A ideia já andava a marinar, mas foi depois de um almoço no Martinho da Arcada, em Lisboa, que a decisão foi tomada. A concorrência suíça tinha viciado o mundo no café em cápsula, com a ajuda de George Clooney, e toda a gente questionava porque é que a Delta não tinha nada igual. À saída daquele almoço, Rui Nabeiro, fundador do império de Campo Maior, não escondeu a frustração ao neto.
Foi o empurrão que faltava para Rui Miguel Nabeiro, naquela altura responsável pela área estratégica e de operações do grupo, pôr mãos à obra. A Delta Q nascia pouco depois, tremida ao início, mas encarrilada com o tempo. Hoje, vale 25% dos cerca de 430 milhões de euros que a Delta fatura anualmente. Foi a grande prova de fogo de Rui Miguel Nabeiro, que do avô, que morreu este domingo aos 91 anos, herdou não só o nome mas todo um legado numa das maiores empresas familiares do país.
Rui Nabeiro. Um milionário diferente que tinha saudades de viver mais tempo
Coube a Rui Miguel, e não ao pai, João Manuel, assumir as rédeas do grupo Delta. Desde que nasceu, o seu destino estava traçado. “Tens de ir estudar para ajudar o avô”, dizia-lhe Rui Nabeiro. Rui Miguel nasceu e foi criado em Lisboa e queria ser piloto de aviões. “Inscrevi-me para tirar o brevet mas nunca fui a nenhuma aula. Digo aos meus filhos que podem ser o que eles quiserem, mas o meu avô não me deu hipótese”, contou, numa entrevista ao Expresso, no final de 2022. Não é com mágoa que o diz.
“Nos testes psicotécnicos que fiz o resultado foi jornalismo. No décimo ano fui para a área de Económicas e o meu caminho ficou condicionado. A minha mãe inscreveu-me na Católica e obrigou-me a fazer testes que não queria, fui contrariado”, relatou na mesma conversa. Mas assume que a licenciatura em Gestão acabou por ser a melhor opção.
Depois dos estudos, foi conhecer o mundo. Trabalhou no Vietname, em Itália e na Suíça. Sempre em empresas ligadas ao café. No regresso a Portugal, com 22 anos, integrou a Direção de Marketing da Delta, junto do avô, em Campo Maior. Mas Rui Miguel não estava completamente satisfeito. Assim que surgiu uma oportunidade em Lisboa, na área de vendas, quis agarrá-la. Para tristeza do avô.
“Desafiei o meu avô a deixar-me ir para a área comercial. Ele ficou triste por me ter candidatado, porque estava ao pé dele e fui para longe”, revelou ao Expresso. Foi aqui que mais sentiu que, por ser da família, tinha de provar o seu valor “em dobro ou em triplo”. “Nós estamos ali porque somos filhos ou netos, há uma pressão diferente”, conta. “Eu trabalhava mais que os outros para provar que merecia ser reconhecido”. Até porque o seu maior exemplo, o avô, era a pessoa que Rui conhecia que mais trabalhava. Todos os dias, de domingo a domingo.
A comparação com o fundador da Delta é inevitável e não o assusta. Mas Rui Miguel Nabeiro quer trilhar o seu próprio percurso. “O meu avô é uma figura incontornável, única. O meu percurso sempre foi ao lado dele. O facto de ter um título diferente não mudou muito o meu trabalho”, diz sobre a subida a CEO da Delta Cafés. “Quando comecei diziam-me: ‘ele é igual ao avô’. Hoje espero que me reconheçam os mesmos valores familiares, mas que reconheçam também que sou autêntico, não sou uma cópia de ninguém. Não que não seja uma boa imagem para copiar, mas as fotocópias nunca são iguais ao original”, confessou na mesma entrevista.
Rui Nabeiro partiu com a casa bem arrumada. “Está preparado”, disse à Sábado, em 2021, por ocasião dos seus 90 anos. “Os meus netos e a restante família também me querem imitar, têm a capacidade e a inteligência suficiente para verem como é que o avô tem caminhado”, afirmou o fundador da Delta.
Rui Miguel corrobora. “Foi uma transição bem pensada, com muita tranquilidade”. A irmã, Rita, e o primo Ivan fazem parte da comissão executiva do grupo. “Vamos fazendo este caminho em conjunto”. Era assim que Rui Nabeiro queria.
Morreu o empresário Rui Nabeiro, fundador da Delta Cafés. Tinha 91 anos
Rui Miguel Nabeiro tem 43 anos, é casado e tem três filhos. É, a partir de agora, o principal rosto da Delta, uma empresa que nasceu com uma máquina de torrefação de 30 quilos e que hoje emprega quatro mil pessoas e está presente em mais de 40 países. Descreve-se como teimoso e rápido a tomar decisões, por ter “pouco medo de errar”. Bebe seis a sete cafés por dia, curtos e simples. Se seguir os passos do avô, o seu percurso na Delta será o oposto.