No início da década de 50, Gina Lollobrigida protagonizou um episódio rocambolesco com o milionário e produtor Howard Hughes em Hollywood. Após ter assinado um contrato com ele e vindo de Itália para os EUA, “La Lollo” viu-se metida num hotel de luxo de Los Angeles, com um avantajado guarda-costas à porta. Hughes aparecia então tarde da noite e levava-a a jantar ao restaurante do hotel, reservado só para eles, onde tocava uma orquestra que o milionário tinha contratado propositadamente para a ocasião. Nessa altura, Lollobrigida era já casada com um médico jugoslavo, o que não foi impedimento para Hughes a tentar seduzir, e a atriz italiana lá acabou por conseguir desenvencilhar-se de tão insólito e prepotente admirador.
[“Pão, Amor e Fantasia”:]
Gina Lollobrigida, que morreu hoje aos 95 anos na sua Roma natal, era belíssima e voluptuosíssima, tendo chegado a ser considerada, no auge da sua carreira nos anos 50 e 60, “a mulher mais bonita do mundo”. Não foi por acaso que pôs a cabeça à roda a Howard Hughes. Chamaram-lhe também “A Mona Lisa do século XX” e “a melhor coisa que aconteceu em Itália desde a invenção do esparguete”. Foi essa beleza “que desafia o impossível e comunga do sobrenatural”, como escreveu então um crítico italiano, que lhe valeu uma série de papéis secundários em vários filmes, após ter sido “descoberta” no pós-guerra, quando frequentava Belas-Artes, aparecia em fotonovelas e entrava em concursos de beleza (chegou a ficar em terceiro no de Miss Itália, atrás das também futuras atrizes Lucia Bosè e Gianna Maria Canale).
[“O Tesouro de África”:]
Em 1952, Lollobrigida mostrou que também sabia representar e era mais do que uma cara perfeita e um corpo de sonho, graças a duas co-produções franco-italianas em que surgiu ao lado de Gérard Philipe, a fita de capa e espada “As Aventuras de Fanfan la Tulipe”, de Christian-Jacque, e “O Vagabundo dos Sonhos”, de René Clair, bem como ao drama “A Provinciana”, de Mario Soldati (1953), baseado num livro de Alberto Moravia. Nesse mesmo ano, John Huston escolheu-a para contracenar com Humphrey Bogart em” O Tesouro de África”, e o filme foi o trampolim de Lollobrigida para Hollywood, onde entraria em títulos como “Trapézio”, de Carol Reed (1956), “Salomão e a Rainha de Sabá”, de King Vidor (1959), ou “Idílio em Setembro”, de Robert Mulligan (1961).
[“Salomão e a Rainha de Sabá:]
Os papéis em Itália e noutros países europeus também melhoraram, tendo Gina Lollobrigida aparecido em fitas como “Pão, Amor e Fantasia” (1953) e “Pão, Amor e Ciúme” (1954), ambas de Luigi Comencini e dois dos seus melhores papéis, “Nossa Senhora de Paris”, de Jean Dellanoy (1956), “Mulher de Palha”, de Basil Dearden (1964) ou na comédia em episódios “Quatro Casos de Amor”, de Mauro Bolognini, Luigi Comencini e Dino Risi (1965). Esta valeu-lhe um processo por atentado ao pudor e uma sentença de dois meses de prisão, que foi quase imediatamente anulada. Era impensável meter na cadeia um símbolo sexual, uma diva suprema e uma das mais populares atrizes italianas do pós-guerra como era Lollobrigida.
[“Nossa Senhora de Paris”:]
Fosse pela fortíssima concorrência da sua grande rival Sophia Loren, e de uma Claudia Cardinale em ascensão, fosse porque os bons papéis para uma atriz com as suas características e limitações começassem a escassear, e também por causa da idade, Gina Lollobrigida fez mais dois filmes de nota, “Um Brevíssimo Novembro”, de Mauro Bolognini (1969), e “King, Queen, Knave”, de Jerzy Skolimowski (1972), em ambos interpretando mulheres maduras que seduzem os seus sobrinhos mais novos. Apareceu como “Fada Azul” na série de televisão de Luigi Comecini “As Aventuras de Pinóquio” (1972) e passou a dedicar-se às artes plásticas e em especial à fotografia. Entre muitos outros, registou para a posteridade Henry Kissinger, Fidel Castro, Yuri Gagarin, Salvador Dalí, Grace Kelly e Paul Newman, e publicou livros como “Italia Mia”, “The Wonder of Innocence” ou “Gina Lollobrigida: Photographer”.
Fez ainda, esporadicamente, alguma televisão, foi a Fada do Cinema em “Les Cent et Une Nuits de Simon Cinéma”, de Agnès Varda (1995), surgiu ao lado de Gérard Depardieu na comédia romântica “XXL”, de Ariel Zeitoun (1997) e fez dela própria no primeiro filme italiano em 3D, “Box Office 3D: Il Film Dei Film”, de Ezio Greggio (2011). Foi a última vez que apareceu na tela. Numa entrevista que deu em 2000, Gina Lollobrigida disse: “Estudei pintura e escultura na escola e tornei-me numa atriz por acaso”. Foi um acaso a que o cinema e os cinéfilos estão eternamente gratos.