Um grupo de investigadores do Hospital Clinic Barcelona vai apresentar dados sobre um mecanismo celular que permite a uma mulher infetada pelo VIH (vírus da imunodeficiência humana) viver praticamente sem vestígios do vírus no organismo e sem necessidade de recorrer a medicação, há mais de 15 anos. A descoberta, que será detalhada durante a 24.ª Conferência Mundial de AIDS 2022, em Montreal, no Canadá, pode fornecer novas pistas para se chegar a uma possível cura.
Segundo o jornal El Español, trata-se de uma doente que, 15 anos depois de ter interrompido o tratamento antirretroviral, consegue controlar autonomamente o vírus, com uma carga viral indetetável e sem recurso a medicação. O caso, explicou Josep Mallolas, chefe da unidade VHI-SIDA do hospital, “é excecional, não só porque há muito poucas pessoas com controlo pós-tratamento de longo prazo [15 anos], mas também pela descoberta do possível mecanismo de controlo do vírus, diferente do que é descrito em doentes ‘controladores de elite’ e outros casos documentados até agora”.
A “doente de Barcelona” foi diagnosticada em 2006, numa fase de infeção aguda do vírus, e foi incluída num ensaio clínico conduzido por José Miró, com o objetivo de verificar se o sistema imunitário poderia ser impulsionado para controlar a replicação do vírus. Neste ensaio foram determinados dois tipos de intervenções: o tratamento antirretroviral durante 9 meses e várias administrações do imunossupressor ciclosporina A.
O tratamento antirretroviral permite suprimir a replicação viral dentro do corpo e impedir a transmissão do vírus para outras pessoas, uma vez que deixa o doente com um nível tão baixo de VIH no sangue que o torna indetetável numa análise convencional. No entanto, o vírus persiste nas células, ou seja, se o tratamento for interrompido o VIH pode replicar-se e atacar novamente. Mas não foi o caso desta mulher.
Segundo Núria Climent, investigadora do Instituto de Investigações Biomédicas August Pu i Sunyer (IDIBAPS), os resultados surgiram após a primeira interrupção do tratamento: “Nove meses após a interrupção do tratamento, a doente não tinha carga viral detetável de VIH no plasma”, explicou, acrescentando que esta mulher “foi a única entre os 20 participantes do ensaio clínico que reagiu desta forma”.
“O vírus não recuperou. E não recuperou durante 15 anos e mais de 50 testes de carga viral depois”, acrescentou José Miró. A equipa médica também descobriu que, ao longo destes anos, “houve uma queda acentuada e progressiva no número de vírus nas células, o que sugere um controlo pela resposta imune.”
O passo seguinte da investigação é identificar qual a combinação dos fatores desta doente, do qual nenhum detalhe foi revelado a pedido expresso da própria, para determinar se é possível replicá-la noutros casos.
Este caso que vai ser apresentado na Conferência Mundial de AIDS 2022 é diferente de alguns que já são conhecidos, como em Berlim e Londres, onde se conseguiu a cura completa porque o vírus desapareceu após um transplante de células-tronco para tratar as doenças hematológicas de que sofriam. No caso da “doente de Barcelona”, trata-se de um cura funcional, pois ainda tem o vírus, mas o seu sistema imunológico consegue controlar completamente a replicação, sem a necessidade de tomar medicação.