Especialistas disseram à Lusa que além da censura, o Governo chinês aposta também na produção em massa de publicações nas redes sociais, para atingir o principal objetivo, “manter a estabilidade”.
Xi Jinping deve obter um terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista Chinês durante o 20.º Congresso do Partido, que começou este domingo.
Na quarta-feira, as redes sociais chinesas eliminaram publicações sobre um raro protesto político, com faixas penduradas num movimentado cruzamento de Pequim a criticar a liderança comunista. Com a polícia em alerta máximo, as faixas foram rapidamente retiradas.
Mas um professor da Universidade de Harvard, Gary King, disse à Lusa que a censura não tem como alvo eliminar críticas.
A prioridade é impedir “qualquer tipo de protesto ou movimento em massa de pessoas. Nem que seja uma parada de apoio a um qualquer dirigente local. O Partido Comunista não tolera outras fontes de poder”, explicou Gary King, que publicou em 2013 um estudo sobre a censura chinesa.
As críticas de organizações não-governamentais e da comunidade internacional não afetam o regime chinês, sublinhou o investigador. “A única coisa com que estão preocupados é a sua própria população, que é o principal fator que os poderia ver afastados do poder”, acrescentou.
Embora a censura esteja a tornar-se “mais sofisticada tecnologicamente”, continua a ser “dependente de pessoas”, defendeu King. “Parte da censura é feita bloqueando certas palavras ou expressões, mas isso não é muito eficaz”, disse.
Patrick Poon, investigador da Universidade de Meiji, no Japão, recordou que a publicação, na rede social chinesa Weibo, na qual a tenista Peng Shuai acusou um alto funcionário do Partido Comunista de agressão sexual, não foi bloqueada porque não tinha “palavras sensíveis”.
Além disso, os chineses são muito “criativos” a inventar expressões para substituir palavras já bloqueadas, disse à Lusa o especialista.
Por exemplo, em vez de “04 de julho”, o dia do massacre na Praça de Tiananmen, em Pequim, em 1989, os cibernautas costumavam escrever “35 de maio”, pelo menos até também essa expressão ser bloqueada.
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O Governo “não é muito claro sobre as regras, o que faz com que diferentes redes sociais sigam diferentes práticas”, explicou Gary King.
Práticas que nem sempre chegam para satisfazer as autoridades. “Alguns ativistas e advogados chegaram a ter a polícia a bater-lhes à porta, a exigir-lhes que eliminassem uma qualquer publicação nas redes sociais”, disse Patrick Poon.
A malha da vigilância já se estende além-fronteiras, com chineses a viver no estrangeiro a serem “ameaçados” devido a publicações, críticas do Governo, em redes sociais ocidentais, que estão bloqueadas na China continental, disse o académico de Hong Kong.
Para “manter a estabilidade”, Pequim tem aperfeiçoado o que chama de “gestão da informação na Internet, o que inclui a censura, mas também o ‘fabrico’ de discurso nas redes sociais, com a produção de publicações em nome de pessoas normais”, explicou Gary King.
“Antigamente chamávamos-lhe o ‘exército dos 50 cêntimos’ [de yuan (sete cêntimos de euro)], porque havia a ideia de que recebiam esse valor por cada publicação que faziam”, explicou Patrick Poon.
Gary King disse ter descoberto, para sua “surpresa”, que “afinal são apenas funcionários públicos comuns” para os quais fazer publicações na Internet a apoiar as políticas do partido faz parte das suas funções.