Embora o Reino Unido esteja há quase duas semanas em modo de luto pela Rainha Isabel II,  a Semana de Moda de Londres, prevista para acontecer entre 16 e 20 de setembro, seguiu com o seu calendário e encerrou esta terça-feira com um memorável desfile de Richard Quinn, embora tenha havida algumas falhas de relevo, como por exemplo o adiamento de Burberry e o cancelamento de Roksanda.

A capital britânica foi, por estes dias, o epicentro do mundo, com uma presença de imprensa internacional fora do normal e ainda mais turistas do que o habitual, razão para que as atenções tenham estado focadas nas cerimónias fúnebres de Isabel II, com toda a sua pompa, circunstância e convidados.

Ainda assim, a moda seguiu o seu caminho, para a frente e para trás em diferentes passerelles espalhadas pela cidade e em direção à primavera/verão 2023. Afinal é precisamente de terras de Sua Majestade que vem a famosa música, que é também uma máxima do mundo do espetáculo, “The Show Must Go On”. Na sequência da morte de Isabel II, o British Fashion Council, a entidade responsável pela Semana de Moda de Londres, emitiu um comunicado onde decidiu dedicar o evento à Rainha e confirmou que este iria continuar como previsto e com a devida atenção ao protocolo real, deixando, contudo, o dia do funeral (19 de setembro) livre de acontecimentos. A indústria da moda representa 32 mil milhões de libras para o país (mais de 36 mil milhões de euros), segundo o Guardian, e a semana de moda é uma importante montra internacional. Deixamos alguns destaques de um calendário total bastante preenchido.

Richard Quinn e um encerramento em grande

Quando o mundo soube da morte da soberana, Richard Quinn já teria a sua coleção quase pronta, mas os 10 dias que se seguiram foram tanto de luto nacional como de prova de esforço para Quinn e a sua equipa. Nesse espaço de tempo nasceram 22 looks em negro integral, uma espécie de mini coleção enriquecida com véus, rendas, bordados, chapéus e até coroas, em homenagem à Rainha, dentro da coleção de primavera/verão 2023. A inspiração partiu dos looks de luto usados pela família real nos funerais do rei Jorge VI (pai de Isabel II) e da Rainha Victoria.

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“Queríamos ser adequados”, disse Quinn nos bastidores, “foi um momento verdadeiramente histórico. Normalmente, 10 dias antes de um desfile nunca faríamos algo novo, mas foi a nossa forma de luto”, cita o jornal Telegraph.

Afinal, vale a pena lembrar que a primeira vez que Sua Majestade se sentou na primeira fila da Semana da Moda de Londres, foi precisamente num desfile de Richard Quinn. A marca fundada em 2016  ganhou um fôlego extra em 2018 quando Isabel II e Anna Wintour se sentaram lado a lado para assistir ao seu primeiro desfile, a propósito do lançamento do Queen Elizabeth II Award for British Design.

O desfile, que começou então em negro profundo, contou ainda com a coleção originalmente prevista e os característicos padrões florais, cores garridas e uma tendência para volumes exagerados que insuflaram o tronco e os ombros e para capas em formato de trapézio. Houve ainda flores gigantes como acessórios e uma noiva a encerrar o espetáculo. No centro de uma passerelle redonda havia uma instalação composta por câmaras e écrans, nos quais, durante uma parte do desfile, passaram imagens da vida da Rainha.

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Harris Reed fora do calendário

Harris Reed, um dos jovens designers do momento e diretor criativo da marca Nina Ricci, decidiu apresentar a sua coleção fora do calendário oficial da Semana de Moda e mostrar a sua exuberância assinatura num desfile. O designer serviu ao público 12 criações que o próprio caracterizou de “demi couture” e disse à Vogue que as suas inspirações foram as crinolinas da era vitoriana e uma fase especialmente brilhante dos clubes de drag em Nova Iorque.  Adam Lambert, cantor norte-americano vocalista da banda britânica Queen, também subiu à passerelle, mas para cantar Nessum Dorma, de Puccini.

A doçura de Simone Rocha e a feminilidade de Erdem

Simone Rocha, a designer nascida na Irlanda e com ascendência portuguesa, recebeu uma ovação de pé, conta a Vogue. “Esta coleção foi uma reação aos últimos anos. Foi um aproveitamento da emoção que parecia ter este tipo de declaração poderosa e feminina”, disse à publicação.  Rocha aventurou-se pelas criações masculinas e apresentou uma coleção feminina e masculina, para a qual parece ter-se deixado levar por uma inspiração em pára-quedas que aterraram sobre campos floridos e primaveris. Camadas de folhos em tule, padrões com pequenas flores, tons pastel e algumas transparências foram presos ao corpo por presilhas e guarneciam a delicadeza das criações com uma certa dose de sports wear. O cenário foi o Tribunal Criminal Central de Londres.

Erdem Moralioglu pôs o seu interesse por história em prática e mergulhou no mundo do restauro em busca de inspiração para criar a sua nova coleção. O designer juntou-se aos especialistas conservadores de museus como o British Museum, a Tate, o V&A e a National Gallery. Os pormenores e a construção das peças da coleção da Erdem refletem o resultado desta pesquisa. Vestidos, saias rodadas, folhos, tons claros e estampados florais denunciam o universo romântico desta marca que tem, aliás, lugar no guarda-roupa da nova Princesa de Gales. Rendas, véus e corpetes em construção acrescentam dramatismo ao desfile que teve lugar no British Museum. O desfile encerrou com três looks dotados do romantismo e feminilidade da restante coleção, contudo cobertos com um véu negro, numa clara homenagem à Rainha.

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As inspirações surpreendentes de Huishan Zhang e Christopher Kane

Huishan Zhang foi considerada uma das marcas em destaque nesta semana de moda pela Vogue britânica, que explica que a inspiração resulta de um cruzamento entre os filmes Ex Machina (Alex Garland, 2014) e 2046 (de Wong Kar-wai, 2004). Pegou no tradicional vestido chinês, o qipao (cheongsam) e transportou-o para o futuro em 2046, explicou outra edição da publicação. O resultado foram silhuetas geométricas e simples, sendo a riqueza das peças conseguida com uma paleta de cores claras refrescantes, cascadas de franjas e brilhos. O próprio designer terá visto o seu desfile à distância, na província de Qingdao, na China, refém de regras de quarentena que se prolongam.

A ciência também foi a inspiração de Christopher Kane, mas o ponto de partida foi o corpo humano. O desfile começou com um minuto de silêncio em honra de Sua Majestade e depois arrancou para uma coleção difícil de definir. Às primeiras peças, delicadas, em tons pastel e com aplicações em renda, juntaram-se tecidos leves que denunciam os contornos do corpo e ainda alguma alfaiataria. A coleção em mood de inocência atrevida contou também com padrões florais e foram as aplicações em plástico e o estampados de partes do corpo a decorar (e baralhar), como por exemplo braços, pernas ou mãos, que deram à coleção um toque de ficção científica.

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