Quando se tem nas mãos o que se quer, impera a satisfação. Porventura, se, de um momento para o outro, o que possuímos se transforma em areia e se escapa entre os dedos, resta pouco a quem tinha tudo. O Uruguai esteve numa posição vantajosa para passar aos oitavos de final durante grande parte do jogo. No fim, chorou por ter ficado dono de um sucesso inútil.
O karma pode ter tido uma palavra a dizer. Em 2010, na África do Sul, com a chegada aos quartos de final, o Gana realizou a melhor campanha de sempre num Mundial e só não foi mais longe, porque o Uruguai tratou da eliminação num jogo épico. Passados 12 anos, o Gana tinha a hipóteses de vingar a tristeza vivida. Se o objetivo era esse, a intenção correspondeu à ação. No entanto, também os ganeses saem de mãos a sacudir areia.
O selecionador uruguaio alinhou com um 4-4-2, balanceando cinco jogadores para frente – os dois avançados, Suárez e Darwin, os extremos, De Arrascaeta e Pellistri, e um dos médios, alternadamente, Valverde ou Bentancur – aos quais se juntava o lateral do lado da bola. Era a demonstração de que os sul-americanos vinham para fazer o que é obrigatório acontecer: ganhar.
Ainda com o jogo equilibrado, o Gana não podia ter tido uma ocasião mais flagrante para tomar a liderança. O árbitro assistente tinha marcado fora de jogo a André Ayew e, num lance em que Kudus acabou derrubado pelo guarda-redes uruguaio, Rochet. Inicialmente, a queda não foi considerada devido à posição irregular. Quando o VAR entrou em ação, percebeu que André Ayew estava em jogo, logo, se Kudus tinha caído, havia motivos para marcar grande penalidade. Assim foi. André Ayew agarrou na bola e rematou o castigo máximo em direção às mão de Rochet (20′). O Uruguai dominou a partir daí. Primeiro, Darwin (23′) picou sobre o guarda-redes do Senegal, Zigi, mas apareceu Salisu a cortar em cima da linha de golo. De Arrascaeta foi sustentável no aproveitamento das oportunidades de golo, porque não desperdiçou nada. Primeiro, Luis Suárez rematou e a defesa de Zigi acabou na cabeça do jogador do Flamengo que só teve de encostar (26′). Logo de seguida (32′), De Arrascaeta finalizou uma grande jogada desenvolvida ao primeiro toque e rematou com a bola no ar.
Com o empate a um na partida entre Coreia do Sul e Portugal, a seleção celeste acomodou-se. A conjugação de resultados era favorável ao apuramento. O Gana passou a dominar, mas só de meia distância conseguiu assustar. Os momentos de relevo que não se aconteciam no Gana-Uruguai, aconteciam no Coreia do Sul-Portugal e tinham consequência direta no Estádio Al Janoub. Os coreanos colocaram-se na frente contra a equipa das quinas, o que fazia com que o Uruguai estivesse virtualmente eliminado. Coates subiu para ponta de lança (tal como tantas vezes acontece no Sporting) em busca de mais um golo, tal o desespero dos uruguaios para desempatarem as contas com os coreanos com quem passaram a rivalizar. A substituição de maior relevo foi a entrada do coração para o lugar da razão, mas, sem o controlo do intelecto, o Uruguai não foi capaz de engendrar mais nada, tendo que se contentar com a vitória por 2-0 que, ainda assim, deixou a seleção celeste de fora. No final, a contestação dos uruguaios foi imensa. José María Giménez e Muslera, suplente neste jogo, encabeçaram a demonstração de força perante o árbitro por este não assinalar uma eventual grande penalidade sobre Cavani perto do fim. Os restantes jogadores uruguaios caíram em fraquezas.
A pérola
- Pela primeira vez titular no Mundial, De Arrascaeta não deixou no banco os apontamento técnicos que assombraram a defesa do Gana. Os dois golos são o destaque merecido por tudo o que fez no jogo. Marcou pressão, lançou os colegas na profundidade e apareceu em zonas de finalização.
O joker
- Aos 35 anos, podia já apresentar sinais de desgaste. A verdade é que esses sinais estão lá, mas não são suficientes para fazerem parar a máquina. Luis Suárez jogou nas costas de Darwin, permitindo ao ex-Benfica estar mais adiantado para se movimentar com a intenção de rasgar a defesa e, quando isso acontecia, Suárez viveu bem a pedir a bola em apoio frontal, distribuindo jogo para os médios. Por ser o mais recuado dos dois da frente, esforçou-se por ajudar a defender. Atualmente no Nacional de Montevideo, foi o escolhido para o onze titular em detrimento de Cavani. Até no fim se destacou por ser a face mais visível da desolação.
A sentença
- No segundo lugar do grupo H, o Gana partia em vantagem para conseguir o apuramento. No entanto, o melhor, para as Black Stars era vencer o Uruguai de modo a garantirem que não vinha alguém para ficar com o prémio que lhes parecia endereçado. O Uruguai só podia mesmo vencer se quisesse seguir em frente e a obrigação foi cumprida. No entanto, no Coreia do Sul-Portugal, os coreanos não podiam sair vencedores. Visto que os asiáticos venceram, Uruguai e Coreia do Sul terminaram com os mesmos quatro pontos e com o mesmo saldo de golo, sendo o número de golos marcados a decidir a eliminação da equipa celeste. Uruguai e Gana escorregam do Mundial, terminando no terceiro e quarto lugar do grupo de Portugal, respetivamente.
A mentira
- No decorrer da primeira parte, já com uma vantagem de dois golos para o Uruguai, a transmissão do jogo focou um adepto do Gana que, com os dedos, disse que a partida ia terminar 3-2, mostrando a sua confiança na reviravolta. Esperemos que não tenha investido dinheiro nessa aposta.