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Três noites de jazz em Angra do Heroísmo: uma ilha em sintonizado improviso

Este artigo tem mais de 2 anos

Orquestra Angrajazz, Joe Dyson Quintet, Pedro Moreira Sax Ensemble, Samara Joy, Belmondo Quintet e Guillermo Klein y Los Guachos foram nomes em destaque de um festival com regresso marcado para 2023.

Guillermo Klein, acompanhado por Los Guachos, encerrou esta edição do festival
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Guillermo Klein, acompanhado por Los Guachos, encerrou esta edição do festival

Rui Caria

Guillermo Klein, acompanhado por Los Guachos, encerrou esta edição do festival

Rui Caria

Consagrado como um dos eventos de referência do calendário jazz nacional, o Angrajazz — Festival Internacional de Jazz de Angra do Heroísmo tem como palco o Centro Cultural e de Congressos e tem-se consolidado de ano para ano. Para esta 23.ª edição, que decorreu entre os dias 6 e 8 de outubro, o programa reuniu uma mescla de “jazzes” de diversas origens e afiliações estéticas. Pelo festival da bela ilha Terceira passaram Orquestra Angrajazz, Joe Dyson Quintet, Pedro Moreira Sax Ensemble, Samara Joy, Belmondo Quintet e Guillermo Klein y Los Guachos.

Como é tradição, o festival abriu com a atuação da Orquestra Angrajazz, um projeto que tem uma vertente formativa, com direção musical de Pedro Moreira e Claus Nymark. Constituída em 2002, a orquestra apresentou este ano um programa que juntou temas clássicos de nomes como Benny Golson, Sonny Rollins, Dexter Gordon e Lee Morgan. A orquestra, que mostrou caras novas ao lado de rostos já familiares, tratou de interpretar as composições com competência, afirmando-se como big band sólida. Globalmente o som é equilibrado, embora individualmente nem todos os músicos estejam no mesmo plano. Independentemente do resultado artístico, o facto de associação promover esta iniciativa formativa de forma continuada, e assumida como um dos eixos da programação do festival, merece aplausos.

Seguiu-se a atuação do Joe Dyson Quintet, um quinteto norte-americano invulgarmente liderado por um baterista. Ao lado de Dyson (bateria), estavam Stephen Lands (trompete), Stephen Gladney (saxofone tenor), Oscar Rossignoli (piano) e Barry Stephenson (contrabaixo). Naquela que foi a sua primeira atuação na Europa, segundo as palavras do líder, o quinteto tratou de apresentar composições originais, interpretadas com vivacidade e fulgor. O grupo revelou um jazz vibrante, que foi rapidamente conquistando mesmo aqueles que não conheciam a sua música, particularmente pela dinâmica dos sopros. Ao terceiro tema, num gesto surpresa, o líder do grupo convidou o saxofonista português Ricardo Toscano (que Dyson tinha visto a tocar na cidade no dia anterior) a subir ao palco, juntando-se à banda para tocar um tema. Apesar de não conhecer a composição, Toscano rapidamente se ajustou e ligou-se com a banda, num momento raro.

Samara Joy e a Orquestra Angrajazz

Rui Caria

O segundo dia de festival terá sido o mais recompensador, com duas propostas muito distintas, mas igualmente interessantes. A noite abriu com o Pedro Moreira Sax Ensemble, uma formação ousada que reúne oito saxofonistas (Moreira e Mateja Dolsak nos saxofones tenor, Daniel Sousa e Ricardo Toscano nos sax alto, Francisco Andrade e João Capinha nos sax barítono e Bernardo Tinoco e Tomás Marques nos sax Soprano), com apoio de contrabaixo e bateria (Mário Franco e Luís Candeias, respetivamente). O decateto interpreta composições de Moreira, muito estruturadas, mas que dão espaço para que cada músico se possa expressar individualmente. Com as camadas de sons sobrepostas, e com os músicos progressivamente mais ligados, a música foi ganhando intensidade. A nível individual, destacaram-se alguns solos, particularmente Andrade no barítono (desconstruído, abrasivo, muito original), o inevitável Toscano no alto (com a clareza habitual) e Tinoco no soprano (surpreendente no final). Um dos mais originais projetos nacionais, que junta alguns nomes mais interessantes da cena, levou a Angra um jazz criativo, em que a geometria das composições se misturou com as linhas sinuosas das intervenções individuais.

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Por tradição, o Angrajazz inclui sempre uma proposta de jazz vocal no programa. Este ano, o festival chamou a norte-americana Samara Joy – que no próximo dia 22 de outubro vai atuar também no SeixalJazz. A cantora subiu ao palco do Centro Cultural e de Congressos na segunda noite de festival, acompanhada por um trio, com Ben Paterson no piano, Mathias Alamane no contrabaixo e Malte Arndal na bateria. O trio, que nunca quis roubar os holofotes, mostrou competência ao criar o tapete instrumental para a voz de Samara Joy brilhar. E a jovem cantora rapidamente exibiu as suas qualidades: uma voz magnífica, com enorme amplitude, além do excelente domínio técnico. A nova-iorquina apresentou um repertório assente em temas dos seus dois discos, particularmente do mais recente, Linger Awhile, tendo interpretado temas como “Guess who I saw today”, “Sweet Pumpkin” ou “Round Midnight”. Além da interpretação resultar fluída e natural, pelo meio a cantora brincava com a voz, com oscilações dentro de cada canção, sempre com segurança, nunca perdendo o pé. Herdeira da tradição de nomes como Carmen McRae e Betty Carter, durante o concerto Joy prestou homenagem a Abbey Lincoln, outra voz que marcou a história do jazz do século XX. Foi uma atuação brilhante, que conquistou o público sem qualquer reserva. Regressou ao palco para um encore, após o aplauso entusiasmado, e fechou o concerto com (mais uma) bonita revisão de um standard eterno, “Stardust”. No final, entre o público, viam-se algumas pessoas visivelmente emocionadas.

Guillermo Klein e o Belmondo Quintet

Rui Caria

No terceiro e último dia do festival da Terceira, o Angrajazz recebeu uma verdadeira instituição do jazz francês, o Belmondo Quintet. Liderado pelos irmãos Lionel Belmondo (saxofone tenor) e Stephane Belondo (trompete e fliscorne), o grupo existe desde o final dos anos 80 e tem deixado a sua marca no panorama do jazz europeu. Para esta atuação, convidaram o baterista espanhol Marc Miralta, que se estreou a colaborar com o grupo (substituindo o habitual baterista Tony Rabeson). Começou por destacar-se Lionel no sax tenor, arrancando em alta intensidade, citando até Coltrane; Stephane, no trompete e fliscorne, contrastou, a exibir uma coolness a la Chet Baker, levando a música para outras direções. Laurent Fickelson no piano e Sylvain Romano no contrabaixo mostravam-se excelentes no apoio. E, apesar de se tratar de uma estreia, Miralta revelou-se uma boa surpresa, afirmando-se com pujança – talvez demasiado protagonismo, mas tendo em conta que se tratava da primeira vez que tocavam juntos, esta afirmação fez sentido. O grupo prestou homenagem aos saxofonistas Yusef Lateef e Wayne Shorter e apresentou o seu jazz que, passados tantos anos, continua vivo.

Para encerrar o festival chegou o grupo Guillermo Klein y Los Guachos, uma original proposta que parte das tradições argentinas, particularmente no tango, para “jazzificar” através de uma espécie de big band. O grupo nomes reúne muitos nomes sonantes: os saxofonistas Miguel Zenón, Bill McHenry e Chris Cheek, os trompetistas Diego Urcola, Taylor Haskins e Richard Nant, o trombonista Sandro Tomasi, o baixista Fernando Huergo, o guitarrista Wolfgang Muthspiel e o baterista Jeff Ballard. Em palco, o ensemble estruturou-se como big band, com papéis bem definidos e fechados, e os músicos trataram de interpretar as composições de Klein com extremo rigor, revelando uma boa dinâmica coletiva, além de alguns momentos solo interessantes. Contudo, pelo peso dos nomes envolvidos talvez se esperasse mais brilho e intensidade em alguns momentos.

Enquanto se fechava a 23.ª edição, a organização já apontava ao futuro e anunciou as datas do festival em 2023: no ano que vem o festival da magnífica ilha Terceira realiza-se de 4 a 7 de outubro. Valerá a pena apontar na agenda.

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