Foram apenas nove segundos. Podiam ter sido 20 ou pouco mais caso Juan Ayuso não tivesse entrado no último quilómetro a atacar por estratégia ou falta dela, levando atrás de si Remco Evenepoel e Enric Mas que andavam apenas a marcar-se mutuamente a um ritmo diferente, mas esses nove segundos mostraram a melhor versão de João Almeida na Vuelta e recordaram que as terceiras semanas nas grandes voltas são normalmente um ponto alto do português. Agora, nas próximas etapas, era a fase da confirmação.

Uran vence, Roglic desiste e Almeida sobe a sexto da geral a ganhar segundos à concorrência antes da alta montanha

A desistência de Primoz Roglic, que parecia ter potencial para colocar em risco a liderança de Evenepoel nos últimos dias da prova, obrigou a que todas as equipas olhassem para a ponta final da competição de outra forma – até porque sem o esloveno a Jumbo passava a ser protagonista secundária de um palco onde devia ser principal. Numa palavra, o líder belga passava a ter apenas de gerir, Mas (e a própria Movistar) podia atacar, Ayuso queria arriscar, Carlos Rodríguez ficava para aproveitar. Entre essa luta entre a armada espanhola de diferentes equipas, João Almeida ficava entre a necessidade de poder ser obrigado a ajudar o companheiro a segurar o pódio na geral ou a vontade de voltar a soltar-se para ganhar mais tempo ainda ao colombiano Miguel Ángel López em busca de uma subida ao top 5 da classificação.

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“O que falámos com a equipa é que o líder continua a ser o João [Almeida] e tudo o que faça é um extra. É como uma prenda e assim não tenho pressão. Não coloco em mim qualquer pressão”, tinha dito na semana passada Juan Ayuso, a propósito da sua situação na geral em comparação com o companheiro. No entanto, e mais uma vez, a chegada ao Mosteiro de Tentudía mostrou que as palavras do jovem espanhol não cruzam depois com a prática – se assim fosse era pouco provável que no final surgisse aquele ataque ou pelo menos esboço de tentativa. No entanto, havia mesmo um dado novo a ter em conta: a ausência de Roglic. Fosse pela saída de um candidato à vitória com o pódio garantido, fosse pela forma como teve de desistir por uma queda na chegada a Tomares quando dava tudo para roubar segundos a Evenepoel.

Agora, a 18.ª etapa que ligava Trujillo ao Alto del Piornal numa distância de mais de 190 quilómetros era a tirada “problemática” que, estando à sombra da etapa rainha de Navacerrada (no sábado), tinha todas as condições para fazer mexer a classificação geral. E esse era também um desafio para João Almeida.

As emoções, em condições normais, começariam a chegar a meio da etapa. Afinal, com pouco mais de dez quilómetros feitos, já havia notícias pelas piores razões: entre algumas tentativas de fuga que não foram surtindo efeito, uma queda a envolver vários corredores levou ao abandono de Jay Vine (líder da montanha que passou assim a camisola para Richard Carapaz) e deixou marcas em Carlos Rodríguez, que após voltar ao pelotão descaiu para ser assistido pelo carro médico da Vuelta. No meio da confusão, mais à frente, o espaço para haver fuga abriu-se e um total de 40 corredores aproveitou para ir embora, num lote a que se juntou depois Ivo Oliveira (UAE Emirates) e que já contava com nomes de peso na montanha como Carapaz, Thibaut Pinot, Tao Geoghegan Hart, Nibali ou mais uma vez Marc Soler.

Mais uns minutos, mais um capítulo a mexer com a etapa. O grupo de mais de 40 fugitivos chegou a ter quase nove minutos de avanço, a Alpecin tentava ainda tirar pontos a Carapaz na montanha numa espécie de refazer de tática sem Jay Vine, mas foi João Almeida a abanar a corrida, descolando do pelotão de uma forma corajosa contando (por pouco tempo) com Brandon McNulty e mais tarde com Ivo Oliveira, que quase encostou à espera do companheiro com água e tudo no início da primeira descida. O avanço do português chegou a ser de quase 1.30 minutos, baixando depois de forma paulatina pelo trabalho que a Astana fazia no pelotão para tentar defender a quinta posição de Miguel Ángel López sabendo também que as marcas que tinham ficado da queda impediam Carlos Rodríguez de algo mais a não ser defender-se.

A vantagem ia descendo aos poucos, caindo para os 35/40 segundos a 55 quilómetros do final, e surgia a dúvida em torno de Marc Soler: estava na fuga para arriscar de novo uma vitória na etapa, foi colocado para ajudar Juan Ayuso no final ou descia para ajudar João Almeida? Aliás, abrindo ainda mais o leque das possibilidades, poderia até estar o português a trabalhar para um ataque final com Ayuso? As hipóteses num mero plano teórico sucediam-se com Ivo Oliveira a terminar o seu trabalho a 50 quilómetros do final mas já com o português a 3.10 da fuga e com 45 segundos de avanço sobre o principal pelotão. Lá na frente, McCarthy arriscou, Pinot e Higuita responderam, Carapaz lançou-se depois na perseguição.

As dúvidas começaram a ficar desfeitas em relação à UAE Emirates a 40 quilómetros do final, com Soler a baixar do grupo partido que andava na fuga mas longe dos três que passaram a seis que lideravam a etapa com Robert Gesink a tentar também defender a honra da Jumbo (Gesbert, da Arkea, também colou nos líderes). A organização deixou de seguir por alguns minutos as distâncias mas o português e Soler foram conseguindo avançar, encostaram no grupo de fugitivos da etapa e baixou a diferença para quase dois minutos dos líderes, com Evenepoel, Mas, Ayuso e companhia a 2.35 mas com Rodríguez a descolar. 

Lá na frente, quase de forma natural, tudo acabaria por mudar: Carapaz até podia chegar à vitória mas deixou-se ficar para ajudar um Carlos Rodríguez em claras (e naturais) dificuldades, McCarthy e Pinot não aguentaram, Gesbert ainda arriscou mas foi Gesink a fazer os últimos quilómetros sozinho numa altura em que o grupo dos primeiros classificados chegou a João Almeida com todos os top 5 à exceção do espanhol da Ineos. O esforço do corredor da Jumbo em ganhar a etapa para dedicar a Roglic tornou-se inglório perante a tentativa de saída de Enric Mas que levou Remco Evenepoel na roda e favoreceu no final o belga, numa chegada com um corte de alguns segundos que deixou João Almeida na décima posição.

Apesar de tudo, a estratégia da UAE Emirates acabou por funcionar ainda que sem grandes resultados práticos, com Juan Ayuso a segurar a terceira posição agora com maior avanço sobre o quarto colocado que passou a ser Miguel Ángel López e João Almeida mais perto do top 5 e até do quarto lugar (ficou a 25 segundos de Rodríguez e a 1.19 de López). Na frente, Remco Evenepoel aumentou um pouco mais o seu avanço na frente em relação a Enric Mas, passando agora a ter 2.07 de vantagem para o espanhol.