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No fim do Primavera encontrámos o passado e o futuro: uma noite entre a urgência de Little Simz e o festim dos Gorillaz

Este artigo tem mais de 1 ano

No último dia, o Primavera voltou às enchentes. Os Gorillaz aqueceram um palco a precisar de calor, Little Simz roubou a noite num concerto memorável. Mas também houve Khruangbin e Benidorm, baby.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Little Simz, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Little Simz a atuar este sábado à noite no NOS Primavera Sound, no Porto

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Little Simz a atuar este sábado à noite no NOS Primavera Sound, no Porto

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Um festival que tem cinco palcos e apenas dois concertos realmente noturnos no principal (os Dinosaur Jr. começaram este sábado às 20h10, hora de jantar e ainda à luz do dia), permite isto: encontrarmos num dos palcos teoricamente “secundários” um concerto que se impõe como um dos mais importantes do dia. Que nos perdoem os Gorillaz de Damon Albarn — antes mesmo de tocarem já sabíamos que a estreia de Little Simz fora outro grande momento do NOS Primavera Sound.

De mansinho, o hip-hop apareceu este sábado com uma comandante de luxo para dizer presente na despedida do festival, dia em que o recinto voltou a encher com perto de 35 mil pessoas — a mesma adesão de quinta-feira, números da organização, que garante ainda que no dia intermédio estiveram perto de 30 mil nostálgicos dos festivais.

Terminada a edição com a maior enchente de sempre, veem-se já aspetos a melhorar para o ano. E o principal é o mesmo o funcionamento (francamente insuficiente) dos transportes, capaz de deixar a cabeça em água a caminhantes sedentos de um veículo de quatro rodas, em especial de madrugada. Regressemos, porém, à música, que como no primeiro e no segundo dia voltou a conciliar nostalgia e descoberta, chamarizes resgatados ao passado e novos futuros clássicos.

Bendito seja o/a massagista de Little Simz

O timing era perfeito, depois de dois álbuns que projetaram “Simbi” Ajikawo, britânica de 28 anos filha de pais nigerianos, como um dos talentos maiores do hip-hop e da música popular do presente. Se a atuação no Porto tivesse acontecido depois de Grey Area, o disco de 2019 que fez de Little Simz nome incontornável, o concerto não teria sido menor. Mas a estreia ter acontecido já depois do sucessor Sometimes I Might Be Introvert, de 2021, fez com que a adesão fosse ainda maior, ajudou a que a comunhão com o público impressionasse.

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O palco Cupra, localizado na ponta oposta do Parque da Cidade à do palco principal, estava à pinha para a ver. E havia bons motivos para isso: o flow e a capacidade de disparar palavras de mil e uma maneiras, sempre a surfar o ritmo certo das batidas, a escrita muito menos simples e batida do que a média do que se ouve no hip-hop mais mediático e popular, a capacidade de misturar o rap com o canto e o formato da canção pop com elegância e bom gosto (“Woman”, “Selfish”…). Por último, mas não menos importante, os ritmos, tão capazes de irem desembocar na melhor soul eletrónica como de se deixarem contaminar bem pelo reggae, pelo funk à George Clinton e por ritmos mais vincadamente africanos.

Em 2019, Little Simz dizia-nos, em entrevista, que nunca fora a Portugal e adoraria ir “nem que fosse de férias”, porque ouvia “coisas incríveis”, diziam-lhe que era “um país lindo”. Portanto, “ir já seria ótimo, ir e atuar seria ainda melhor”. No concerto aludiria a isso com alguma graça, referindo que “fazendo digressões há anos”, nunca viera a este país. Era preciso caprichar: contou-nos que fez o ensaio de som com a banda, fumou um cigarro, voltou ao hotel, comeu uma lasanha vegetariana e foi passear encontrando “o cenário mais incrível”. Daí, regressou ao hotel e fez uma massagem. Queria estar no seu melhor esta noite. Bendito/bendita massagista.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Little Simz, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A entrada foi imponente, ao som de “Introvert”, compêndio em canção de rimas antológicas, de tirar o fôlego a um mortal mas não a todos. Atrás de si viam-se no ecrã as letras “Simbi”, o seu diminutivo, que se manteriam todo o concerto. E ela, acompanhada por uma valente cambada que a ajudava a complementar e reforçar as rimas e também a garantir a base rítmica, com recurso a mesa de mistura, teclas, bateria, guitarra e baixo, foi tornando o concerto memorável.

Foi só vê-la balançar, gingar ao som da música, descendo e subindo, é isto o swag, dominando e hipnotizando o público com o microfone, com a dança, com sorrisos embasbacados a olhar para a quantidade de gente que tinha a frente, a ouvir as palmas que pareciam intermináveis, a ensaiar os “obrigados”.

Em canções como “Two Worlds Apart”, as palavras saem-lhe com o calor de paragens distantes, um bocadinho da Nigéria, um bocadinho da Jamaica, um bocadinho das Bahamas, as memórias do passado de quem garante não se iludir com o sucesso (“we was on the front line listening to Kendrick Lamar / Still the same“) mas a confiança de quem sabe o valor do que faz, London-born estate girl to international sensation.

Prosseguem os êxitos, público na fila da frente a retirar versos e versos da ponta da língua, “I Love You, I Hate You” primeiro, “Boss” depois. Em “Speed”, deixa o lugar da frente para recuar e tocar teclas. Daí avança Simbi para “Rolling Stone”, canção a provar que os ritmos trap não obrigam às palavras de ordem cansadas do costume, tema mais sintonizado com os ritmos mais populares do hip-hop e que põe as primeiras filas a saltar.

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Depois de um momento a capella, vem “Protect My Energy” e uma banda a escorregar com gosto pelas águas do funk e do G-Funk. Mas é a seguir que tudo se agiganta até que o concerto passe a consagração: “101 FM” e “Selfish”, desse tratado que é Grey Area, fazem da atuação uma celebração cantada, “Venom” e “Woman”, mais à frente, fazem-nos suspirar ainda por um encore que já não chega — e ainda nos dá, a primeira, um mosh nas primeiras filas. Só foi pena a duração do concerto, urge um regresso menos apressado. Com estatuto de cabeça de cartaz, talvez?

Os Gorillaz levaram uma comitiva de estrelas, nós voltámos aos intervalos da escola

Era previsível que este fosse um dos grandes concertos da edição de 2022 e as expetativas não saíram goradas. Damon Albarn, 54 anos, é um génio com alma de miúdo, boné cor de rosa pousado na cabeça, palco transformado em recreio da escola. Só uma mente deste tipo é que se poderia lembrar de, na transição dos 90 para os 2000, criar um universo de personagens desenhados por Jamie Hewlett às quais chamaria de Gorillaz. 2-D, Murdoc, Noodle e Russel conquistaram de imediato o nosso imaginário, entretido a trautear em loop “Clint Eastwood”.

Estávamos no auge do videoclip e da MTV, que aliás os trouxe a Portugal para a sua gala Music Awards de 2005. Estávamos completamente apanhados pela onda dos Gorillaz, Get the cool / Get the cool shoeshine passava em quase todos os intervalos das aulas, não havia nada mais fixe do que isso.

Esta noite, no Porto, essa aura sentiu-se novamente, muito por causa de uma energia inesgotável de Albarn. Ele trepou às grandes uma e outra vez, olhou as primeiras filas nos olhos, saltou de um lado para o outro do palco, celebrou um grande festão de hora e meia, fazendo-se acompanhar por convidados de luxo. Beck foi o primeiro a aparecer, de chapéu panamá amarelo, cantando “The Valley of The Pagans”, que já no dia anterior tinha incluído no seu alinhamento. Bootie Brown fez de Mos Def em “Stylo” para logo a seguir entrar Fatoumata Diawara a interpretar “Désolé”.

O desfile de pesos pesados parecia nunca mais acabar e a euforia a crescer de tema para tema. Com Little Simz foi o delírio total (segunda vez no mesmo dia, isso não se faz Simbi). “Garage Palace” levantou pó do anfiteatro. O banquete ficaria completo com De La Soul, aquela voz forte a perguntar se estamos todos bem – como não haveríamos de estar? – para dar entrada a “Feel Good Inc”.

Por cima disto tudo ainda tivemos uma banda sólida que nos encheu de orquestrações refinadas, back vocals do melhor gospel que há e um Damon Albarn a brincar com todo o tipo de instrumentos que lhe caíam nas mãos. Podia este concerto ter corrido mal? Nunca. Podia ter corrido melhor? Bem, se calhar podia se o sistema de som não tivesse vacilado em alguns momentos, falhando fatalmente no derradeiro “Clint Eastwood” – Damon Albarn ficou a cantar para o boneco (literalmente). Ninguém pareceu muito melindrado com o sucedido, o público debandou de sorriso na cara. Este é daqueles concertos que vai direitinho para o álbum de recordações.

Os Dry Cleaning levaram a neurose pós-punk; David Bruno, a festa da espuma

Se na noite anterior Chico da Tina era um ovni para quem não estava familiarizado com o conceito de trap minhoto, o que dizer de David Bruno, nome que, a par de Dry Cleaning, abriu o terceiro dia do festival? Qualquer estrangeiro acabado de aterrar no palco Super Bock às 17h provavelmente ficaria a achar que Gondomar era a capital de Portugal, Mafamude um herói luso e Gaia, concelho que tem mais população do que a Islândia (fica a nota), a terra prometida de todos quanto confessam a religião de DB. Boa sorte a tentar explicar este combo a qualquer alma perdida no meio de uma plateia em êxtase, de braços levantados para apanhar uma das muitas rosas atiradas do palco pelo Dj António Bandeiras.

David Bruno conseguiu manter sempre a chama da atuação acesa, o azeite a escorrer na dose certa, celebrando o Portugal da raia, das festas da espuma e do romance servido a colheradas de papas de sarrabulho. “Bebe & Dorme”, “Inatel”, “Mesa para dois no Carpa” foram entoadas a plenos pulmões, Graciano Saga homenageado em “Doucement” e, com o calor tórrido que se fez sentir, quase parecia o meu querido mês de agosto.

Quem achar que isto tudo é um absurdo, galhofa embrulhada em solos melosos de Marco Duarte – “um forte aplauso para o Marquito” –, então é porque nunca deve ter pisado uma festa de aldeia na vida ou berrado um SIIIIIM nos golos de Cristiano Ronaldo pela seleção. É verdade, queridos conterrâneos, não adianta esconder ou passar uma patine por cima da nossa essência romântica, apaixonada, foleira, sofrida e exagerada. No fundo, bem no fundo, todos nós gostamos de pequenos delitos, de envergar, sem razão aparente, a camisola do clube da nossa terra — Paços de Ferreira, capital do móvel, e Gil Vicente, Nuno Assis 28, orgulhosos na plateia — e sujar a camisa de domingo com molho de leitão do restaurante Flor do Ave.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de David Bruno, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de David Bruno, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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À mesma hora de David Bruno, no polo oposto do recinto, os britânicos Dry Cleaning apresentavam-se pela primeira vez em Portugal. Apontados como renovadores do rock britânico, só precisaram de um álbum completo, New Long Leg, editado o ano passado, para ganhar a fama, graças a canções que repescam o pós-punk e o trazem moldado a uma certa neurosa do presente.

O cenário não era o melhor para os Dry Cleaning: demasiado sol e excesso de luz para uma banda que, mesmo que capaz de fazer dançar levemente pelo andamento rápido das canções elétricas, pede um horário mais noturno. As palavras da vocalista do quarteto, Florence Shaw, acotovelam-se umas às outras, saem-lhe quase sempre mais ditas do que cantadas, numa teia labiríntica de rock nervoso. São proferidas com uma displicência cool, como se fossem meros detritos que só complementam o ritmo, e ouve-se um certo tédio explorado nas canções, ainda que por vezes o combo acelere.

Houve tempo para uma dedicatória de “More Big Birds” à pintora Paula Rego, “uma lenda”, e exatamente o contrário. “Strong Feelings”, explicava Florence Shaw, foi escrita a pensar num Pedro mas que os restantes “Pedros” que ali estavam não fossem ao engano: “Esta canção não foi escrita a pensar em vocês, os Pedros que aqui estão, peço imensa desculpa”. O relógio haveria de impor a saída, era tempo de rumar ao corta-fitas do dia do palco principal, Helado Negro.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Dry Cleaning, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Dry Cleaning, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Dry Cleaning, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Dry Cleaning, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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A melancolia feliz de Helado Negro não tem contra-indicações

Foi com “Running”, la última canción, que ele acabou com o concerto mas minutos depois era ainda o verso de “Hometown Dream” que ia tocando em loop na nossa cabeça: slow down slow down.

Ouvimo-lo quando o cansaço dos dias anteriores se ia instalando, uma correria palco a palco de que nos desabituámos, seguida de longas madrugadas de escrita. O cérebro pedia que se desligasse o interruptor, o corpo pedia que de sentados na relva passássemos a deitados ao sol. E ouvimos então o feiticeiro de América na certidão mas com o Equador no coração, Helado Negro, o homem que nos canta como se tudo estivesse bem ou, pelo menos, como se tivesse descoberto o grande segredo do mundo: que no campeonato das coisas relevantes a felicidade é insuperável. Slow down slow down slow down slow down.

É um bom relaxante muscular para corpos mais ou menos cansados e um bom relaxante mental sem contra-indicações para cabeças mais ou menos frenéticas, a música de Helado Negro. Ele apareceu feliz durante a tarde, 18h em ponto, sol a queimar-nos a pele, nem uma brisa a soprar que nos aliviasse a torra. Está tudo bem, as próprias canções de Helado Negro são como sopros suaves, canções-brisa que imaginamos criadas de olhos meio abertos já meio fechados, prestes a ceder ao sono. Não sabemos que mundos distantes são esses que ele conhece, mas são deliciosamente coloridos.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Helado Negro, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Helado Negro, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Helado Negro, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Helado Negro, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Helado Negro entrou acompanhado por dois músicos, um baterista e um outro que se dedicou sobretudo, mas não só, à guitarra. E avançou sem medos mas também sem pressas, com jeitinho, para um concerto de 50 minutos em que se mostrou perito na arte de desacelerar.

Era “a primeira vez” dele aqui no Porto, “gracias Primavera”, mas não a primeira em Portugal, “sempre encantado por estar aqui”. Vieram as canções: o sonho com outros mundos de “Gemini and Leo”, corpo a abanar já sem temores, o balanço a baixa rotação de “Pais Nublado”, “Outside the Outside” para bailar un poco e “Running” para as despedidas.

O disco que o fez começar a percorrer estes palcos foi This Is How You Smile, editado em 2019 e antecessor de Far In (de 2021). Também a música é contida, desacelerada, sempre com vontade de fugir para terrenos psicadélicos mas relaxada nos seus encantamentos, espreguiçada no seu andamento, melancolicamente feliz. Soube bem.

Khruangbin, meus caros: estamos fatalmente seduzidos

Chegar ao palco Cupra à hora em que os Khruangbin começaram a tocar foi um desafio que exigiu muita perseverança. Não conseguimos andar para lá da regie, valeram-nos os ecrãs laterais para apanhar qualquer coisinha do que se passava em palco. A noite não seria fácil,  percebemos logo, o recinto estava a abarrotar.

O esforço para contornar os obstáculos humanos levou-nos a soltar um suspiro e a andar às voltas com uma questão na cabeça: será que um grande festival, por indiscutivelmente interessantes que sejam os nomes que o compõem, consegue continuar a ser uma experiência agradável quando é difícil encontrar uma pequena clareira no meio da multidão? Por vezes fica a sensação de que pagamos para ficar em filas ou entalados na plateia, sorvendo as migalhas que nos vão chegando aos olhos e aos ouvidos. Até o Parque da Cidade, um recinto do éden, tem os seus limites.

Desabafo feito, voltemos a pousar os pés no chão e os olhos em Khruangbin. Parte do charme deste trio texano está na latência da sua sonoridade, mesclada a funk, disco, psicadelismo oriental, Western e Magrebe, um jogo de sedução que tanto parece servir para nos engatar num bar de beira da estrada – néones quentes, whisky em cima do balcão, cigarro no canto da boca – como para nos matar com refinado sadismo, tal e qual os grandes finais de Tarantino. Neste concerto, nós éramos Kurt Russel e os Khruangbin Vanessa Ferlito. Tivemos direito a uma lap dance à prova de morte.

Não abriram a boca do início até ao fim do concerto, excetuando um “Hello Porto Primavera” de Laura Lee, voz arrastada, olhar desafiante e fatal atrás do groove do baixo. Nada de errado nisso, o espetáculo não carece de qualquer palavra, tudo é dito através dos solos da guitarra de Mark Speer e das escassas letras ao jeito Lynchiano, como em “Evan Finds the Third Room”, if you like to say hello, press 1” (foi exatamente aí que Laura “premiu” o botão) ou “Pelota”, yo quiero ser pura Vera / pero quiero amar el desastre / el desastre que es mío.

Quase no final, ofereceram-nos um momento medley com Erykah Badu, Snoop Dog, Tribe Called Quest que culminou em Chris Isaak, o coração jorrado na lama, a elegante decadência do amor. Beberam um shot a encerrar a atuação, como parceiros de crime que são, e resgataram as nossas almas com “Rhythm Is a Dancer”. Estamos fatalmente seduzidos.

Quem quis fugir a Interpol suou as estopinhas no Bits: cortesia de DJ Firmeza

A hora do jantar chegava, o estômago suspirava já pelas iguarias portuenses, mas ainda era possível espreitar os Dinosaur Jr. a congregarem os velhos fãs de Pavement no palco principal. Por ali não há grande novidade, sabemos sempre com o que contar de J. Mascis e seus amigos, velhos conhecidos dos amantes do rock alternativo e dos habitués do NOS Primavera Sound, que já os recebera em 2013 e 2016.

O dinossauro ainda rocka e o visual pode denunciar a idade mas as velhas canções ainda são tocadas com chama. A banda não se esqueceu de como distorcer a eletricidade q.b. e aplicar-lhe a energia certa, para que em vez de brisa, como Helado Negro, nos deixem de cabelos em pé com a ventania rock que assolou parte dos 80’s (sobretudo a segunda metade desta década) e dos 90’s. O público do Primavera, porém, recebeu-os com alguma tepidez, talvez por algum cansaço. Sim, já vimos tudo isto.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto dos Dinosaur Jr, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto dos Dinosaur Jr, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Essa tepidez sentiu-se ainda mais no concerto no palco principal dos Interpol, pela hora mais adiantada. Se Little Simz, que tocara antes, se prestou a uma massagem antes de dar o primeiro concerto em Portugal, porque nos queria aparecer à frente na sua plenitude, energia a exalar pelos poros, talvez os Interpol devessem ter feito o mesmo.

Tocar ao vivo não é definitivamente a praia deles e todos os gestos transparecem um esforço sobre-humano. Os fãs saem sempre contentes, até porque Paul Banks e os seus sabem trazer os clássicos certos para palco – “Evil” logo a abrir para arrancar em força e “Slow Hands” a valer o aplauso final. Mas em todos os concertos, e já lá vão três no Primavera Sound, prevalece aquele desconforto de quem preferia mil vezes estar em estúdio do que com uma multidão à frente. “Estamo-nos a divertir bastante”, ainda disse Banks, provavelmente lembrando-se de uma frase apanhada num qualquer manual manhoso de “10 coisas que as bandas devem dizer nos espetáculos ao vivo”. Perdoa-nos Paul, mas é difícil acreditar nessas palavras com tão pouco entusiasmo. Contudo, fica registado o esforço. Talvez no próximo concerto os Interpol consigam gerar aquilo a que a psicologia chama de empatia.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Interpol, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Interpol, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Interpol, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Interpol, no último dia do festival. 11 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A diversidade de palcos permite, porém, a escolha. E umas quantas centenas, possuídas pelo desejo de suar e dançar, fizeram vistas grossas aos Interpol e foram ao palco Bits ver DJ Firmeza. O artista da Príncipe Discos foi aposta certeira, levou tudo ao chão (“todos abaixo”) e ao alto, trouxe batidas africanas e ritmos do ghetto para deixar as chatices serem engolidas nesta máquina de lavar dançante, ele mesmo encharcado em suor, passos de dança impressionantes, rei da festa a abanar a toalha.

Na véspera tínhamos visto Nídia, sua colega de editora que deixara também a temperatura quente, moldando por exemplo o novo funk brasileiro e vestindo-o com percussões choque-enérgico das periferias de Lisboa. Os “bailes de favela” têm, afinal, pontos em comuns: a alegria que, na pista, exorciza os problemas.

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