Milhares de professores de todo o país estiveram este sábado concentrados em Lisboa, numa manifestação em defesa da escola pública e contra as propostas de alteração dos concursos. A manifestação foi convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP), mas contou com centenas de professores não sindicalizados. André Pestana, coordenador nacional do STOP, diz que estiveram mais de 100 mil pessoas na manifestação “entre professores, assistentes operacionais, assistentes técnicos, técnicos superiores de educação, alunos e encarregados de educação. Isto é histórico”, disse.
Perante uma Praça do Comércio cheia, o responsável afirmou que os cordões humanos e os protestos nas escolas vão continuar e que os professores vão concentrar-se junto do Ministério da Educação, aquando das reuniões com os sindicatos, na próxima semana. O sindicalista pediu também a demissão do ministro da Educação, João Costa, sublinhando que o governante “faz parte do problema e não da solução”.
Num discurso de cerca de uma hora, André Pestana deixou muitas críticas ao Governo, mas também aos restantes sindicatos do setor, e pediu um aumento de 120 euros para todos os profissionais da educação.
Os manifestantes estiveram concentrados no Marquês de Pombal e seguiram, pouco depois das 15h00, para a Praça do Comércio, no centro da capital. Os números divulgados à Lusa pela oficial responsável pelo policiamento da iniciativa contrastam com os que foram avançados pelo STOP: as autoridades disseram que se encontravam na marcha, que terminou no Terreiro do Paço, mais de 20 mil pessoas. Ao som de tambores e de buzinas, os professores levantaram lenços brancos para dizer “adeus ao senhor ministro” e exibiramm cartazes a pedir dignidade pela profissão, pela escola pública e pelo acesso ao topo das carreiras.
Em declarações à agência Lusa, o coordenador nacional do STOP, André Pestana, disse que a luta dos professores é pela defesa da escola pública e reúne também pessoal não docente, todos na exigência de uma “escola pública de qualidade e de excelência”. Para o sindicalista, esta contestação — que deverá aumentar na próxima semana, depois de declarações do ministro da Educação, João Costa, na sexta-feira, manifestando-se preocupado com a desproporcionalidade da greve convocada pelo STOP e admitindo a possibilidade de recorrer a serviços mínimos — é também “uma luta pelos alunos”.
“Ministro, escuta, a escola está em luta”, “não à municipalização” e “unidos pela educação” foram algumas das palavras de ordem dos milhares de participantes no protesto. Paulo Brasil, professor de inglês há mais de 30 anos em Setúbal, disse que o descontentamento é “cada vez maior”, lamentando que “as atuais condições de trabalho não façam uma escola pública de qualidade”. “Não se consegue chegar às necessidades de todos os alunos”, acrescentou.
Autocarros com professores foram revistados? Autoridades negam operações direcionadas
O sindicato STOP disse que “mais de 100 autocarros com professores” que se dirigiam à manifestação em Lisboa foram “revistados”. Nas redes sociais surgiram publicações parecidas, que davam conta de que as forças de segurança estariam a forçar os autocarros a parar.
A GNR e a PSP negaram essas alegações de fiscalizações específicas que visavam a deslocação de docentes. Em comunicado, a GNR explicou que “executou durante toda a manhã a sua atividade diárias no âmbito da fiscalização rodoviária”. “Poderão ter sido aleatoriamente fiscalizados veículos pesados de passageiros, tais como outros veículos”, acrescentou.
Porém, a Guarda Nacional Republicana alerta que as alegações de que as operações visavam as “deslocações de professores” não correspondem “à verdade”. “As fiscalizações são completamente aleatórias“, frisa a GNR. Também a PSP, numa nota enviada à Lusa, desmentiu ter “fiscalizado os veículos em que os manifestantes se fizeram transportar”.
Catarina Martins solidária, Paulo Raimundo considera escola pública “exigência de todos”
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, mostrou-se solidária com “a luta dos professores”, que considerou “justíssima” e uma “luta pela escola” e pelo futuro coletivo do país. Justificando o apoio, a responsável fez um “retrato” das escolas, tipificado numa professora de 45 anos, “com um salário que não chega para pagar a gasolina para ir para a escola onde foi contratada, que não consegue pagar a renda, com um bloqueio no acesso aos escalões e que se vê com imenso trabalho burocrático”.
As escolas, acrescentou, têm cada vez menos profissionais face às necessidades, e os alunos não têm apoio, o que faz com que a vida dos professores seja “uma corrida de obstáculos permanente”. “Estas professoras e professores estão a lutar por um direito ao ensino, fundamental no nosso país”, disse Catarina Martins à Lusa, considerando que é tempo de se deixarem as promessas e de se agir “rapidamente” para que as escolas tenham condições.
A coordenadora do Bloco de Esquerda disse saber que há pais e mães preocupados por alunos não terem aulas devido à greve que decorre, mas acrescentou que se há tantas turmas que não têm professores a muitas disciplinas “é porque a vida nas escolas ficou tão difícil que o país já não consegue contratar os professores de que precisa”.
E se esta luta agora está a criar alguma instabilidade, o que cria mesmo uma instabilidade permanente é a falta de uma política que proteja a escola pública e quem está aqui a lutar está a lutar por essa escola”, disse.
Questionada sobre a possibilidade de o Governo recorrer a serviços mínimos no âmbito das greves dos professores, Catarina Martins considerou que o direito à greve não deve ser limitado e disse que as greves têm regras, que devem ser respeitadas. “E se há algum problema pontual, ele não deve ser confundido com a gigantesca maioria dos professores, que estão a fazer a luta como a devem fazer, uma luta democrática”, referiu.
Já o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, considerou que a luta pela escola pública “é uma exigência de todos” e do próprio país. Ao discursar durante um comício em Tondela, no distrito de Viseu, Paulo Raimundo aludiu à “luta dos estudantes por uma educação pública gratuita e de qualidade” e à “luta dos professores, com a sua justa indignação”.
No seu entender, trata-se de uma luta “pelos seus direitos” e pela escola pública a que todos têm direito e que “serve os alunos, os pais, os auxiliares, os professores, serve o país”. No final do comício, Paulo Raimundo optou por não prestar declarações aos jornalistas sobre a manifestação dos professores hoje realizada em Lisboa.
CONFAP fala em “consequências gravíssimas”
Mariana Carvalho, a presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), disse que “compreende os professores”, que “devem fazer o que consideram necessário para fazer as suas reivindicações”. Ainda assim, a CONFAP discorda do “modo como as coisas estão a decorrer” e apela “ao diálogo”.
Em declarações à SIC Notícias, Mariana Carvalho mostrou-se preocupada com o impacto da greve de professores nos alunos. Após três anos de pandemia, era suposto a escola “entrar num período de normalidade, mas isso não se verifica”. “Isto de normalidade não tem nada”, acrescentou, dando conta da existência de “famílias ansiosas”, que não sabem onde deixar as crianças.
Todos estamos a sofrer consequências gravíssimas com isso.”
Questionada sobre se a CONFAP já tinha recebido relatos de pais em risco de despedimento devido ao facto de terem de faltar ao trabalho por não terem onde deixar os filhos, Mariana Carvalho disse que sim: “Temos muitos casos. E são mesmo muitos. Não é um, nem dois, nem três”.
A confederação deu ainda conta da existência de “pais muito desesperados porque não sabem o que devem fazer”, uma vez que “do ponto de vista legal não é claro” se essas faltam podem ser justificadas. Os alunos numa situação “mais crítica” são, no entender da CONFAP, os que estão “no quarto ano” porque estavam no primeiro ano quando começou “a pandemia”. A situação dos alunos do 12.º ano também não é fácil porque não “sabem se vão fazer as matérias todas” e têm que fazer os exames de acesso ao ensino superior, se assim entenderem.
Maioria dos portugueses concorda com as greves, revela sondagem
Ainda antes de os professores iniciarem a manifestação deste sábado, uma sondagem da Intercampus feita para o Correio da Manhã indicava que 60% dos portugueses concorda com as greves de docentes em curso. Dos 606 inquiridos (290 homens e 316 mulheres), apenas 12,4% consideram que João Costa, ministro da Educação, melhorou a situação da Educação em Portugal. Os restantes 49,1% acham que a situação tem piorado, 10,6% consideram que se mantém inalterada e 27,8% optaram por não responder.
A manifestação deste sábado foi a segunda na capital no período de um mês, tendo a primeira reunido mais de 20 mil professores, segundo estimativas do sindicato. Além de reivindicações antigas relacionadas com a carreira docente, condições de trabalho e salariais, os protestos foram motivados por algumas das propostas do Governo para a revisão do modelo de recrutamento e colocação de professores, que está a ser negociada com os sindicatos desde setembro. Em particular, contestam a possibilidade de incluir outros critérios de seleção, além da graduação profissional, ou de os professores passarem a ser contratados por entidades locais ou pelos próprios diretores. O Ministério da Educação já desmentiu, no entanto, essa informação.