A nova provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), Ana Jorge, tomou esta terça-feira posse e defendeu que a instituição, que celebra 525 anos, precisa de uma reorganização interna e de “desbravar novas rotas” para assegurar sustentabilidade financeira.

“A instituição cresceu de tal forma que padece hoje de dores de crescimento que necessitam de ser apaziguadas. Fá-lo-emos através de um projeto de remodelação da organização da instituição”, declarou Ana Jorge, no discurso de tomada de posse como provedora da SCML, que decorreu na sala de extrações, em Lisboa.

A cerimónia teve sala cheia, com a presença da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, do provedor cessante da SCML, Edmundo Martinho, e do bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar.

“Fico muito honrada com esta moldura humana”, apontou Ana Jorge, de 73 anos, médica e antiga ministra da Saúde nos executivos de José Sócrates (PS), entre 2008 e 2011, e que antes da decisão do Governo de a nomear para provedora da SCML ocupava o cargo de presidente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP).

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Em comunicado, a CVP informou que aguarda a nomeação do novo presidente nacional que sucederá a Ana Jorge, que cessou funções em 30 de abril, sendo que, desde 01 de maio e até à data de tomada de posse do novo titular efetivo, desempenhará interinamente as funções de presidente o atual vice-presidente nacional, Agostinho Pereira de Miranda.

Na tomada de posse como nova provedora da SCML, para um mandato de três anos, Ana Jorge realçou “a possibilidade de contribuir na construção do bem comum”, numa instituição fundada em 15 de agosto de 1498 pela rainha D. Leonor, contando esta terça-feira com “mais de cinco séculos a trabalhar em prol das boas causas”.

Sublinhando o espírito de missão pública, a provedora empossada disse que a SCML, instituição que tem “um dos papéis dos mais relevantes na sociedade portuguesa”, em particular junto da população mais vulnerável da cidade de Lisboa, vive um momento “particularmente difícil”.

A médica considerou que o “crescimento rápido e desmesurado” da SCML tem conduzido a “redundâncias incompatíveis com a gestão sustentável, essencial ao futuro”, pretendendo que o trabalho da instituição continue “interventivo, colaborativo e fundamental na construção de oportunidades para todos no seio da sociedade portuguesa”.

“É esse trabalho de reestruturação da organização que, em conjunto com os meus parceiros de mesa e todos os colaboradores da instituição, teremos de realizar”, defendeu a responsável, explicando que se tratará de uma reorganização interna, sem ser revolucionária, para repensar, com todos os profissionais, a forma de otimizar os recursos.

Ana Jorge frisou que o problema maior da SCML é a sustentabilidade, apesar de a instituição ter conseguido sempre gerir os altos e baixos.

“Somos demasiado importantes para o dia-a-dia de milhares de pessoas e de organizações, e não podemos vacilar. Há que encontrar novas formas de receitas para que possamos continuar a responder mais e melhor a todos quantos de nós dependem”, reforçou.

Os jogos da SCML constituem esta terça-feira a principal fonte de receita da instituição, em que “mais de 70% se destinam a outros serviços e instituições do país”, indicou a provedora, referindo que a pandemia de covid-19 serviu como um alerta, “com o decréscimo avultado das receitas do jogo e o aumento ainda mais avultado dos pedidos de ajuda”.

“Necessitamos de desbravar novas rotas no sentido da sustentabilidade financeira da instituição”, frisou, considerando que esse desafio deve ser encarado com abertura para “novas abordagens”.

A nova provedora da SCML quer ter uma maior cooperação com outras instituições que asseguram respostas sociais, aprofundar relações com o Estado em áreas como o empreendedorismo social, a sustentabilidade ambiental, o emprego e as políticas de habitação, e ser parceira privilegiada nas respostas exigidas ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), que se encontra “num momento particularmente difícil no apoio à população da cidade de Lisboa”.

Questionada sobre o Hospital da Cruz Vermelha, adquirido há três anos pela SCML e que se encontra em processo de venda, Ana Jorge disse que esse equipamento de saúde “é demasiado importante no setor social”, pelo que se exige “uma reflexão sobre o assunto”, adiantado que a aposta é na valorização do hospital para que seja “mais rentável”, seja para vender ou para continuar na posse da instituição.

Na cerimónia, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social enalteceu as “múltiplas frentes” em que a SCML intervém, que “foi uma das entidades que respondeu com mais rapidez, com mais capacidade de intervenção e com mais eficácia na resposta à pandemia covid-19”, e destacou o “currículo ímpar” de Ana Jorge, reconhecendo-lhe “seriedade, capacidade de gestão da causa pública e sempre, mas sempre, uma humanidade indispensável para gerir uma instituição como a SCML, honrando a sua história e construindo o seu futuro ao serviço do país”.

“A missão é grande, a seara é grande, e os trabalhadores são a base e, realmente, a nossa concreta esperança para cumprir no dia-a-dia o sonho da rainha Dona Leonor, de conseguirmos, através da SCML, transformar vidas e garantir real igualdade de oportunidades para todos os que vivem em Portugal”, disse Ana Mendes Godinho.