O Ministério Público (MP) promoveu na última sexta-feira junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa a marcação de um novo interrogatório a José Sócrates no âmbito da alteração das medidas de coação ao antigo primeiro-ministro. Estão em causa as viagens ao Brasil realizadas por Sócrates e que não foram comunicadas ao processo no qual José Sócrates e Carlos Santos Silva foram pronunciados pelos crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documento.

No requerimento apresentado nos autos, o procurador Vítor Pinto não poupa nas palavras para criticar o que diz ser mais um “insólito” requerimento e “mais uma tese de peregrina” da defesa de José Sócrates: a de que o ex-líder do PS já não é arguido no processo que nasceu da pronúncia decidida pelo juiz Ivo Rosa em abril de 2021, logo a medida de coação do termo de identidade e residência (TIR) já caducou, não tendo, por isso, ocorrido nenhuma violação do TIR com a não comunicação das viagens ao Brasil.

MP quer que Sócrates explique viagens ao Brasil e poderá promover alteração das medidas de coação

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“Se o objeto da pronúncia não mudou, porque haveria de “caducar” o TIR e o arguido ter de ser de novo constituído arguido e prestar outro TIR???”, lê-se, ipsis verbis, no requerimento do MP datado de 17 de junho ao qual o Observador teve acesso.

O procurador Vítor Pinto faz ainda questão de citar no seu requerimento uma citação do despacho de pronúncia do juiz Ivo Rosa: “O arguido [José Sócrates] encontra-se sujeito às obrigações decorrentes da prestação de TIR (…), determinando-se que aguarde os ulteriores termos processuais sujeito às obrigações decorrentes da prestação de TIR”, despacho esse que foi do qual “o arguido foi notificado”.

“Maior clareza não podia haver”, conclui o magistrado do MP que considera que, apesar da “separação de processos” que foi decidido pelo juiz Ivo Rosa, Sócrates mantém a sua qualidade de arguido, o TIR e os respetivos deveres inerentes — como comunicar aos autos o local onde se encontra sempre que se ausenta da sua morada por mais de cinco dias.

“Sócrates ‘acha-se’ no direito a um processo penal de privilégio”

José Sócrates tentou anteriormente anular junto da juíza Margarida Alves, a titular dos autos do processo aqui em causa, uma ordem judicial dirigida à Polícia Judiciária e ao Gabinete Nacional da Interpor para informarem os autos sobre as datas específicas das entradas e saídas do ex-primeiro-ministro do território nacional.

Apesar de tal informação já ter chegado aos autos, e do requerimento de Sócrates já ter perdido o efeito útil, o procurador Vítor Pinto não deixa de censurar duramente a postura da defesa do ex-líder do PS.

“Como se já não bastasse ‘achar’ que “não tinha nem tem obrigação alguma de comunicar e, muito menos, de prestar ao tribunal ou processo algum qualquer tipo de informação” relativamente às suas ausências
para o estrangeiro por períodos superiores a cinco dias (anterior requerimento), ‘acha-se’ agora no direito de decidir, ele mesmo, que diligências a M.ma Juíza titular do processo pode ou não ordenar com vista a apurar da eventual violação das obrigações impostas ao arguido, decorrentes da sua sujeição a TIR, e a aferir do grau dessa violação!”, lê-se no requerimento do MP.

Sócrates mantém convicção de que “não tinha nem tem obrigação alguma” de avisar tribunal sobre viagens ao Brasil

Daí que Vítor Pinto diga que “não parece haver limites para a desfaçatez do arguido.” Isto é, Sócrates “continua a achar-se com direito a um estatuto especial ou a um processo penal de privilégio”, censura o magistrado, recordando ao ex-primeiro-ministro o “princípio constitucional de que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.

“Para quem, constantemente, inventa inconstitucionalidades para entorpecer o andamento deste processo e do processo 122/13.8TELSB (e, até ver, nem uma das invocadas inconstitucionalidades foi acolhida pelo
Tribunal Constitucional!), não fica bem ignorar tão basilar princípio constitucional…”, remata o magistrado.

Interrogatório com marcado para 30 de junho

A juíza Margarida Alves já terá deferido a promoção do MP. Segundo o Expresso, o interrogatório já está marcado para 30 de junho no Juízo Criminal de Lisboa. A defesa do antigo primeiro-ministro continua a insurgir-se contra o MP, mantendo que “José Sócrates não tem Termo de Identidade e Residência [TIR]” em qualquer processo.

Em declarações à Lusa, o advogado Pedro Delille defende ainda que o ex-primeiro-ministro já explicou publicamente as viagens ao Brasil no âmbito de um doutoramento e defendeu que esta iniciativa do MP visou passar “uma ideia errada e falsa de que José Sócrates esteja na iminência de ser julgado”. Pedro Delille criticou ainda o MP por tentar obter explicações sobre as viagens ao abrigo do TIR, o que disse ser “absolutamente ilegal”, uma vez que esta medida de coação — que reiterou não estar aplicada a José Sócrates — não permite que se interrogue alguém para obter esclarecimentos sobre viagens. “Caso contrário, estaríamos num estado policial”, atirou.

Conforme a Visão adiantou esta segunda-feira e o Observador confirmou, o procurador do Ministério Público propôs a realização do interrogatório à juíza Margarida Alves, do Juízo Criminal de Lisboa, onde está o processo por falsificação e branqueamento de capitais, depois de ter recebido detalhes das viagens de Sócrates ao Brasil durante o último ano, fornecidos pela Interpol.

José Sócrates está a fazer um doutoramento em Relações Internacionais na Universidade Católica de São Paulo e tem participado em ações do Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva. Mas não deu conhecimento destas viagens ao tribunal, apesar de ser arguido e estar sujeito a uma medida de coação (termo de identidade e residência).

Embora o antigo primeiro-ministro tenha argumentado que continua a manter a sua residência na Ericeira, e que por isso não é obrigado a dar informação ao tribunal sobre as suas viagens, a lei prevê não só a identificação do arguido e da sua morada, mas também a obrigação de não mudar de casa nem se ausentar dela por mais de cinco dias “sem comunicar a sua nova residência ou local onde possa ser encontrado”, o que não aconteceu neste caso.

Em entrevista à SIC, e questionado sobre estas viagens, Sócrates disse que teria informado o tribunal das suas deslocações se tivesse sido questionado “com bons modos” e não de uma forma “própria de um Estado policial”.