Não era propriamente a ideia mais expectável no início da temporada, é uma ideia que se tornou quase expectável com o passar das semanas. O Benfica chegava à segunda mão do playoff de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões com cinco encontros oficiais realizados e outras tantas vitórias. Uma mais complicada frente ao Casa Pia, algumas que se tornaram mais fáceis contra Arouca ou Midtjylland, sempre vitórias. No entanto, e se fosse um campeonato de apostas, era mais fácil colocar as fichas no onze inicial do que no resultado (mesmo sendo sempre repetido). E a receção ao Dínamo Kiev não foi exceção, com Roger Schmidt a apostar exatamente no mesmo onze que mudou apenas por duas vezes com as entradas de Chiquinho e Diogo Gonçalves quando David Neres recuperava de um pequeno problema físico.

Benfica volta a vencer Dínamo Kiev e regressa à fase de grupos da Liga dos Campeões (tal como FC Porto e Sporting)

O técnico alemão tinha três grandes objetivos a curto prazo quando chegou à Luz: 1) implementar e dar a sustentação necessária a uma nova ideia e modelo de jogo com características bem mais ofensivas do que é normal sem perder os equilíbrios defensivos; 2) escolher os melhores intérpretes para o plantel tendo um leque de mais de 30 jogadores; 3) garantir a qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões, com os respetivos 36 milhões de euros diretos de encaixe. Roger Schmidt não descurou nenhum dos aspetos mas foi muito pragmático na abordagem aos meses iniciais de trabalho: desde o primeiro jogo particular na pré-temporada que o alemão entrou sempre com a mesma equipa, uma regra que apenas por questões de índole físico foi quebrada, sem deixar de perceber quem eram as segundas linhas com que contava e que até 31 de agosto iriam existir entradas e saídas para um plantel ainda em construção.

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“Não vou anunciar o onze mas vamos jogar com a melhor equipa como temos tentado fazer sempre. Claro que nas próximas semanas e meses precisamos de todo o plantel, mas neste momento acho que também é bom ter em campo jogadores habituados a jogar uns com os outros”, explicara Schmidt. Se nesta fase é normal falar numa equipa base desde o início da época, aqui era literalmente desde o início da pré-época. E foi dessa forma que a equipa chegou ao Estádio da Luz com pé e meio na fase de grupos da Liga dos Campeões, depois do triunfo na Polónia frente a um Dínamo Kiev muito desfalcado a todos os níveis que ainda teve andamento para surpreender os turcos do Fenerbahçe (de Jorge Jesus) e os austríacos Sturm Graz mas que ficou longe de perturbar um Benfica melhor, mais forte e com maior andamento.

“Conseguimos um bom resultado no primeiro jogo mas a equipa voltou com o sentimento de que jogou contra uma equipa muito boa. Claro que eles sabem o resultado, vão ajustar o seu comportamento técnico, mas acho que é muito importante para nós mostrar, desde o primeiro segundo, que estamos lá, que não está fechado para nós. Objetivos na Champions? O primeiro passo é garantir a qualificação e para isso temos de fazer o melhor jogo. Depois, temos de provar na fase de grupos que somos capazes de ser um dos primeiros. É sempre um desafio, veremos o que dita o sorteio se nos qualificarmos. Neste momento, queremos mostrar que merecemos jogar a Liga dos Campeões, que somos bons o suficiente para isso e acho que somos. Estamos prontos mas temos de mostrar”, destacara na conferência de imprensa de antevisão da partida, tentando ao máximo passar ao lado de Fredrik Aursnes, Ricardo Horta e mercado.

Algumas cautelas, muita confiança. E essa foi também a imagem que Roger Schmidt passou à Eleven na flash interview antes do jogo (tendo cumprimentado antes todos os comentadores no relvado, entre eles Fernando Meira, Orlando Sá e Márcio Madeira). “Sabemos da importância do jogo mas no final acaba por ser só um jogo de futebol, temos de mostrar qualidade e mentalidade para isso. Nesta altura estamos num bom momento, em boa forma, a equipa esteve muito bem na semana passada mas sabemos que temos de estar muito concentrados nestes 90 minutos. Como se motiva para não relaxarem? Não estamos relaxados. Queremos jogar, queremos ganhar, queremos ter uma mentalidade ofensiva, queremos marcar golos. Se as coisas estiverem mais complicados, sabemos que temos de estar preparados para isso”, frisou.

Schmidt teve aquela frase “Amo futebol e quem ama o futebol, ama o Benfica” no primeiro contacto com os jornalistas ainda em maio, no aeroporto Humberto Delgado. E Rui Costa, presidente dos encarnados, fez questão de destacar na última Assembleia Geral do clube que a contratação do alemão era para fazer “uma mudança de paradigma para o que se quer no futuro”. Os dois sabiam do que falavam e não demoraram a chegar ao ciclo virtuoso que os encarnados atravessam, onde os jogadores respiram confiança (e até níveis de cumplicidade elevadíssimos nesta fase), os adeptos andam eufóricos e os adversários entram a perder. Os três elementos da frente voltaram a fazer um grande jogo, os laterais continuam a ter rendimentos ofensivo, Enzo Fernández é um maestro, Florentino Luís está muito mais jogador. Mas o grande reforço foi mesmo a nova ideia de jogo que casou com a música que se voltou a ouvir: “Ninguém pára o Benfica”.

Ficha de jogo

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Benfica-Dínamo Kiev, 3-0

2.ª mão do playoff de acesso à Liga dos Campeões

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Clément Turpin (França)

Benfica: Vlachodimos; Gilberto, Otamendi, Morato, Grimaldo; Florentino Luís (Weigl, 70′), Enzo Fernández (Paulo Bernardo, 90′); David Neres (Diogo Gonçalves, 70′), Rafa (Henrique Araújo, 70′), João Mário e Gonçalo Ramos (Petar Musa, 52′)

Suplentes não utilizados: Helton Leite, Vertonghen, Bah, Ristic, António Silva, Chiquinho e Yaremchuk

Treinador: Roger Schmidt

Dínamo Kiev: Bushchan; Kedziora, Zabarnyi, Syrota, Vivcharenko (Dubinchak, 63′); Shaparenko (Tsarenko, 87′), Sydorchuk, Shepeliev, Karavaev (Tymchyk, 87′); Buyalskyi (Yatsyk, 90+3′) e Besedin (Vanat, 63′)

Suplentes não utilizados: Neshcheret, Boyko, Bol, Burda, Kravchenko, Garmash e Antiukh

Treinador: Mircea Lucescu

Golos: Otamendi (27′), Rafa (40′) e David Neres (42′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Shaparenko (81′) e Petar Musa (85′)

Se dúvidas ainda existissem sobre a forma com que o Benfica iria encarar esta partida, os minutos iniciais acabaram com qualquer margem de história na eliminatória. Rafa, num trabalho individual fantástico que começou numa combinação coletiva à esquerda, tentou de bico após alguma atrapalhação com David Neres na área mas o remate saiu ao lado (4′). Otamendi, na sequência de um canto à direita, surgiu ao segundo poste de cabeça mas Bushchan teve reflexos para desviar de novo pela linha de fundo (12′). No entanto, o que mais impressionava era o autêntico colete de forças em que o Dínamo Kiev estava envolvido, tanto que, em apenas 20 minutos, os encarnados conseguiram dez recuperações no meio-campo adversário. Era um autêntico “abafo” que deixava os ucranianos remetidos ao seu primeiro terço a tentar não sofrer.

Se a bola corrida não saía apesar da facilidade com que o Benfica entrava no último terço e conseguia criar oportunidades, a bola parada também era uma opção válida. Grimaldo, num livre direto ganho por Rafa com mais uma finta estonteante, fez passar a bola a rasar o poste (19′). Otamendi, num lance tirado a papel químico da ameaça inicial mas com um trabalho à direita num canto curto, não perdoou, inaugurando o marcador de cabeça ao segundo poste e quebrando a resistência possível de um Dínamo Kiev que já não tinha armas para suster os encarnados e via também as suas principais armas anuladas (21′).

Se os ucranianos não tinham grandes aspirações, o primeiro golo do Benfica acabou por fazer claudicar uma equipa que não conseguia reagir aos momentos mais adversos. Com mérito dos encarnados também, muito. Num encontro desta dimensão e com esta importância, o mais normal seria entrar num registo de maior controlo e gestão dos momentos de jogo. Com este Benfica, gerir é atacar. Controlar é pressionar alto quando possível. Vantagem é procurar o próximo golo. E foi assim que, ao terceiro jogo na Luz, a equipa da casa saiu pela terceira vez a ganhar por 3-0: Rafa, aproveitando um passe errado de Syrota para a sua área e zona central, ficou isolado com uma “assistência” do central e fez o 2-0 (40′); David Neres, numa saída rápida a passar pelos pés de Rafa e Gonçalo Ramos até ao brasileiro, marcou o melhor golo da noite (42′) já depois de, a meio da metade inicial, ter tentado uma bicicleta na área travada por Bushchan.

A confiança entre os jogadores do Benfica era tanto que bastava olhar para o ambiente entre David Neres, Rafa e Gonçalo Ramos quando voltaram do balneário para se perceber que o jogo estava mais do que ganho. Ainda assim, e poucos minutos depois, os dois últimos acabaram por ser protagonistas por razões que não gostariam: num choque involuntário de cabeças quando faziam o mesmo movimento na área com Ramos a ter a bola, os dois jogadores ficaram no relvado com sangue e estiveram a ser assistidos alguns minutos até à saída de Gonçalo Ramos a segurar um adesivo na zona por baixo do olho ainda a sangrar e a permanência de Rafa em campo com uma ligadura vermelha na cabeça. Entrou no ataque Petar Musa.

David Neres, pouco depois, teve mais uma diagonal de fora para dentro a partir da direita, levou um pouco mais longe a ação e atirou para defesa de Bushchan. Uns minutos a seguir, desta vez numa jogada que teve início em novo canto curto, voltou a fazer o mesmo movimento e o remate saiu muito perto do poste. Entre essas duas iniciativas, Sydorchuk viu Vlachodimos um pouco adiantado e tentou marcar um golo do meio-campo, que fez com que o grego se atirasse para a baliza ainda para prevenir males maiores e que o próprio árbitro, o francês Clément Turpin, esboçasse um sorriso perante a surpresa. Dava para tudo.

Diogo Gonçalves, Henrique Araújo e Weigl entraram também em campo e cheios de vontade de darem um safanão à equipa no plano ofensivo tal como tinha acontecido no primeiro tempo. Musa arriscou também o remate muito por cima, Diogo Gonçalves trabalhou bem na esquerda para um tiro travado por Bushchan, João Mário chegou ligeiramente atrasado ao segundo poste para desviar um cruzamento da esquerda, Enzo Fernández estava com um passo à frente do desejável para desviar na área um cruzamento da direita. Num jogo de sentido único, o Benfica não chegaria ao quarto golo que fez por merecer mas ganhou por 3-0 após uma primeira parte onde jogou por duas. De forma natural, chegou ao “seu” palco: a Champions.