A polícia angolana deteve este sábado um jornalista que fazia a cobertura de um protesto, em Luanda, contra a imposição de cortes de cabelo nas escolas, bem como 14 estudantes, todos já postos em liberdade.
Em declarações à Lusa, Borralho Ndomba, correspondente da emissora internacional alemã Deutsche Welle, disse que a detenção aconteceu, pouco depois das 11:00, na altura em que entrevistava alguns jovens junto ao cemitério de Sant’Ana, onde teria lugar a concentração da marcha contra o corte obrigatório nas escolas, organizada por movimentos de estudantes e pan-africanistas.
Segundo relatou, o jornalista foi cercado, juntamente com os jovens que entrevistava, pela polícia, e forçado a entrar num carro-patrulha, tendo sido também obrigado entregar a carteira profissional e o telemóvel com que estava a filmar a entrevista.
Na viatura, adiantou, encontravam-se outros três jovens, tendo sido todos encaminhados para a 6ª esquadra, no Rangel, onde foram identificados e detidos algumas horas.
Algumas horas mais tarde, “devolveram-me as coisas e pediram que fosse embora”, contou Borralho Ndomba, acrescentando que houve estudantes detidos e agredidos.
A informação foi confirmada à Lusa pelo líder do Movimento de Estudantes Angolanos (MEA), uma das entidades que apoiou esta iniciativa que visa contestar o corte obrigatório de cabelo imposto por algumas escolas.
Francisco Teixeira disse à Lusa que foram detidos 14 estudantes, incluindo 4 raparigas, lamentando que a polícia tenha usado “força desproporcional” para dispersar os jovens que queriam participar no protesto.
“Quando as pessoas estavam a caminho da concentração, a polícia decidiu agir e agrediu brutalmente alguns jovens, alegando que a manifestação não estava autorizada”, criticou o dirigente estudantil.
Segundo Francisco Teixeira, a polícia chamou os organizadores da marcha no final da tarde de sexta-feira, para dizer que o Governo Provincial de Luanda (GPL) negou autorização ao protesto, invocando como motivo a ausência de cópias dos Bilhetes de Identidade dos subscritores.
Uma justificação que o líder da MEA questionou, tendo em conta que o GPL tinha sido notificado há vários dias, mas apenas na véspera foram informados do indeferimento, através da polícia.
A marcha tinha como objetivo protestar contra as escolas que proíbem nos seus regulamentos internos o uso de cabelo comprido ou crespo, violando a constituição e a lei de bases da educação.
“O cabelo não influencia no processo de aprendizagem e não é sinal de marginal”, salientou Francisco Teixeira
“Estamos num país africano e o cabelo é uma forma de identificação das pessoas negras é uma forma de afirmação da nossa espiritualidade africana e da nossa cultura”, acrescentou.
Algumas escolas têm barrado o acesso a alunos que usam o cabelo crespo ou penteados compridos, no caso dos rapazes, o que já levou o ministério da Educação a intervir.
Numa circular datada de 28 de setembro, a ministra Luísa Grilo orientou as escolas a criarem “um ambiente harmonioso de respeito à diferença e nas diversas formas em que o cabelo de cada aluno se pode apresentar sem, contudo, subverter o código de conduta e a disciplina escolar”
Sublinhou ainda que o Sistema de Educação e Ensino se rege pelos princípios da igualdade e da proteção da criança, previstos na Constituição da República, bem como, pelo princípio da universalidade, previsto na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino “promovendo assim o combate contra todo tipo de discriminação por razões da ascendência do indivíduo, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas”.
A circular refere ainda que os gestores escolares devem obediência às leis e devem assegurar a materialização dos princípios gerais que regem o Sistema de Educação e promover “estratégias de diálogo permanente com os membros da comunidade escolar no sentido de se estabelecerem regras de convivência escolar que assegurem a ampla proteção da criança contra todo o tipo de discriminação”.