O selecionador marroquino, Walid Regragui, levantou a questão. “Por que é que os clubes europeus não contratam treinadores árabes? O Manchester City ou o Barcelona nem pensam nisso. Como se nós fossemos ignorantes no futebol. Os treinadores africanos estão prontos. As capacidades de um técnico deviam ser a única coisa a contar”.

Não treina um dos maiores clubes do mundo, mas orienta uma das quatro equipas que restam na mais prestigiada competição de seleções. A versão 2022 de Marrocos fez história ao tornar-se na primeira seleção africana a atingir uma meia-final de um Mundial. A equipa conhecida como os Leões do Atlas vai jogar com a França o acesso à final da prova.

Walid Regragui tem sido uma surpresa para muitas pessoas, mas não para Raul Costa, preparador físico do Al-Duhail. O português que se cruzou durante 8 meses no clube qatari que Regragui orientou garantiu ao Observador que o selecionador marroquino “tentava uma liderança através do relacionamento com os jogadores. Dava palestras durante 40 minutos para falar de futebol, mas também de outros temas”. Nesse sentido, o antigo membro da equipa técnica do técnico dos Leões do Atlas elogia as capacidades de liderança de Regragui. “Os jogadores marroquinos são jogadores malandros. Até são disciplinados taticamente, mas desde que ganhem dinheiro para sobreviver é o que importa”.

Raul Costa diz que a principal característica de Walid Regragui é a aproximação com os jogadores, ainda que isso não o impeça de ser duro quando a situação o justifica. “Uma vez, estávamos empatados a zero ao intervalo. O Regragui chegou ao balneário e deu um pontapé na mesa da fruta que estava no meio. A mesa caiu em cima de um jogador”, conta.

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Na conferência de imprensa de antevisão do jogo desta quarta-feira, questionado sobre o estilo de jogo da equipa de Marrocos, que muitos consideram defensivo, o selecionador comentou: “Também já me rendi a Pep Guardiola, mas claro que quando tens De Bruyne ou Bernardo Silva é fácil ter a bola. Nós temos a nossa própria forma de jogar”. E ainda ironizou: “Vou pedir ao presidente da FIFA para acrescentar pontos a quem tem mais de 60 por cento de posse de bola”.

Por motivos estratégicos, Marrocos tem-se apresentado nos jogos do Mundial com muitos jogadores atrás da linha da bola. Raul Costa conta que Regragi nem sempre foi assim. “No Al-Duhail, Regragui raramente treinava organização defensiva”. Deste modo, o português considera a convocatória de Marrocos foi feita a dedo. “Construiu uma equipa não com os melhores jogadores, mas com os jogadores que entendia serem os melhores para jogarem daquela forma”.

Lista de prefências: van Basten e AC Milan

O destino quis que Regragui defrontasse no jogo mais importante da carreira a equipa do país onde nasceu em 1995. O treinador cresceu em Corbeil-Essonnes, no bairro de Montconseil, perto de Paris. A família tem ligações à cidade de Fnideq no norte de Marrocos. Por isso, o treinador tem nacionalidade marroquina e francesa. Só que antes de dar instruções a partir do banco, Regragui viveu o futebol dentro das quatro linhas.

Raul Costa assume que a experiência de Regragui como jogador o ajudou no desempenho que está a ter na seleção nacional. “O Regragui tinha um conhecimento muito grande do futebol marroquino e, depois, como fez grande parte da sua carreira em França, tinha muito conhecimento do futebol europeu”.

Enquanto jogador, destacou-se no futebol profissional como lateral-direito. No entanto, começou a jogar mais adiantado no terreno, como médio ofensivo, e, só mais tarde, acabou por recuar no terreno. Aliás, na infância, o ídolo que tentava imitar era o neerlandês Marco van Basten. De resto, as influências europeias não se ficam por aí. Na adolescência, Regragui tinha o AC Milan como clube preferido.

O primeiro clube que representou foi o próprio Corbeil-Essonnes. Nessa altura, já demonstrava capacidades de liderança. O treinador do clube nessa época, Bernard Casero, disse que Regragui “costumava falar no balneário e motivar seus colegas” e que, por “instinto”, o atual selecionador marroquino “era quase o porta-voz da equipa em campo”.

Entretanto, formou-se em Contabilidade, apesar de o futebol lhe ocupar grande parte do tempo. A carreira como jogador fez-se a partir essencialmente em França. Representou o RCF Paris, o Toulouse, o Ajaccio, o Dijon, o Grenoble e o Fleury-Mérogis. Em Espanha, jogou no Racing Santander e, em Marrocos, no Athletic Tétouan.

Regragui e Giroud cruzaram-se no Grenoble

Giroud é o melhor marcador de sempre na seleção francesa e vai ser um jogador a quem Marrocos vai ter que dedicar especial atenção na meia-final. Não vai ser por falta de conhecimento de Regragui sobre o avançado francês que a equipa marroquina não vai ter o jogador do AC Milan sob controlo. No Grenoble, em 2007/08, Regragui e Giroud chegaram-se a cruzar a equipa francesa. No entanto, Giroud era um jovem de 21 anos e Regragui um experiente jogador de 32. Nessa época, o avançado acabou por ser emprestado ao Istres FC, pelo que acabaram por não partilha o terreno de jogo.

2000 foi o ano em que as prestações de Regragui saltaram à vista de um treinador português. Ao leme da seleção de Marrocos, Humberto Coelho chamou o defesa à seleção dos Leões do Atlas, acabando por o lançar em janeiro de 2001. Como jogador, nunca participou num Campeonato do Mundo, mas esteve na equipa de Marrocos que alcançou o segundo lugar na CAN, em 2004.

Em 2011, terminou a carreira de futebolista, passando a sentar-se no banco de suplentes. Antes de assumir o comando técnico da seleção marroquina, Regragui destacou-se particularmente no Wydad Casablanca, o maior clube marroquino, onde ganhou 30 jogos em 46 disputados, vencendo o Campeonato Marroquino e a Liga dos Campeões de África.

Os resultados obtidos levaram-no a ser chamado para treinar a seleção de Marrocos no Mundial 2022 a três meses do início da competição. A primeira vitória que alcançou foi conseguir o regresso de Hakim Ziyech à seleção, visto que o jogador de referência na equipa e que se tinha afastado dos compromissos internacionais devido a problemas com o antigo treinador, Vahid Khalilovic. A partir daí, Regragui levou Marrocos a uma campanha que, como o próprio referiu, não é de um país, mas de todo o continente africano. Agora, é sonhar: “Somos uma das quatro melhores equipes do mundo agora e queremos chegar à final. Sei que não somos os favoritos, mas estamos confiantes. Podem pensar que isso é loucura, mas um pouco de loucura é bom”, disse Regragui.