A obra em prosa de Manuel Alegre, reunida num único volume, inclui um prefácio da investigadora Paula Morão que assinala como a poesia do escritor, a sua faceta mais conhecida, é já atravessada por “um forte impulso narrativo”.

O volume, que chega esta semana às livrarias, reúne os romances “Jornada de África” (1989), “Alma” (1995), “A Terceira Rosa” (1998), “Rafael” (2004), “Tudo É e não É” (2013), e também as novelas “Cão como Nós” (2002), “O Miúdo Que Pregava Pregos Numa Tábua” (2010), “Tentação do Norte” (2021) os livros de contos “O Homem do País Azul” (1989), “O Quadrado” (2005) e o conto “Uma Estrela” (2005), num total de 826 páginas.

No prefácio, Paula Morão, catedrática de Literaturas Românicas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, assinala que “atravessa a poesia de Alegre um forte impulso narrativo, nomeadamente nos muitos poemas devedores de epopeias antigas e modernas”, dando como referências Gilgamesh, Homero, Vergílio e Camões. Para Morão, “os escritos ficcionais terão acompanhado o autor desde muitos antes” da saída do seu primeiro romance em 1989, “Jornada de África”.

Referindo-se a este primeiro livro em prosa de Alegre, afirma Morão que “aponta caminhos que já conhecemos da poesia editada até essa data [1989], e traça filões que se difundem por toda a ficção até agora dada a lume”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Paula Morão salienta a coerência da obra poética e ficcional de Alegre. “Do outro lado está a escrita, o princípio ficcional que tudo transfigura e integra, de acordo com vertentes que se encontram também na poesia e na restante obra, com efeito reconhecem-se episódios narrados entre si e articulados, dando lugar em simultâneo à representação do tempo histórico e à criação de uma figura protagonista”.

“De um lado estão as coisas vividas” — infância, juventude coimbrã, incorporação militar, guerra colonial, exílio em Paris e Argel, e o regresso a Portugal, depois de Abril de 1974; “do outro lado está a escrita, o princípio ficcional, que tudo transfigura e integra, de acordo com as vertentes que se encontram também na poesia e na restante obra”.

Morão destaca ainda os “ecos que vêm do cinema” na obra de Manuel Alegre de Melo Duarte, e refere os piratas em “A Terceira Rosa”, que convocam os filmes de Michael Curtiz, com Errol Flynn e Brenda Marshall, de 1940, mas também “o lírico e elegíaco ‘Limelight’ de Charlie Chaplin”, de 1952.

A investigadora chama a “atenção especial” para “Pandora and the Flying Dutchman” (1951), de Albert Lewin com Ava Gardner e James Mason, mencionados no capítulo dois da mesma obra. “Transversalmente à poesia e à prosa, uma urdidura feita de tempos sobrepostos está sempre a constituir a permanência de textos em ‘sotto voce’ [em surdina] compondo o próprio eu”, assegura Morão.

Manuel Alegre, 86 anos, é atualmente membro do Conselho de Estado. Em 2017, foi distinguido com o Prémio Camões e, em 2019 com o Prémio Vida e Obra da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), entre outros galardões como o Prémio Amália, em 2014, o de Consagração de Carreira da SPA, em 2016, os prémios Fernando Namora/Estoril Sol e Fernando Pessoa, em 1999, e o Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa em 2021.

Literariamente, estreou-se em 1965 com o livro de poesia “Praça da Canção”, em que alguns dos poemas foram escritos quando esteve detido na fortaleza de S. Paulo, em Luanda, depois de ter sido mobilizado para o serviço militar, a cumprir em Angola, no início da Guerra Colonial.

Antifascista, foi eleito membro do comité nacional da Frente Patriótica de Libertação Nacional, com sede em Argel, onde se exilou e trabalhou na Rádio Voz da Liberdade, tendo regressado a Portugal depois da Revolução dos Cravos, em abril de 1974. Membro do Partido Socialista desde então, exerceu funções governativas e foi vice-presidente da Assembleia da República de 1995 a 2009.