A forma como a CPLP está a lidar com as eleições na Guiné Equatorial, que reelegeram Teodoro Obiang com 94,9% dos votos, mostra como a organização “está capturada pelas suas lideranças”, acusou esta segunda-feira a investidora Ana Lúcia Sá.

Obiang reeleito Presidente da Guiné Equatorial com 94,9% dos votos

“A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa [CPLP] não é neste momento uma comunidade de países, é uma comunidade de lideranças de países, que continua a sancionar inconstitucionalidades, continua a sancionar repressão, continua a sancionar invisibilidade, continua a não funcionar, continua a não ser próxima dos cidadãos, continua a nem sequer cumprir os estatutos da CPLP”, acusou Lúcia Sá em declarações à Lusa.

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A investigadora do Centro de Estudos Internacionais do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa é especialista no estudo de regimes autoritários em África, com destaque para Angola e a Guiné Equatorial.

A vitória anunciada no sábado de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo nas presidenciais na Guiné Equatorial, realizadas no dia 20, com 94,9% dos votos “é o corolário de todo um processo eleitoral completamente irregular, com fraude descarada”, acrescentou.

A analista afirmou que “todas as instituições” na Guiné Equatorial “estão formatadas” para garantir a vitória de Obiang, a começar pela presença militar nas mesas eleitorais, prevista na lei, num regime ditatorial e altamente repressivo, em que essa presença, “naturalmente, torna presente o clima intimidatório”.

“Houve fraude eleitoral em todos os processos, desde o recenseamento eleitoral até ao anúncio dos resultados, com percentagens duvidosas do número de eleitores”, passando pela “irregularidade” relacionada com os boletins de voto por partido, que serviram quatro eleições simultâneas – presidenciais, legislativas (câmaras alta e baixa do parlamento) e locais — sem dar aos eleitores a possibilidade de votar em diferentes partidos em atos eleitorais distintos.

De acordo com a Comissão Equato-guineense de Juristas (CEJ), em Malabo, “não houve qualquer melhoria em relação às eleições anteriores em 2016 e 2017, e as circunstâncias eleitorais e pré-eleitorais, incluindo os resultados, levantam muitíssimas questões”, afirmou hoje à Lusa um dos seus membros, sob condição de anonimato, alegando razões de segurança pessoal.

Por exemplo, a CEJ aponta o facto dos resultados eleitorais por circunscrições darem conta de que “em muitos distritos ou círculos eleitorais houve mais votos expressos do que o número de cidadãos recenseados“.

“Isto numa circunscrição única, por exemplo, numa eleição presidencial separada — em que um cidadão pudesse votar em qualquer circunscrição –, poderia passar despercebido, mas em eleições legislativas é mais claro”, acrescentou o ativista.

“Também surpreende o resultado da participação eleitoral seja superior a 98% – de um total de 427.661 eleitores recenseados, a Junta Eleitoral Nacional anunciou no sábado um número total de votos válidos de 411.081, curiosamente inferior à soma dos votos escrutinados nos três candidatos presidenciais e respetivos partidos (418.449) -, de acordo com os dados oficiais”, aponta a CEJ.

“Significa isto que em várias circunscrições houve mais votos do que o número de recenseados, significa também que ninguém esteve doente nessas circunscrições, e que ninguém teve qualquer dificuldade para ir votar, sendo que sabemos que há muitíssima gente que vive em zonas em que não têm sequer como se deslocar para ir votar”, denunciou a mesma fonte.

Neste contexto, as missões de observação eleitoral (MOE) da União Africana (UA), da CPLP e da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) enviadas ao país “fizeram um trabalho bastante pobre, tanto em termos de observação como verificação das condições de democracia para a realização de eleições no país”, afirmou Ana Lúcia Sá.

“Carecem que qualquer legitimidade pelo simples de facto de não terem apontado as questões inconstitucionais mais flagrantes nos seus relatórios, como as do boletim de voto”, acusou ainda.

A investigadora portuguesa admitiu não ter “qualquer expectativa de que tenha havido uma observação eleitoral isenta ou preocupada com as condições da democracia, com as condições do voto”.

“Surpreendeu-nos que as MOE da CPLP e da UA não tenham dito mais, os relatórios preliminares foram muito dececionantes para muita gente na Guiné Equatorial, sobretudo o da CPLP, que era uma organização nova, já que a UA nunca levantou muitas questões”, afirmou um responsável da Aprofor, plataforma apoiada pela União Europeia de apoio, proteção e fortalecimento de ativistas e organizações da sociedade civil na defesa dos direitos humanos na Guiné Equatorial — que também falou sob condição de anonimato.

“Surpreende que a CPLP não tenha destacado muitíssimos erros ocorridos, que não tenha denunciado publicamente várias irregularidades, que até não exigiam muita inteligência para ser vistas“, acrescentou este ativista.

Alfredo Okenve, membro da direção da plataforma da sociedade civil “Guiné Equatorial Também é Nossa”, autoexilado em Espanha, “observador diplomado” que participou numa missão de observação eleitoral na Guiné Equatorial em 2017 enquanto membro da sociedade civil, manifestou na semana passada a sua deceção em relação às MOE da UA, da CEEAC e da CPLP.

Neste dia acrescentou que “gostaria que os países democráticos que fazem parte daquelas organizações tivessem um posicionamento pró-democracia”.

“Se há uma fraude desta magnitude, se há um atentado aos valores da liberdade e da democracia, era importante que os países se pronunciassem – ainda que diplomaticamente – contra tudo isto de forma clara, instando o prevaricador a corrigir estes atentados”, afirmou Okenve.

O silêncio da comunidade internacional, incluindo o da CPLP e dos seus Estados-membros, ainda que “ensurdecedor”, é “muito previsível” para Ana Lúcia Sá, “atendendo ao histórico das relações internacionais da Guiné Equatorial e à forma como o país se move no palco internacional”.

A investigadora do Iscte não “espera nada” da CPLP em relação às eleições equato-guineenses, mas afirma também que estas oferecem “apenas mais um exemplo do que se passa na organização”.

“Há mais exemplos dentro da CPLP de graves irregularidades e todos olhamos para o lado. Alguma sociedade civil vai tentando mudar, mas como a CPLP está capturada pelas lideranças, pelas agendas das lideranças, e não pela preocupação com a população ou os cidadãos, é lamentável, de facto”, apontou.

“Não se compreende. Nada se vai passar, como nada se passa nos outros países. A CPLP, de facto, é uma instituição que não sei o que está a fazer”, concluiu.