Pouco passava das oito da noite e na Altice Arena continuava a entrar gente. No palco, os instrumentos eram descobertos, enquanto uma filha explicava ao pai o porquê daquele concerto ser tão importante. E as palavras que lhe saiam só falavam de canções. Casais, famílias ou grupos de amigos, todos pareciam partilhar uma ansiedade pré-concerto baseada em emoções. Tanto é que Justin Vernon haveria de dizer em voz alta: “Amor. Não se esqueçam de compartilhar amor, dar amor”.
Mas antes de chegarmos àquela que foi um longa despedida — três cançõs encenadas que tornaram aquele espetáculo distinto – falemos deste regresso a Lisboa, cidade sobre a qual o homem que manda no nome Bon Iver deixou promessas e juras de amor.
Saltando do anonimato, Vernon percorreu um caminho longo — e duradouro — desde que deixou o Wisconsin para que os Bon Iver entrassem sem bater à porta em 2007. For Emma, Forever Ago foi uma estreia, introspetiva, que viria a reclamar sucesso. E neste concerto esse tempo voltou, fazendo com que o público regressasse a essa sensação com 15 anos mas sem prazo de validade
A grande diferença hoje, talvez: um cantor e uma guitarra não sai suficientes para as canções com a marca Bon Iver. E ainda bem que assim é. Cada músico que integra o sexteto faz parte de cada som, completa-o, torna-o real. Porém, a variedade de tons que se mesclam a partir da percussão e que de forma desconcertante encontram os efeitos vocais robóticos nunca retira qualquer beleza às vozes suavas que são a base de cada tema. Não se trata de fragilidade, mas de riqueza na simplicidade: menos é mais.
Depois, foi a partir de uma lírica que relocaliza e recompõe a tradição folk, com um espectro sonoro tão abrangente que vai do rock sinfónico às programações eletrónicas, que se construíram os 100 minutos que preencheram a Altice Arena.
“Não soube a pouco”, ouviu-se vindo da plateia. Não soube, de facto. Este era um concerto muito aguardado. Anteriormente adiado (a mesma causa da pausa na digressão europeia – Covid-19), o espectáculo mostrou-se peculiarmente íntimo, apesar da dimensão da sala.
Envoltos em padrões geométricos luminosos, que ressaltavam com néons, cada canção tinha uma cor. Repartiam-se entre vermelhos, azuis, roxos e amarelos. Em pouco tempo, tornaram-se chuvas de luz vindas de um lugar central – o palco – e já não eram só corpos iluminados que balançavam entre as harmonias. Eram corpos e caras que, de alguma forma, iam tornando-se parte da performance.
Ouvimos nove temas de I,I (reconhecido como um dos seus álbuns mais completos e desafiantes). Sean Carey, percussionista de longa data, e Matt McCaughan, baterista que provocou uma delicada tempestade, acompanhavam os falsetes sublimes de Vernon, que surgiam de braço dado com a voz de Carey (teclista) ou do guitarrista Jenn Wasner. Não se viviam desamores. Só se ouviam vulnerabilidades humanas que se transformavam em sobrenaturais tempestades elétricas. E se depois do mau tempo diz-se que bonança e a abundância chegam, o ditado fez-se coisa concreta, com as hipnose de “Holocene” e “Flume”.
Nesta noite com a marca Bon Iver, o objetivo não foi alcançar uma receita perfeita, mostrar os melhores samples ou reproduzir vozes o mais alto possível. Tratou-se sim de uma conta de multiplicar para depois dividir por todos. Aos recantos da arena chegaram “666 Cross”, “Heavenly Father”, “Imogen Heap” e ainda o EP Blood Bank, um resgate com mais de uma década.
De poucas palavras, mas com muito a dizer, Vernon deixou escapar um desabafo quente: “Não ponham isto no YouTube, mas esta é a nossa cidade favorita em toda a Europa. Vocês vivem num sítio maravilhoso e são pessoas lindas. Obrigado por virem ao nosso espetáculo”.
Ouve-se uma última vez I, I, depois de uma tentativa de despedida que o público queria eternizar. “Vemo-nos para a próxima”, soltou Vernon. A arena ilumina-se, há dificuldade em deixar aqueles lugares. Era preciso encontrar a palavra certa para descrever o que tinha acabado de acontecer.