A participação num doutoramento em Relações Internacionais na Universidade Católica de São Paulo e em ações do Partido dos Trabalhadores (PT) são as causas das viagens regulares de José Sócrates ao Brasil. Mas as mesmas não são do conhecimento dos autos do processo em que o ex-primeiro-ministro continua a ser arguido e sujeito à medida de coação mínima, noticia a revista Visão.

Essa omissão de Sócrates pode constituir uma violação da lei porque todos os arguidos com o termo de identidade e residência têm de comunicar ao respetivo tribunal a sua localização exata, sob pena das medida de coação serem reavaliadas.

Ao que o Observador apurou, o Ministério Público (MP) irá, para já, promover junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa que notifique José Sócrates para esclarecer a razão pela qual não comunicou as suas viagens ao Brasil. Caso a resposta não seja satisfatória, o MP poderá mesmo promover a reavaliação das medidas de coação junto da juíza titular dos autos.

Confrontando pela CNN Portugal, José Sócrates afirmou que o tribunal tinha a sua “morada”: “Não mudei de endereço pessoal, razão pela qual não me sinto obrigado a comunicar ao tribunal nada mais que não seja o meu termo de residência”.

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A interpretação da lei de José Sócrates não coincide com a do seu advogado Pedro Delille (que à revista Visão afirmou que irá diligenciar para que o ex-primeiro-ministre informe o tribunal das viagens que realizou) e também é o oposto do que é seguido por outros arguidos mediáticos. Por exemplo, Ricardo Salgado tem comunicado todas as suas viagens de forma escrupulosa aos diversos autos em que é arguido, como o Observador tem constatado regularmente. Não só informa o período em que estará ausente, como também comunica o destino e uma morada concreta onde pode ser encontrado.

Recorde-se que José Sócrates não foi pronunciado nos autos da Operação Marquês nos exatos termos em que foi acusado pelo MP, logo a medida de coação mínima (o termo de identidade e residência) expirou, visto que o recurso do MP sobre a não pronuncia não afeta esta extinção. Mas Sócrates foi pronunciado para julgamento pelo juiz Ivo Rosa por três crimes de falsificação de documentos e de branqueamento de capitais, juntamente com o seu amigo Carlos Santos Silva).

E é nestes autos, que têm o número 16017/21.9T8LSB, que o ex-primeiro-ministro continua arguido, sujeito a termo de identidade e residência e no qual terá de explicar por promoção do MP as razões para não ter comunicado a sua ausência.

Enquanto o recurso do MP sobre a não pronúncia decidida do juiz Ivo Rosa ainda está à espera de subir para a Relação de Lisboa, já o julgamento de José Sócrates e de Santos Silva também ainda tem recursos pendentes e ainda não se iniciou.

O doutoramento no Brasil e as ações de apoio ao PT de Lula da Silva

O doutoramento é realizado no âmbito do programa de pós-gradução San Tiago Santas. José Sócrates escolheu como orientador Reginaldo Nasser, professor universitário e ativista do PT, que, à Visão, disse que não havia nada que “legalmente” impedisse o ex-primeiro-ministro de ser selecionado para o curso. Além disso, confirmou que José Sócrates assiste às “disciplinas do programa” e foi escolhido “por meio de um processo de seleção para alunos estrangeiros”.

No entanto, José Sócrates nunca comunicou aos tribunais as viagens ao Brasil e as suas ausências da sua área de residência, indica a Visão, que consultou os autos do processo da Operação Marquês. O ex-primeiro-ministro tem de o fazer por ser arguido na operação Marquês e por estar sujeito à medida de coação de termo de identidade e residência, que o obriga a divulgar as ausências do país se ocorrerem por mais de cinco dias.  

Além do doutoramento, José Sócrates tem participado em várias conversas em canais de YouTube. Num vídeo publicado a 18 de abril — realizada com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos —, refere que está em “São Paulo” e que ficará na cidade brasileira por mais “duas semanas” — o que comprova uma das ausências por um período superior a cinco dias.