É uma verdadeira correria. Muitos são os alunos da Universidade Nova SBE, em Carcavelos, que visitam o Pingo Doce & Go para comprar almoços ou lanches. No supermercado sem filas ou caixas, onde a entrada é feita através de uma aplicação, as compras são realizadas em meros minutos.
Do lado de fora do supermercado está um armário que, se de dia poderá passar mais despercebido, à noite “tem picos de tráfego”. Com o Pingo Doce & Go já encerrado, os alunos recorrem à microloja com o software da Reckon.ai, que funciona 24 horas por dia, todos os dias. “É normal vendermos lasanhas às onze da noite ou às duas da manhã”, conta Ricardo Silva, responsável pelo departamento de marketing da startup portuguesa, ao Observador.
De lasanhas a refrigerantes ou bolachas, diversos são os produtos disponíveis no armário “inteligente” que combina “algoritmos de Inteligência Artificial e sensores e câmaras direcionadas às prateleiras (e não ao consumidor)”. Como a Reckon.ai é um “fornecedor de tecnologia”, as microlojas são “operadas sempre por uma empresa externa” — o Pingo Doce, no caso da que está em Carcavelos.
O processo de utilização desta microloja passa pela instalação da aplicação (a Nova Pingo Doce & Go), selecionar a opção “Go 24/7”, adicionar um método de pagamento (só permite colocar um cartão de crédito), introduzir o código que está no armário, e abrir as portas para ver os produtos. “Uma vez aberto, posso mexer em tudo: confirmar datas de validade, ingredientes que cada produto tem” e se não os quiser comprar “volto a colocar na prateleira, sem compromisso”, explica Ricardo Silva, que falou com o Observador na Nova SBE
A CEO da Reckon.ai, Ana Pinto, afirma que “todas as interações” do utilizador da microloja são “reconhecidas pela tecnologia”. Desta forma, a partir do momento em que o armário é desbloqueado é possível pegar nas bolachas ou nos refrigerantes sem os adquirir, uma “experiência que não se consegue ter numa vending machine” — onde não é possível tocar no produto antes de colocar as moedas para o comprar.
A experiência é toda autónoma, não precisamos de ir a uma caixa fazer o registo do produto porque o sistema cria automaticamente o cesto de compras e o fecho da compra é feito quando se fecham as portas do armário”, acrescenta, em declarações ao Observador em videochamada a partir do Porto, onde a startup portuguesa está sediada.
A microloja que está, desde 2019, junto ao Pingo Doce da Nova SBE foi a primeira com o software da Reckon.ai a ser inaugurada. Por ser ainda de “primeira geração” não permite pagar com MB Way, uma característica que as mais recentes já têm. Além disso, também existem armários em que não é necessário descarregar uma aplicação, mas apenas “encostar o cartão [de crédito] ao terminal de pagamentos”. Ana Pinto defende esta solução, uma vez que considera que as pessoas não querem ter “tantas apps no telemóvel”.
Neste momento, “ainda não foi tomada uma decisão relativamente à modernização” do armário “inteligente” da Nova SBE, mas a startup garante que continua a “conversar” com a Jerónimo Martins.
Massa com queijo ou sem queijo? A localização das câmaras permite identificar padrões
São as empresas clientes da Reckon.ai que decidem quais são os produtos disponíveis na microloja e quanto custa cada um. Ainda assim, o facto de as câmaras e os sensores estarem direcionados às prateleiras faz com que a tecnológica consiga obter e transmitir informações a que, por norma, os retalhistas não têm acesso.
Por exemplo, explica a CEO Ana Pinto, os supermercados conseguem saber que produtos os clientes compraram, mas não aqueles em que pegaram e deixaram na prateleira antes de se dirigirem à caixa. “Nós, com a nossa tecnologia, conseguimos” saber isso, frisa. A Reckon.ai consegue saber se o utilizador “pegou primeiro num sumo de laranja, pousou o sumo de laranja e depois tirou um sumo de ananás”.
Num caso mais específico, a Reckon.ai conseguiu perceber que entre duas massas vendidas numa das microlojas por uma das suas clientes (cujo nome não foi revelado) — uma com queijo e outra sem queijo — as pessoas compravam “muito mais” a massa com queijo. Por isso, o retalhista percebeu que, apesar de ter apostado em duas alternativas para agradar também a quem não gostava desse ingrediente, “a tendência era sempre comprar a massa com queijo”. Apesar de conseguir identificar padrões de consumo, a startup não consegue saber os motivos que levam cada utilizador a pousar um determinado produto.
Atualmente, a Reckon.ai está presente, além do mercado nacional, nos Países Baixos, na Bélgica, no Dubai e no Reino Unido. A tecnológica conta com cerca de “10 clientes diferentes” e “dezenas de lojas instaladas” (recusa-se a dizer o número exato), entre as quais se destacam duas operadas pela Go Natural em escritórios do BPI. Além disso, acrescenta Ricardo Silva, estão já mais de “100 microlojas contratadas, depois é uma questão de estes números se efectivarem”.
Neste momento, a equipa da Reckon.ai conta com 20 elementos, mas a empresa encontra-se a contratar com o objetivo de “nos próximos meses” conseguir ter 30 funcionários. Entre os objetivos para 2023 está também a “aposta na entrada em novos mercados”, com principal destaque para os EUA, diz a CEO.
Há dois anos a startup fechou uma ronda de investimento no valor de 1,5 milhões de euros, que foi liderada pelo Fundo Nos 5G (gerido pela Armilar Venture Partners) e que contou com a participação de investidores portugueses, como a Bright Pixel. Agora, a Reckon.ai começará a “preparar uma Serie A”.