Um conjunto de objetos e imagens nascidos com o 25 de Abril, pertencentes ao arquivo Ephemera, que espelham a pluralidade da vida política e a “alegria da liberdade”, vai estar patente em Lisboa a partir de sexta-feira.
Cartazes, emblemas, autocolantes, postais, faixas, cinzeiros, pratos, discos, objetos das mais diversas naturezas e dos mais diferentes partidos políticos, que ilustram a enorme diferença na paisagem visual pública surgida após o fim da ditadura integram a exposição “Sinais da liberdade — Iconografia da democracia no arquivo Ephemera”, que fica aberta ao público de 14 de abril a 28 de maio, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa.
A mostra integra-se nas comemorações do 25 de Abril do município de Lisboa e pretende divulgar o que foi a história da Revolução dos Cravos, contada a partir destes “objetos icónicos”, afirmou o vereador da Cultura, Diogo Moura, numa visita para a imprensa.
A exposição integra-se numa programação maior da autarquia, a decorrer até final do mês, com várias iniciativas em museus e bibliotecas municipais, que terminam a 24 de abril, com um concerto no Terreiro do Paço.
“Não há praticamente legendas, porque a ideia era retratar um aspeto fundamental da liberdade”, esclareceu o historiador José Pacheco Pereira, responsável pelo arquivo Ephemera, para quem a exposição pretende, mais do que mostrar os “sinais da liberdade”, retratar “a alegria da liberdade”.
“Só quem não conheceu o período anterior ao 25 de Abril é que não percebe até que ponto esta paisagem infunde alegria, gosto de viver, de falar, de discutir, de divergir, que são no fundo características fundamentais da democracia”, afirmou.
Pacheco Pereira considera que esta é “também uma exposição contra a censura e contra as novas formas de censura, que vive da iconografia, imagens e objetos”, através da qual se tenta “retratar a variabilidade da ação política”.
Destacando que não interessa ver que partido está mais representado, porque a intenção nunca foi fazer uma contabilidade, o responsável afirmou que “o que importa é que os objetos traduzam a pluralidade da vida política e a pluralidade das imagens”.
De um conjunto de peças distribuídas por várias salas e dispostas cromaticamente, José Pacheco Pereira realçou 10 objetos como “sendo os mais significativos, que não valem apenas por si, do ponto de vista estético, mas valem também do ponto de vista histórico”.
O primeiro é o cartaz de uma mulher sem pernas, integrado na série “Queremos responder” de uma campanha do CDS em 1976, que, na altura, suscitou reações muito negativas, dada a violência da imagem.
Em expositores de vidro com várias peças, destacam-se o busto em bronze de Vasco Gonçalves, da autoria de Abílio Belo Marques (1926-2004), uma série de três cubos intermutáveis, datada de 1976/77, representando Mário Soares, Álvaro Cunhal, Isabel do Carmo e Arnaldo de Matos, bem como um galo de Barcelos cor de laranja, usado pelo candidato Fernando Reis, do PSD, na campanha por Barcelos, em 2009.
“Um dos melhores exemplos da chegada à democracia” é um conjunto de calendários de bolso e autocolantes, que eram um meio barato de fazer propaganda de uma candidatura, principalmente nas primeiras eleições autárquicas, sem ‘design’, sem ‘marketing’, nem agências de comunicação, quando os recursos eram escassos.
A “laranjinha” da JSD em esponja, dos anos 1990, uma pequena estátua em cerâmica de Álvaro Cunhal vestido de jogador do Futebol Clube do Porto e um copo com o emblema do Sporting, de 1974, quando este clube se consagrou como primeiro campeão de futebol em liberdade, são outras das peças destacadas por Pacheco Pereira.
Uma das peças a que Pacheco Pereira deu mais destaque é uma caneca em cerâmica, que representa António Guterres nu “mostrando o ‘pau'” à oposição, com a inscrição “a oposição que se ponha a pau” na barriga.
Segundo o historiador, “tudo nesta caneca é um erro de ‘casting’, ser Guterres o representado, e ser representado como durão”.
No final da exposição, pode ver-se um ‘slideshow’ de cerca de 200 imagens de graffiti e pichagens de todo o país dos últimos anos.
“Nós não recolhemos nada por razões estéticas, há aqui muitos objetos que são ‘kitsch’. Às vezes quanto mais ‘kitsch’, melhor”, afirmou Pacheco Pereira, sublinhando que a coleção Ephemera, “o arquivo privado maior de Portugal e, provavelmente, o maior da Europa”, conta com seis quilómetros de estante, mais de 250 mil títulos, mais de 500 mil panfletos e milhares de fotografias e objetos.
Sobre a escolha do Tribunal da Boa Hora para apresentar esta exposição, Pacheco Pereira recordou que este foi “um dos locais mais sinistros da ditadura, onde se faziam julgamentos de presos políticos que eram uma autêntica fantochada” e em que, muitas vezes, até os advogados eram presos.
Nesses julgamentos, o preso político estava condenado antes de entrar na sala, acompanhado pela escolta da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), polícia política da ditadura.
O coordenador do projeto Ephemera adiantou ainda que no âmbito do protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, esta exposição é apenas parte da “grande exposição do 25 Abril” que terá lugar no próximo ano.
Essa exposição maior terá “iconografia, documentos, filmes, enorme quantidade de material, na maioria dos casos inéditos, tudo originais, e posteriormente incluindo documentos únicos sobre o 25 de Abril que, em alguns casos, nunca foram vistos”.