“Todos agiram como dolo direto, em profundo gozo à custa das vítimas”, concluiu o juiz do Tribunal de Beja, na leitura da sentença dos sete arguidos, todos militares da GNR, acusados de torturar imigrantes, em Odemira, em 2018 e 2019. Um dos militares, Rúben Candeias, foi condenado a uma pena de prisão efetiva de seis anos por um crime de abuso de poder, cinco de ofensas à integridade física e um de sequestro agravado.

Os restantes seis arguidos foram condenados a penas suspensas: Carlos Figueiredo e Paulo Cunha foram condenados a um ano e seis meses, João Lopes a quatro anos e dois meses, Nuno Andrade a um ano e três meses, Diogo Ribeiro a dois anos e Nelson Lima a dois anos e meio.

No total, o Tribunal de Beja deu como provados 19 crimes — entre eles, abuso de poder, ofensas à integridade física qualificada e sequestro agravado. Estes crimes resultam de uma investigação que teve início depois da divulgação de vídeos partilhados através do WhatsApp, que mostravam vários elementos da GNR a agredir imigrantes que viviam em Odemira e trabalhavam em estufas. Nos vídeos, gravados em 2018 e em 2019, além das agressões físicas, é possível perceber também várias agressões verbais. 

No total, a Polícia Judiciária encontrou sete vídeos no telemóvel do arguido Rúben Candeias, gravados em falsas operações STOP, em que os militares da GNR abordaram os imigrantes e os levaram para o posto de Vila Nova de Milfontes. Num dos episódios, os arguidos levaram um imigrantes para um descampado e o homem terá sido torturado com gás pimenta — obrigaram-no a inalar gás pimenta pela boca e pelo nariz com recurso a um teste do balão, utilizado para medir a taxa de álcool no sangue. “É gás pimenta, animal”, ouve-se num dos vídeos divulgado pela CNN.

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Noutra gravação, dois dos agora condenados terão algemado um imigrante e transportaram-no no carro de patrulha, insultando-o e desferido-lhe vários murros na cabeça. E um dos militares chegou mesmo a encostar-lhe uma shotgun no rosto.

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Os militares Rúben Candeias e João Lopes foram ainda condenados a uma pena acessória de proibição de exercício de funções na GNR durante três anos e meio. 

“Loucura das redes sociais entrou na GNR de Milfontes de uma forma descontrolada e despropositada”

“Não tem o tribunal qualquer dúvida que aqueles documentos foram realizados pelo telemóvel do arguido Rúben Candeias”, referiu o juiz do Tribunal de Beja, em relação ao vídeo gravado em 2018, partilhado nas redes sociais e que mostrava as agressões a cidadãos estrangeiros, em Odemira. Rúben Candeias é o arguido acusado de mais crimes — são 10, no total, tendo o tribunal dado como provados esta terça-feira sete crimes — e que pediu abertura da fase de instrução. “Apenas não deu como provado que o arguido Rúben Candeias estava fardado”, uma vez que não estava de serviço nesse dia.

O Tribunal de Beja  também não deu como provado que os indivíduos que sofreram agressões estavam ilegais em território nacional e “também não ficou provado que os arguidos agiram em manifesto ódio” racial.

“Resulta evidente pela visualização dos vídeos que não se tratou de mera brincadeira, como foi referido”, acrescentou o juiz. O Tribunal de Beja disse ainda que estes “não são atos próprios de um militar da GNR” e que o “desprezo revela a baixeza” dos atos.

No final, o juiz dirigiu a cada um dos arguidos algumas considerações, sublinhando que “é neste momento que se destacam os homens de valor”, numa clara referência e crítica aos crimes dados como provados. “Esta loucura das redes sociais parece que entrou, pelo menos, na GNR de Milfontes de uma forma descontrolada e despropositada”, acrescentou.

A sessão ficou, no entanto, marcada pelo protesto dos funcionários judiciais, que se juntaram à porta do Tribunal de Beja meia hora antes do início da leitura da sentença destes sete arguidos. De camisolas pretas vestidas, com a frase “justiça para quem nela trabalha”, os funcionários judiciais gritavam: “Costa, escuta, a Justiça está em luta”. Apesar da greve marcada para esta semana, foram garantidos os serviços mínimos para esta sessão.

“Foi uma brincadeira parva e estúpida”

Os arguidos vinham acusados pelo Ministério Público de 32 crimes de sequestro e agressão contra imigrantes em Odemira. Os casos terão acontecido em 2018 e 2019 e, de acordo com a acusação do MP, cujo despacho foi proferido em novembro de 2021, os militares terão agido “em manifesto ódio” relacionado com a nacionalidade dos imigrantes — o que não se revelou provado pelo Tribunal de Beja.

O julgamento dos sete militares da GNR começou em novembro do ano passado e apenas dois dos arguidos — Nelson Lima e Diogo Ribeiro — aceitaram prestar declarações durante as sessões que decorreram no Tribunal de Beja. “Foi uma brincadeira parva e estúpida”, disse o militar Nelson Lima, sobre as alegadas agressões a imigrantes em Odemira.

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Citado pela Lusa, o militar Nelson Lima acrescentou ainda que não viu “pânico na cara de ninguém”, a propósito de um vídeo que foi gravado durante as agressões e que registou a sua presença naquele momento. “Fui ver o que se passava e estavam na risota e palhaçada.”