1922 é o ano central do modernismo. Surge Ulisses, a grande odisseia de Bloom pela Irlanda, Eliot começa a publicar a sua Terra Devastada na revista The Egoist, de Ezra Pound, Virginia Woolf publica, Proust busca até à morte nesse mesmo ano o seu Tempo Perdido, numa súbita explosão do génio.

E embora todas estas manifestações tenham geografias diferentes – a Bloomsbury de Woolf e a Irlanda de Joyce, Londres e Paris – o génio, depois de se espalhar, decidiu convergir novamente. Neste mesmo ano deu-se a famosa concentração de génios, de grandes artistas nos primeiros anos da consagração definitiva, que ficou conhecida como o jantar do Majestic.

Note-se que, ao longo da História, já houve grandes concentrações de génios. Zola e Cézanne vêm da mesma improvável aldeia, a Viena de Zweig, Freud e Hoffmansthal é também famosa, o grupo de Orpheu habilita Portugal à palma nesta compita, pelo que a atração mútua do génio não é invulgar; o que é invulgar, porém, é a junção esporádica e casual de génios tão diferentes. Isto é, que vários amigos, com uma mundividência parecida, acabem por dar cartas no mundo das artes ou das letras, é coisa relativamente comum. Que escritores com afinidades literárias acabem por se juntar, também acontece. Aconteceu com os surrealistas, com a Lost Generation, com tantos movimentos artísticos em que o génio está subordinado a uma ideia; o Majestic, porém, tem uma história diferente.

Na mesma noite, no mesmo jantar, encontraram-se Picasso, Joyce, Proust, Diaghilev e Stravinsky. Poderíamos continuar por figuras importantes mas não tão conhecidas, como Clive Bell, o historiador de Arte que foi também cunhado de Viriginia Woolf, mas esta mão de génios é suficiente.

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O que é espantoso nesta junção é, acima de tudo, a disparidade de percursos. Um Joyce habituado ao sofá da Shakespeare & Co e, mais tarde, à companhia de Beckett; um Picasso mais ligado ao mundo de Gertrude Stein, à boémia taurina e ao sinete espanhol que tanto encantou Hemingway; um Proust vindo dos salões da alta burguesia, do mundo de Willy e Colette, Daudet, Bourget e uma série de Aristocratas, enfim: estes homens acabam por mostrar a dimensão e a vivacidade da Paris dos anos 10 e 20, em que grandes artistas podiam trilhar as mesmas ruas por caminhos completamente diferentes. Em que outra altura da História se encontram génios desta dimensão sem viverem acoitados numa espécie de irmandade artística contra a mediocridade?

A diversidade parisiense desta altura permitia que o encontro de cinco génios fosse um acontecimento extraordinário porque era talvez o único sítio do mundo em que cinco génios diferentes teriam guaridas satisfatórias para o seu temperamento e para os seus gostos. Daí que o jantar do Majestic acabe por ter um interesse histórico a que é difícil fugir.

No dia 18 de maio de 1922, a propósito de uma estreia de Stravinsky, Violeta e Sydney Schiff, um casal rico e de gosto sofisticado, decidiu dar um desses jantares que resistiam ao fim da bela época, misturando aristocratas e artistas, magnatas e escritores. Foi a esse propósito que se juntaram os cinco génios referidos. Embora a curiosidade gostasse de os imaginar sentados à mesma mesa, numa conversa antológica, a verdade é que o jantar não se prestava a isso. Seria um desses grandes banquetes cheios de convivas, em que as pessoas circulam e o ambiente para conversas longas não é o melhor. Proust, a caminhar para a morte e já cansado dos próprios salões que frequentava através do seu homónimo Marcel nas páginas que escrevia, terá chegado tarde; Stravinsky estaria ocupado com as felicitações; reza a lenda que Joyce e Proust conversaram asperamente durante uns minutos, sobre maleitas ou coisa parecida.

Por muito que a coincidência nos pareça extraordinária, a verdade é que nada de especial se passou com a junção do génio, que não fez mais do que passear durante uns momentos pela mesma sala.

Em 2005, Richard Davenport-Hines escreveu um livro sobre este banquete. Nem ele, no entanto, conseguiu desencantar um significado de maior para este encontro, o que levou o livro a centrar-se, mais do que no jantar, nos últimos momentos de Proust. Nada de especial se passou com o encontro de génios, a humanidade não abalou. E por muito que saibamos que não seria razoável esperar grande coisa de uma casual conversa, não deixa de aguçar o apetite a perspetiva de se encontrarem algumas das maiores mentes da humanidade. O jantar não dirá, assim, muito sobre Proust, Picasso ou Stravinsky; mas diz, certamente, muito sobre nós.