A economia portuguesa vai sofrer uma travagem brusca em 2023, prevê a OCDE nas previsões económicas divulgadas esta quarta-feira. Depois de um crescimento de 5,4% em 2022, a expectativa do organismo é que o Produto Interno Bruto (PIB) no ano seguinte irá crescer apenas 1,7%, penalizado pelos impactos da guerra na Ucrânia, os problemas nas cadeias de abastecimento globais e o aumento dos preços da energia e de outros produtos – fatores que “irão baixar a confiança e penalizar o poder de compra”. A confirmar-se, seria um crescimento (em 2023) que corresponde, aproximadamente, a metade do que o Governo prevê no Programa de Estabilidade.

O “investimento público robusto, impulsionado pelos fundos comunitários, e o regresso do turismo irão continuar a apoiar a recuperação” após a pandemia – “porém, a guerra na Ucrânia, as perturbações nas cadeias de fornecimento e as subidas dos custos energéticos e dos preços das matérias-primas vão penalizar a atividade” económica. Esta é a ideia principal que é transmitida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) no capítulo que dedica à economia portuguesa, em relatório divulgado esta quarta-feira.

A OCDE reconhece que continua a existir alguma margem para suster esses impactos negativos, mas essa margem será limitada porque “os aumentos na energia e nos bens alimentares devem elevar a inflação para 6,3% em 2022 e 4% em 2023“. Ou seja, a inflação não só supera o crescimento em 2022 como será mais do que o dobro do crescimento do PIB em 2023, caso se confirmem estas projeções.

Em dezembro a OCDE tinha projetado um crescimento ainda maior da economia portuguesa em 2022 – 5,8% – mas, sobretudo, estava muito mais otimista de que a expansão económica iria manter-se a um ritmo mais elevado no ano seguinte, 2023: 2,8%. Essa previsão cai, agora, para 1,7% (e a partir de uma base mais baixa que é um crescimento em 2022 um pouco menos fulgurante do que se previa – 5,4%)

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Relativamente a 2022, as previsões da OCDE não diferem muito daquilo que é previsto pelos principais organismos: o crescimento de 5,4% previsto pela OCDE supera até os 4,9% apontados pelo Banco de Portugal (em março) e os 5% apontados no Programa de Estabilidade 2022-2026 (da responsabilidade do Governo). Contudo, para 2023 o Banco de Portugal está confiante num crescimento de 2,9% e o Governo tem previsto um aumento de 3,3% no PIB nesse ano – ou seja, aproximadamente o dobro do que prevê a OCDE.

PIB cresce 2,6%, mas até quando o consumo poderá levar a economia às costas?

OCDE pede “política orçamental prudente”

“Os salários devem acelerar (…) mas não o suficiente para salvaguardar o poder de compra das famílias, num contexto de aumento da inflação”, vaticina a OCDE, no relatório divulgado esta quarta-feira.

Neste cenário, a OCDE sublinha que “tendo em conta os elevados níveis da dívida pública, para garantir custos de financiamento favoráveis é essencial que se mantenha uma política orçamental prudente e que se defina um plano de consolidação credível para as contas públicas”.

O Governo deve ajudar a mitigar o impacto da inflação na economia, reconhece a OCDE – porém, “os apoios orçamentais devem ser temporários e direcionados [apenas] aos mais vulneráveis“, sublinha o organismo.

A OCDE acrescenta que “acelerar o investimento em energias renováveis pode ajudar a recuperação ao mesmo tempo que se reduz a dependência dos combustíveis fósseis. Fomentar a adoção de tecnologias digitais, através da melhoria do acesso a formação na área digital (…) ajudaria a aumentar a competitividade das empresas e beneficiar a produtividade.”

PIB cresce 2,6%, mas até quando o consumo poderá levar a economia às costas?

“Preço elevado” da guerra. Crescimento mundial baixa de 4,5% para 3%

A revisão em baixa das projeções da OCDE para a economia portuguesa surge no contexto de um corte significativo das previsões de crescimento global. Se dantes o organismo sediado em Paris apontava para um crescimento de 4,5% em 2022, agora essa previsão passou para 3%. E também para 2023 apenas se antecipa, agora, um crescimento de 2,8%.

“A invasão da Ucrânia, bem como os confinamentos em várias cidades e portos marítimos na China, devido à política de Covid-zero, gerou um novo conjunto de choques adversos”, afirma a OCDE, que diz que as economias mundiais estão a pagar um “preço elevado” pelo impacto da guerra iniciada pela Rússia.

Esse “preço elevado” que está a ser pago – e continuará a ser – é um ónus que tem de ser repartido de forma justa nas sociedades, defende a OCDE, sublinhando que cabe aos governos assegurar essa distribuição justa dos sacrifícios.

“A questão para as autoridades governamentais é saber quão elevado será o preço a pagar e como é que deve ser repartido”, afirma a economista-chefe da OCDE, Laurence Boone. “Se o preço não for repartido corretamente, então acabará por tornar-se maior“, avisa a OCDE, citando como perigos a possível instabilidade política causada pela fome nos países que dependem das importações alimentares mas, também, a “polarização” política nos países desenvolvidos.