Tóquio, Rio, Denver, Nairobi, Helsínquia, Berlim e o Professor estão de volta. Só que piscamos os olhos durante dois segundos e, de repente, estamos numa espécie de mundo invertido ao estilo de “Stranger Things”. O espanhol virou coreano, as máscaras de Dali perderam o bigode e o bunker dos assaltantes é uma piscina abandonada em vez da mansão na terriola onde se cantava o “Bella Ciao” ao luar. De resto, tudo igual: os mesmos macacões vermelhos, a Casa da Moeda como local do assalto, o plano para imprimir milhões e uma inspetora que se deixa apanhar no plano e se apaixona pelo cabecilha. “Señores”, como diria Nairobi, estamos em “La Casa de Papel – Coreia”, já disponível na Netflix.
Podemos começar já pela única pergunta que importa: faz sentido pegar numa série de sucesso e fazer uma cópia exatamente igual, mudando apenas o cenário e a língua? A resposta é: não, nenhum. Não há novidades ou relevância nesta versão. Segunda pergunta (menos urgente, mas que interessa igualmente): para quê ter o conteúdo disponível no catálogo global da Netflix? Não tenho resposta neste caso, só quem toma as grandes decisões do serviço de streaming saberá, mas que não tem lógica, lá isso não tem.
[o trailer de “La Casa de Papel — Coreia”:]
Quem viu a primeira temporada de “La Casa de Papel” ficou agarrado pela história, pelas reviravoltas, por um nerd a comandar o assalto do século, pelo suspense e, sobretudo, pelo carisma das personagens. As frases, como “¡Empieza el matriarcado!”, fizeram o resto da magia.
Posso conceber que, para quem não viu a versão original, esta seja uma série empolgante, com ritmo e adrenalina. Porém, para quem ainda tem na memória o início da narrativa e as emoções que ela despertou, “La Casa de Papel – Coreia” é o equivalente a um resumo fraquinho do YouTube.
Estamos num hipotético ano de 2025, numa Coreia unificada cheia de conflitos, onde o fosso entre ricos e pobres é demasiado evidente e onde quem está neste segundo grupo tem pouquíssimas hipóteses de virar o jogo a seu favor – esta ideia não é muito diferente da que foi apresentada em “Squid Game”, outra série coreana que, em 2021, explodiu pelo mundo inteiro – cavalgar a onda deste sucesso parece demasiado evidente.
Os atores são muito competentes nos seus papéis e até há algumas caras conhecidas. Park Hae-soo, que era Cho Sang-woo em “Squid Game”, ocupa o papel do arrogante Berlim; Yunjin Kim, que foi Sun no longínquo “Lost”, é a Raquel Murillo de cabelos pretos – que apanha exatamente como a homónima espanhola sempre que tem de pegar no telefone para negociar com os assaltantes. Não podemos criticar nenhum dos outros desempenhos, o problema é que temos demasiado presentes os primeiros. Estes sucessores nunca conseguem libertar-se da tarefa ingrata de superar a trupe espanhola.
Há um ou outro detalhe que é alterado – como o facto de o Professor e a inspetora já se conhecerem antes de começar o assalto ou os motivos pelos quais o mesmo é cometido — mas, regra geral, estamos sempre a ver mais do mesmo.
Para piorar tudo isto há certos diálogos que parecem inventados por preguiçosos — ou então é só a tradução que está mal feita. Nenhuma das hipóteses é boa. “Vamos fazer uma coisa má” ou “és a assaltante que só rouba gente ruim?” são momentos que só servem para nos fazer revirar os olhos.
Não há muito mais para dizer sobre “La Casa de Papel – Coreia”, que é assinada pelo criador da original, Álex Pina – o que não abona muito a seu favor. Parece uma ideia demasiado básica para acumular mais uns trocos (ou milhões?), não? Se era só para recordarmos o impressionante assalto à Casa da Moeda, se calhar basta procurarmos “La Casa de Papel”, a verdadeira, e voltarmos a carregar no play. Sempre teremos direito ao “chiqui pum, chiqui pum, chiqui pum” da inesquecível Nairobi espanhola.