O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) aceitou o recurso de revista excecional da defesa das famílias das vítimas que morreram na praia do Meco, em 2013, após a Relação de Évora ter considerado em julho o recurso improcedente.

Segundo a decisão proferida na quarta-feira pelos conselheiros Maria Clara Sottomayor, António Oliveira Abreu e João Cura Mariano, a que a Lusa teve esta quinta-feira acesso, os juízes reconheceram que este processo “dispensa qualquer tipo de apresentação” e lembraram a “significativa projeção mediática, não só pelo seu desfecho trágico, mas também pelo contexto em que os factos ocorreram”, aludindo ao âmbito das praxes académicas.

Em causa está o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7 de julho deste ano, que não deu provimento ao recurso da decisão do Tribunal de Setúbal que, em 14 de outubro de 2021, absolveu o ex-dux João Miguel Gouveia e a Universidade Lusófona de eventuais responsabilidades pela tragédia que ocorreu em 15 de dezembro de 2013, que provocou a morte a seis jovens. As famílias reclamavam uma indemnização de 1,3 milhões de euros.

“O caso dos autos assume uma significativa relevância social, sendo evidente que a intervenção deste Supremo Tribunal contribuirá para a clarificação do melhor enquadramento jurídico a dispensar a casos que apresentem semelhanças”, pode ler-se na decisão do STJ, que justificou também a sua decisão com a “relevância jurídica” das questões decorrentes deste caso.

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Nas alegações para o STJ aceitar a revista excecional da decisão da Relação de Évora, a defesa dos familiares das vítimas invocou, segundo o acórdão, a necessidade de esclarecer se cabia ou não a João Miguel Gouveia — enquanto primeiro réu da ação interposta e chefe máximo da praxe académica — “o dever de defender a vida e a integridade física dos colegas”.

Simultaneamente, defendeu a importância de se saber se a Universidade Lusófona/Cooperativa de Formação e Animação Cultural (COFAC) “infringiu o dever de atuar de boa-fé, violando deveres acessórios de conduta”, ao alegadamente não controlar as praxes dos estudantes e as possíveis “consequências gravosas” das mesmas.

Os réus argumentaram que o recurso de revista excecional era inadmissível, mas os conselheiros do STJ sublinharam que a fundamentação da defesa para admissão do recurso foi cumprida “de forma suficiente” e que, “em face do exposto, justifica-se a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça”.

O recurso de revista excecional ocorre quando o STJ considera existir relevância jurídica e social de um processo, sobretudo quando estão em causa possíveis divergências de jurisprudência, a novidade do caso ou eventuais questões de interpretação legal num tema de interesse geral, para o qual se entende que a intervenção do Supremo pode reforçar a segurança e a certeza do Direito.

Famílias das vítimas com esperança numa condenação no recurso no Supremo

O advogado das famílias das vítimas da tragédia da praia do Meco reagiu esta quinta-feira, dizendo que o recurso aceite pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) é “uma pequena vitória” que dá esperança na reposição da justiça e numa condenação “exemplar”.

“Estou certo de que o STJ vai repor a justiça neste processo e vai condenar a universidade e o João Gouveia e esta decisão, a meu ver, vai ser exemplar para o futuro, na medida em que as próprias universidades não podem simplesmente fazer como fazem agora, lavar as mãos deste tipo de condutas, que vão permitindo sem nada fazerem”, disse à Lusa o advogado das famílias das vítimas, Vítor Parente Ribeiro.

Para o advogado, esta decisão é “uma pequena vitória” e uma “janela que se abre com alguma esperança para os pais”, uma vez que a decisão do STJ, se favorável, anula as anteriores.

“É para nós um motivo de grande esperança e de grande satisfação por ver que o STJ entendeu que os argumentos que os pais apresentaram eram relevantes e que mereciam de facto uma melhor e maior ponderação. […] Acho que esta decisão e este tipo de processo vai ser exemplar para o futuro de milhares e milhares de jovens e para repor alguma ordem naquilo que se passa na praxe”, disse o advogado.

Vítor Parente Ribeiro explicou que aquilo que o STJ vai analisar é matéria de direito (aplicação da lei) e não de facto (factos dados como provados e não provados), debruçando-se nomeadamente sobre “questões de natureza jurídica ao nível da responsabilidade civil, contratual e extracontratual, quer da universidade, quer do João Gouveia”.

“O STJ vai tentar analisar e perceber se há a possibilidade de aplicação de um melhor direito àqueles factos que resultaram provados”, disse. Ver o STJ defender que este caso “merece ser ponderado até para situações futuras” deixa o advogado esperançoso.

“Agora é esperar, os pais estão com muita fé e muita confiança de que finalmente vão ter uma decisão que vá ao encontro da luta que tiveram ao longo destes quase 10 anos, já vai fazer nove anos que os filhos faleceram. Sentem que a luta que travaram ao longo de quase uma década está a chegar ao fim, mas que lhes vai ser favorável e que vão ter uma decisão que minimamente reponha a justiça que pode ser reposta num caso como este”, concluiu.