em 2020/21, consolidou posição ao lado de Pepe mesmo depois do regresso de Marcano com 43 partidas (um golo) e uma Supertaça ganha mais uma vez diante dos encarnados.

Mbemba voltou a marcar dois golos ao Benfica (agora na outra baliza) e fez história nas finais da Taça de Portugal

No último verão, a questão da renovação voltou à baila mas o acordo continuou sem fumo branco. E terá sido mesmo colocado um valor base para uma possível venda na ordem dos 15 milhões. Mbemba ficou, ao contrário de Corona não foi vendido em janeiro como aconteceu com o mexicano (numa ótica de poupar os salários restantes e receber ainda por uma transferência) e tornou-se mesmo o jogador azul e branco que mais minutos realizou na maior série de sempre sem derrotas no Campeonato no plano nacional e no top 6 das ligas europeias (58 encontros onde disputou 4.157 minutos). Mais: não só teve a melhor época no plano individual como bateu o número de jogos realizados (46, faltando ainda a Taça de Portugal) e marcou um golo fundamental para o título fazendo o então 3-2 no triunfo no Dragão frente ao Vizela (4-2).

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“O Vizela surpreendeu-nos mas sabíamos que o jogo ia ser difícil, sobretudo depois do jogo que tivemos em Braga. É como o treinador diz, pensamos jogo a jogo. Foi o melhor golo que fiz na carreira, deixo o meu obrigado ao presidente e à equipa”, comentou na zona de entrevista rápidas após o jogo com o Vizela, valorizando as palavras de Sérgio Conceição com quem criou uma ligação forte. “O mais importante para o treinador é o rigor, o amor pelo trabalho e o amor pela vitória. É essa a sua força. Ele dá muita atenção ao pequeno detalhe e não há espaço para erros. Quando cometo um, ele vem imediatamente dizer-me que tive culpa”, contou numa entrevista em 2021 ao canal RTBF, entre outros pormenores da vida no Porto como o facto de ter aprendido a cozinhar pelo muito tempo que passava em casa devido à pandemia.

Este sábado, Mbemba fez a despedida do Dragão numa receção ao Estoril envolta ainda no clima de festa pela conquista do Campeonato, sendo que pode ainda ganhar mais um título na próxima semana, na final da Taça de Portugal frente ao Tondela. À semelhança do que aconteceu com outros jogadores que foram titulares indiscutíveis, casos de Brahimi, Marcano, Marega ou Herrera, também vai deixar o clube a custo zero, tendo AC Milan, Lyon e Betis como principais interessados nesta fase. No entanto, nem isso fez com que se tornasse o jogador de campo com maior utilização numa dupla que fez diferença com Pepe.

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