Provavelmente já ouviu alguém dizer “já vi tudo o que há para ver na Netflix”. Ou na HBO.Max. Ou em qualquer outra plataforma de streaming disponível em Portugal. É possível até que já o tenha dito do fundo da sua quase convicção. Mas também é possível que já tenha visto tudo aquilo que lhe salta à vista ou que lhe é recomendado, pelo algoritmo ou por outras pessoas. Mas a verdade é que qualquer um destes caminhos vai estar sempre condicionado pelos nossos gostos e pelos nossos hábitos. Resultado: podemos entrar num beco sem saída e afirmar “já vi tudo o que há para ver”.

E há outra questão: os conteúdos que entram nas plataformas e que não têm a atenção esperada, acabando por desaparecer sem serem notadas. Para resolver este dilema de primeiríssimo mundo, as soluções costumam ser o acaso ou a pesquisa intensa e desesperada por algo novo. Há muito por descobrir no streaming, até séries que estrearam neste ano e que foram caindo para baixo nas listas porque não tiveram o sucesso esperado. Aqui deixamos algumas sugestões de produções que pode não ter visto. Títulos que depois podem até contribuir para alguma alteração nos algoritmos e nas futuras recomendações do sistema.

“30 For 30”

Disney+ e Netflix

Já existem 159 documentários desta série da ESPN. Houve um tempo em que se conseguiram apanhar alguns deles quando o canal era transmitido em Portugal; depois, foi até possível aceder a quase tudo quando ainda era fácil fingir que se estava nos Estados Unidos e usar uma conta da Netflix americana. A Bola TV chegou a transmitir alguns dos documentários da “30 for 30”. Mesmo com a popularidade conquistada garaças ao Óscar de “O.J. Made In America” e ao sucesso que foi “The Last Dance” (Netflix), sobre Michael Jordan, os “30 For 30” da ESPN parece que nunca pegaram entre nós. É pena, a maioria são ótimos documentários. Felizmente, existem alguns na Disney+, a parte chata é que os tem de procurar, porque aparentemente a plataforma não percebe bem o ouro que tem. Recomendações? Tudo. Mas pode começar por estes; “Slaying The Badger”, “The Day The Series Stopped”, “Of Miracles And Men”, “Four Falls Of Buffalo” e “Silly Little Game”, um tratado sobre a história das fantasy leagues. Desporto não é a sua praia? Não se preocupe, os documentários são tão bons que vai-se sentir em casa, porque acima de tudo são histórias muito bem contadas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Altered Carbon”

Netflix

Quanto mais o tempo passa e os anos avançam, maiores são as diferenças entre ricos e pobres, mais a realidade das alterações climáticas é chutada para canto, mais se percebe que o universo criado por Richard K. Morgan em 2002 — e transformado em série pela Netflix em 2018 — se aproxima. Morgan imaginou como a mortalidade prolongaria as diferenças de classes e colocaria os ricos num estatuto quase-religioso. Os outros, seriam meros serventes de um mundo que não parece assim tão agradável de se viver.

“Halt And Catch Fire”

Filmin

Sem exagero, em termos de correspondência atenção/qualidade, esta é a melhor série da última década. O lado tech dos anos 80 da primeira temporada pode não ter convencido muitos, mas a viagem durou mais três temporadas. E vai ficando sempre melhor, criando uma espécie de história alternativa para o desenvolvimento dos jogos, da internet e dos computadores. É uma trip emocional, que junta drama, emancipação e o chico-espertismo de Silicon Valley, com uma condensação narrativa única e um elenco irrepreensível. Vale o que vale, mas é quase certo: é a melhor série que ainda não viu (se é que ainda não viu, claro).

“Invincible”

Prime Video

Seguir as pisadas do papá começa a ficar fora de moda, a não ser que o pai tenha um escritório de advogados ou que seja um super-herói. “Invincible” conta a história da segunda hipótese e apanhou muita gente de surpresa no ano passado, pela forma emocional como contava a história de um adolescente que na entrada da idade adulta percebe que terá de seguir as pisadas do pai. É uma série de super-heróis, mas não é uma série de super-heróis. E também é animação, mas não é animação. Vale mesmo a pena procurar por ela.

“Legion”

Disney+

Com o sucesso de “Fargo”, Noah Hawley decidiu tentar a sua sorte com uma personagem do universo de X-Men e fazer uma série de super-heróis. Resultado? É tudo menos isso, é uma viagem alucinante pela mente da personagem principal e da sua perceção da realidade. Pouco é o que realmente parece, os limites da realidade (ou da verdade) são frequentemente questionados. Há momentos constantes de encantamento em vários episódios e, até hoje, é uma das mais audazes adaptações do universo da banda-desenhada. Não é fácil de acompanhar – e não há condescendência nisto, não é mesmo — mas a recompensa é tremenda.

“Lodge 49”

Prime Video

“Lodge 49” é um daqueles casos em que a crítica aplaude mas as audiências nunca correspondem. É um bicho estranho entre comédia e drama, que junta otimismo, surf, cultos e teorias da conspiração. Conta a história de um surfista na Califórnia que procura um novo caminho depois da morte do pai e do descalabro dos negócios da família. Conquista pela extrema inocência que parece sempre latente a todos os momentos, como se as personagens não estivessem a ver o que está realmente a acontecer. E isso é divertido.

“Primal”

HBO Max

A segunda temporada estreou-se há pouco tempo na HBO Max. É normal que tenha passado despercebida. É uma série de animação da Adult Swim, a programação noturna da Cartoon Network. A coisa nunca pegou muito por cá, mas a Adult Swim está cheia de ouro. Um dos mais materiais preciosos recentes é esta série de animação criada por Genndy Tartakovsky, que junta um neandertal com um T-Rex numa história que desrespeita a história do planeta e muitas outras coisas.

“The Baby”

HBO Max

Estreada há poucos meses, esta história de horror sobre um bebé demoníaco que apenas quer que uma mãe tome conta dele parece ter passado ao lado. Não surpreende: apesar de muito divertida, é difícil às vezes rirmo-nos de uma situação tão absurda quanto horrorosa. Sobretudo quando o bebé é o principal assassino e as escolhas para mães sofrem horrores do outro mundo. Mas nas entrelinhas há uma boa metáfora sobre o cuidar de alguém.

“The Midnight Gospel”

Netflix

Recentemente soube-se que não existiria uma segunda temporada de “The Midnight Gospel”, a série criada por Pendleton Ward (“Adventure Time”) e Duncan Trussell. Surgiu no início da pandemia e foi daquelas coisas que, estranhamente, fez muito sentido. Trata-se da busca pelo sentido da vida e por respsostas filosóficas, na companhia de um operador de multiversos. Confuso? Inevitável. O delírio visual e sonoro da série encaixaram na perfeição com a incerteza daqueles dias. Faça um exercício e, se a começar a ver, feche os olhos e preste atenção ao som. É extremamente reconfortante, mesmo que aquilo que se esteja a dizer nem sempre faça o maior dos sentidos. Oito episódios que partem de ideias partilhadas no podcast de Duncan Trussell e que criam uma aventura a partir daí. Acima de tudo, uma ótima viagem.

“The Premise”

Disney+

B.J. Novak ganhou notoriedade graças a “The Office” e ainda vive um pouco às custas disso. “The Premise” consiste em cinco episódios, cada um com as suas personagens e com um assunto do presente (a série é do ano passado, mas mantém a sua atualidade), da violência com armas à imigração. Não é uma criação primorosa, mas o último episódio – especialmente os minutos finais – é tão bom que, só por isso, vale a pena ir lá ver isso. Se gostar, pode ver o resto.

“The Strain”

Disney+

Quando surgiu, em 2014, “The Strain” tinha um enorme sabor a inovação. Criava uma metáfora para vampiros e poder e construía uma nova realidade em jeito pós-apocalipse numa altura em que “The Walking Dead” ainda estava a subir a escala da popularidade. Apesar das quatro temporadas, nunca conseguiu grande reconhecimento, ficando sempre na categoria “séries de nicho”. Talvez ainda não caia bem com as memórias de uma pandemia, mas se quiser arriscar, vale a pena.