Entre as muitas reportagens que foram sendo feitas em Sevilha, cidade espanhola que há várias dias foi começando a receber adeptos do Eintracht Frankfurt e do Rangers para a final da Liga Europa, uma frase ao El Mundo acabava por resumir em grande parte aquilo que estaria em causa: “Aconteça o que acontecer no jogo, a final foi ganha pela Cruzcampo”. O empregado do restaurante que foi ouvido não tinha dúvidas, a publicação ia ainda mais longe: “Parece haver mais tensão para encontrar uma mesa do que para o jogo”. Houve excessos, com alguns desacatos à mistura que levaram a detenções e muitas recusas em ir regressar aos hotéis depois das 2h, mas todas essas imagens contadas por um setor da restauração a viver dias de casa (e caixa) cheia resumiam bem o que estava em causa no Ramón Sánchez Pizjuán.

Eintracht-Rangers. Santos Borré faz o empate na final (1-1, 69′)

(E havia um outro ponto em comum entre alemães e escoceses, segundo os empregados locais: comiam pouco, bebiam demais e muitas vezes tinham doses reforçadas de azeitonas para aguentar um dia quase todo dedicado à nobre arte de virar canecas numa esplanada se possível ao sol, apesar das peles muito brancas, com cânticos à mistura num movimento descrito também como As 48 Horas de Happy Hour)

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O Eintracht Frankfurt, que tinha como ponto de contacto a Portugal a presença no plantel do internacional Gonçalo Paciência, enfrentava um desafio com a história numa época que já tinha demonstrado por várias ocasiões a grandeza de um clube que acabou a Bundesliga na 11.ª posição. Sim, é certo que no final dos anos 50 foi campeão nacional por uma vez e tem cinco Taças da Alemanha mas ganhou a Taça Intertoto ainda sem chancela da UEFA em 1967 e teve como ponto alto a conquista da então Taça UEFA em 1980, batendo a duas mãos os também germânicos do B. Mönchengladbach após golear o Bayern nas meias. E basta recordar que, no triunfo frente ao Barcelona nos quartos, colocou 30.000 adeptos no Camp Nou.

Já o Rangers, que evitou uma nova final 100% germânica ao derrotar a equipa do RB Leipzig de André Silva, chega ao ponto mais alto de uma década de recuperação depois da descida administrativa que teve em 2012 à Third Division. Não tinha dinheiro, perdeu todos os melhores jogadores, sabia que o Celtic iria de forma inevitável recuperar terreno na luta pelo principal título escocês (55-52). O que ficou? O espírito, os adeptos e a cultura do clube, o que em parte justificou também esta presença na final com grandes recuperações num Ibrox que se tornou um autêntico vulcão para os adversários (Sp. Braga que o diga). Ganhar seria a coroação dessa ascensão e, em paralelo, a conquista da segunda prova europeia, também em Espanha, 50 anos depois da Taça dos Vencedores das Taças frente ao Dínamo Moscovo.

Na verdade, e qualquer que fosse o resultado, já existia um sentimento de vitória no ar para as duas equipas que, tendo apenas 10.000 bilhetes cada mais os quase 20.000 comercializados pela UEFA, juntaram esta quarta-feira em Sevilha cerca de 150.000 adeptos espalhados por Ramón Sánchez Pizjuán, Fan Zones de Eintracht Frankfurt e Rangers e todos os restaurantes com um cantinho em Sevilha. Um sentimento que, apesar de tudo, teria outro valor com a conquista do título. E esse era o desafio de ambas as equipas, após terem ficado pelos objetivos mínimos nos campeonatos e procurarem o primeiro troféu da época.

No final, num jogo nem sempre bem disputado mas muito emocionante e vivido de uma forma fantástica nas bancadas, o Eintracht acabou por ser mais feliz num encontro onde foi globalmente melhor, contou com um Kevin Trapp fabuloso nos últimos minutos do prolongamento e ganhou nas grandes penalidades, onde Ramsey entrou só para converter uma tentativa mas acabou por falhar (1-1, 5-4 g.p.). 42 anos depois, os germânicos voltaram aos triunfos europeus numa caminhada que teve como principal ponto marcante a vitória por 3-2 em Camp Nou com o Barcelona que mostrou bem a grandeza do clube que contou com a melhor versão de Santos Borré nas decisões, marcando nos quartos, nas meias e na final.

O encontro começou quase em falso, muito por culpa de uma entrada perigosa de Lundstram com o pé alto sobre Rode que deixou o capitão dos germânicos a sangrar de forma abundante no relvado para uma longa paragem de quase quatro minutos que fez com que o início praticamente não tivesse jogo. Depois, vieram os encaixes dos pares, sobretudo na zona do meio-campo, com as equipas a terem mais preocupações nas ações sem bola do que em posse mas com o Eintracht melhor do que o Rangers, criando a primeira oportunidade pelo japonês Kamada na área (defesa de McGregor, 12′) e tendo mais capacidade de entrar no último terço explorando algumas vezes o espaço entre lateral e central à direita por influência de Kostic. E foi na tentativa de travar essas zonas que Knauff, no lado direito, foi crescendo, tendo mais um remate com muito perigo defendido por McGregor para canto após uma combinação com Lindström (20′).

Só mesmo depois dos 25 minutos iniciais o Rangers conseguiu chegar pela primeira vez à baliza contrária, com Aribo a sair mais do habitual raio de ação para ganhar espaço fora da área com perigo ao lado (26′). No entanto, e apesar de mais um desvio de cabeça de Lundstram após livre lateral para defesa de Trapp (37′), foi o Eintracht a mostrar sempre mais argumentos para levar o perigo até à baliza de McGregor, acabando a primeira parte com mais de dez remates e mais dois com perigo pelo inevitável Kostic, por cima e ao lado da baliza dos escoceses (31′ e 32′). O intervalo chegava sem golos, sem chances flagrantes de visar a baliza contrária e com muito, muito, muito mais festa nas bancadas do que propriamente no relvado.

Esperava-se um outro Rangers no segundo tempo, sobretudo com mais capacidade de esticar jogo pelos corredores laterais e procurar o jogo aéreo na área, mas voltou a ser o Eintracht a entrar melhor com Tuta a aproveitar todo o espaço na saída com bola a partir de trás para arriscar o remate de longe ao lado (48′) e Lindström a ver uma tentativa à entrada da área desviada num defesa a sair muito perto do poste da baliza de McGregor (49′). Só mesmo no erro alemão havia outra expressão dos escoceses na frente e foi assim que alguém conseguiu desbloquear o marcador: já depois de um remate de Kent ao lado após falha de Knauff (55′), Sow desviou para trás em corte uma bola pelo ar do Rangers, Tuta foi apanhado em sentido contrário, caiu e Aribo não perdoou isolado frente a Trapp, marcando o primeiro golo europeu da época (57′).

A equipa escocesa estava na frente e, nos minutos seguintes, mostrava que não seria fácil furar a muralha defensiva montada à frente de McGregor, aumentando os sinais de ansiedade no Eintracht. No entanto, a reação dos germânicos, com Rode e Kostic mais em jogo, acabou por conseguir empurrar o suficiente o adversário para trás até ao empate: Kamada fez um chapéu que passou muito perto da trave após uma boa recuperação em zona alta de Rode (67′) mas Santos Borré não perdoou, chegando da melhor à área para desviar com classe um cruzamento tenso de Kostic entre defesas e guarda-redes (69′). O argentino colocava tudo na mesma na final e acabaria por levar as decisões para prolongamento numa fase em que, também pelo calor, alguns jogadores começavam a dar sinais de desgaste físico em campo.

Se o encontro não tinha sido um primor no plano técnico apesar da grande entrega e intensidade de jogo das duas equipas, a ideia de um prolongamento também não iria melhorar aquilo que se tinha feito até aí face às condicionantes físicas cada vez mais notórias com alguns jogadores a caírem mesmo de quando em vez no relvado. Knauff foi um bom exemplo disso mesmo: conseguiu descer mais uma vez bem pela direita, ganhou espaço para o remate mas o tiro passou muito ao lado já pela falta de força do ala (101′). Barisic ainda tentou a sua sorte num remate defendido com dificuldades por Trapp (106′), Hrustic atirou pouco ao lado da baliza de McGregor (107′) e Trapp surgiu como herói dos alemães travando um remate isolado de Kent após jogada de Roofe pela direita (118′) e um livre direto de Tavernier em boa posição (120′). O encontro ia mesmo para grandes penalidades, onde o Eintracht ganhou mesmo por 5-4.