Trinta e seis anos depois de “Top Gun: Ases Indomáveis”, Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise) continua, em “Top Gun: Maverick”, a fazer jus à alcunha que lhe deram na escola de caças da Marinha dos EUA: individualista, viciado no risco e a desobedecer às ordens dos superiores. No início do filme de Joseph Kosinski que dá continuidade ao feito por Tony Scott em 1986, Maverick manda às malvas as diretivas de um almirante e vai testar, até ao limite e sob as barbas deste, um novo avião hipersónico, numa sequência belíssima que o leva até à estratosfera ao amanhecer — e ao mesmo tempo plagia e homenageia uma outra de “Os Eleitos”, de Philip Kaufman. Fica tudo entre aviadores.

[Veja o “trailer” de “Top Gun: Maverick”:]

Este novo “Top Gun” recupera um Maverick que sempre se recusou a mudar (e por isso nunca passou de capitão, enquanto que os seus camaradas progrediram nas carreiras e alguns até já são almirantes) para poder continuar a voar e não ficar confinado a uma secretária em terra, enquanto que tudo mudou em seu redor, muito em especial a tecnologia e a geopolítica. A sua desobediência leva-o a ter que ser professor de uma nova fornada de pilotos da Top Gun e prepará-los para uma missão num “estado pária” com intenções de se transformar numa potência nuclear. É como pôr o inspector “Dirty” Harry de Clint Eastwood a dar aulas de tiro a graduados da Academia de Polícia. E claro que Maverick dá um bailinho aos jovens e arrogantes candidatos a ases.

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[Veja uma entrevista com Tom Cruise:]

O filme de Tony Scott era um produto acabado dos EUA da era Reagan e da Hollywood dos anos 80, patrióticos, pujantes, prósperos e otimistas, e do tempo da Guerra Fria. E este “filme de geração” vale muito mais como artefacto emblemático dessa época, e pelas empolgantes sequências aéreas com os caças F-14, do que por quaisquer virtudes cinematográficas especiais. Tom Cruise, que controla e supervisiona até ao mais ínfimo pormenor todos os seus filmes, o realizador Joseph Kosinski e o argumentista Christopher McQuarrie, tinham a perfeita noção que “Top Gun: Maverick” não podia ser uma mera repetição passiva da primeira fita, mas era impossível que fosse um filme “revisionista”. Havia que manter o perfume nostálgico, mas também ser minimamente realista.

[Veja uma entrevista com o realizador Joseph Kosinski:]

Assim, “Top Gun: Maverick” conserva vários aspetos do filme original, através de uma série de referências visuais, musicais e de situações, e reconhece e integra na história, e na personagem de Maverick, agora mais descontraído, calmo e até mais melancólico do que há 40 anos, todas essas grandes mudanças que entretanto se deram. E elas proporcionam, por exemplo, um comovente reencontro entre Maverick e o seu velho amigo, camarada e protetor Tom “Iceman” Kazanski, agora almirante e com a saúde muito debilitada (como o próprio Val Kilmer, que volta ao papel); e o aparecimento de um novo interesse romântico, na pessoa de Penny (Jennifer Connelly), a filha de um almirante apenas mencionada no primeiro filme, dona de um bar e mãe solteira, com a qual Maverick não faz farinha.

[Veja imagens da preparação dos actores e da rodagem:]

A fantasiosa “missão impossível” (nem por acaso…) que Maverick está encarregue de coordenar, tem embutida o núcleo emocional do filme. Um enredo de ressentimento, perdão e superação, que envolve Bradley “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho do malogrado amigo e co-piloto de Maverick, Nick “Goose” Bradshaw, que o culpa pelo acidente que levou à morte do pai, embora a Marinha tenha ilibado Maverick de qualquer responsabilidade. Este, por motivos que guarda para si, não só tentou impedir que “Rooster” entrasse para a Top Gun, como também não o quer indicar para a perigosíssima missão. É tudo convencional e previsível, mas “Top Gun: Maverick” assume com naturalidade o caderno de encargos deste formato. E funciona.

[Veja uma entrevista com Jennifer Connely:]

A fita é dominada da primeira à última imagem por um Tom Cruise em forma olímpica, quase com 60 anos, mas com a energia e o entusiasmo de alguém de 30, que continua a trabalhar incansável e afincadamente para a sua imagem de última estrela do cinema americano e maior herói de ação planetário, um misto de “showman”, lenda da tela e homem de negócios que nunca deixa de pensar na satisfação plena dos espectadores. “Top Gun: Maverick” conserva também, do primeiro filme, e agora melhoradas, as fulgurantes sequências aéreas rodadas quase todas nos céus e não contra ecrãs verdes e tapeadas com efeitos digitais, graças a uma multiplicidade de câmaras de ponta postas dentro e fora dos aviões, fazendo-nos partilhar as sensações dos pilotos e a vertigem do voo supersónico.

[Veja os caças do filme:]

Na continuação de “Top Gun; Ases Indomáveis” que Tony Scott estava a preparar quando se suicidou, há 10 anos, a história centrava-se no advento dos “drones” que iriam acabar por tornar obsoletos os pilotos de caça de elite como Maverick. Desse argumento sobrevive, em “Top Gun: Maverick”, a frase que um dos superiores do protagonista lhe atira: “O futuro vem aí. E você não faz parte dele.” Mas enquanto Maverick conseguir fazer, com um velhinho F-14, aquilo que faz no final do filme a caças russos SU-57 da quinta geração (e por muitas insuficiências que estes tenham), não há “drone” que o substitua.

E de certeza que na escola Top Gun (antiga United States Fighter Weapons School, agora United States Navy Strike Fighter Tactics Instructor Program), onde está em vigor desde que “Top Gun: Ases Indomáveis” se estreou, há 36 anos, uma multa simbólica de cinco dólares para quem cite uma fala de Maverick ou refira uma cena do filme de Tony Scott, esta continuará a ser válida para “Top Gun: Maverick”.