Uma antiga secretária de um campo de concentração nazi foi condenada a uma pena suspensa de dois anos de prisão por um tribunal no norte da Alemanha, pelo seu papel na morte de mais de 10.000 pessoas.
Irmgard Furchner, atualmente com 97 anos, trabalhou entre 1943 e 1945 como tipógrafa no campo de concentração de Stutthof, na Polónia. Uma das poucas mulheres levadas a responder pelos crimes de guerra nazis, começou a exercer funções em Stutthof quando ainda era adolescente, motivo pelo qual foi julgada num tribunal de menores. Apesar da sua idade na época dos crimes servir de atenuante, bem como o facto de se tratar de uma trabalhadora civil, e não militar, o juíz responsável considerou que Furchner tinha plena consciência do que se passava no campo.
De acordo com a Sky News, a acusação alegava que Furchner “ajudou e colaborou com a liderança do campo na matança sistémica dos prisioneiros entre junho de 1943 e abril de 1945, dentro das suas funções de estenógrafa e datilógrafa no escritório do comandante do campo”.
Ao todo, cerca de 65.000 pessoas foram mortas em Stutthof. A maior parte incluia prisioneiros judeus, opositores nazis polacos e soldados soviéticos capturados em combate.
O julgamento foi adiado em setembro de 2021, depois de Furchner ter tentado fugir do lar de idosos onde se encontrava, no norte de Hamburgo. Acabou por ser encontrada e detida horas depois.
O julgamento demorou cerca de 40 dias (divididos em sessões de duas horas por dia, atendendo à idade avançada da arguida). No final do processo, Irmgard Furchner quebrou o silêncio, dirigindo-se ao tribunal para expressar remorsos sobre o seu papel no massacre. “Peço desculpa por tudo o que aconteceu”, disse. “Arrependo-me de ter estado em Stutthof naquela altura — é tudo o que posso dizer”.
Ao longo das sessões foram ouvidas 30 testemunhas, sobreviventes e familiares de prisioneiros de Stutthof, oriundos dos Estados Unidos, França, Áustria e da região do Báltico. Foram ainda chamados a testemunhar historiadores e especialistas, que detalharam as condições da vida diária no campo de concentração, bem como o papel que Furchner desempenhou nas operações do campo, que incluiam práticas de tortura e genocídio das quais a arguida teria conhecimento.
No rescaldo da sentença, Manfred Goldberg, um sobrevivente de Stutthof, mostrou-se desiludido com a pena que, diz, parece tratar-se de um “erro”.
“Ninguém que esteja bom da cabeça mandaria uma pessoa com 97 anos para a prisão, mas a sentença deve refletir a severidade dos crimes”, afirmou aos repórteres. “Se um pequeno roubo leva uma sentença de dois anos, como é possível que alguém condenado por ser cúmplice de 10.000 homicídios tenha a mesma sentença?”, questionou.
Este é o último numa série de processos abertos na Alemanha desde 2011, altura em que foi estabelecido o precedente judicial de que guarda prisionais e outros colaboradores do regime nazi poderiam ser levados à justiça. No caso de Furchner, o facto de ter trabalhado diretamente com o comandante do campo e de ter lidado com a correspondência dos prisioneiros tornou-a elegível para enfrentar o julgamento.
Em declarações citadas pelo The Guardian, o juiz Dominik Gross realçou tratar-se este de “um dos últimos processos criminais relacionados com os crimes da era nazi”, razão pela qual permitiu que as sessões fossem filmadas, por uma questão de preservação histórica.
Homem de 101 anos condenado a cinco anos de prisão pela morte de mais de três mil pessoas