A Caixa Geral de Depósitos quase duplicou os lucros no primeiro trimestre de 2023: sensivelmente 285 milhões de euros, o que compara com 146 milhões de euros no período homólogo. É um aumento de cerca de 96%, ou seja, para quase o dobro, com o banco a beneficiar do aumento da margem financeira (que subiu 129%) e da cobrança de comissões (que subiu 2%, para 149 milhões). O banco revela que já foram renegociados cerca de 8.000 créditos, mas “não há uma crise generalizada” no crédito, embora haja quem esteja “a passar mal” – para esses, a Caixa está a preparar novos apoios.

Os resultados foram comunicados à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e  apresentados em conferência de imprensa liderada por Paulo Macedo, presidente da comissão executiva do banco público. Além de revelar os lucros do primeiro trimestre, o banco confirmou a distribuição de um dividendo de 352 milhões, o mais elevado de sempre, relativo ao ano passado (a que acresce a entrega do edifício-sede em Lisboa, como já tinha sido anunciado).

O banco mais do que duplicou a margem financeira de 266 milhões para 611 milhões (+129%), o indicador que reflete, em termos simples, aquilo que o banco paga para se financiar (através dos depósitos e das operações de refinanciamento do BCE) e aquilo que cobra nos créditos que concede. Todos os bancos estão a ver a margem financeira muito beneficiada pela divergência entre a rapidez com que subiram as prestações de crédito e, por outro lado, os juros dos depósitos.

Os depósitos no banco caíram quase quatro mil milhões de euros em três meses: havia 83.875 milhões de euros em depósitos no banco no final do ano passado e esse valor baixou para 80.001 milhões no final do primeiro trimestre. O banco sublinha, porém, que na operação doméstica o banco tem sensivelmente o mesmo volume em depósitos que tinha em março de 2022 – houve uma descida de cerca de 339 milhões no espaço de um ano – e a quota de mercado (de 23%) manteve-se inalterada.

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Fonte: Caixa Geral de Depósitos

Esta queda será um efeito da concorrência dos certificados de aforro público e, por outro lado, de clientes usarem poupanças para amortizar crédito de forma a compensar o aumento dos indexantes de crédito. Entre março de 2022 e março de 2023 o banco diz ter tido clientes a usarem 600 milhões de euros em depósitos para amortizar crédito.

Foram cobrados, também, 149 milhões de euros em serviços e comissões, mais 2% do que no período homólogo. Francisco Cary, administrador com o pelouro financeiro (após a saída de Maria João Carioca para a Galp), sublinhou que o banco já pagou neste primeiro trimestre os chamados “custos regulamentares”, que incluem as contribuições para o Fundo de Resolução. Esses custos aumentaram 4% para 77,4 milhões de euros.

“Quando se diz que os contribuintes ajudaram os bancos no passado, é verdade que o fizeram numa primeira fase” com as injeções no Fundo de Resolução. Mas Francisco Cary sublinha que “a verdade é que quem está a pagar é o sistema“, porque todos os anos estão a fazer essas contribuições e impostos. Por isso, argumentou, “é preciso os bancos ganharem dinheiro para conseguirem pagar as suas contas”.

Cerca de 8.000 créditos renegociados “a contento”. Mas teme-se nova vaga

O presidente da Caixa revelou que até agora foram reestruturados cerca de 8.000 créditos à habitação. “Cerca de 900 foram ao abrigo do decreto-lei [apresentado pelo Governo em novembro] e o resto foi por nossa iniciativa”, afirmou Paulo Macedo, notando que “é menos de 3% da carteira de crédito à habitação da Caixa”. “Temos conseguido reestruturar a contento” de todas as partes, disse o banqueiro.

Porém, o líder do banco público diz que “há muita gente que tem Euribor a 12 meses e ainda não teve aumento” na sua prestação de crédito. Isto leva o banco a antecipar que “poderá haver mais um conjunto de famílias afetadas, o que nos preocupa” quando se olha para os próximos meses.

Os casos mais preocupantes são quem pediu crédito há menos tempo, em particular os jovens, porque não pôde aproveitar as taxas de juro baixas dos últimos anos para amortizar o crédito mais rapidamente, diz Paulo Macedo. O gestor lembrou que o próprio Banco de Portugal sublinhou que são uma pequena minoria as pessoas com crédito à habitação e que têm rendimentos menores.

Dois terços do crédito à habitação está nos portugueses com salários mais elevados

Caixa prepara novas medidas de apoio aos clientes

O banqueiro salienta, porém, que “há famílias para ajudar e há famílias que vão precisar de mais ajuda”. “Há pessoas que estão a passar mal e há outras pessoas que estão a conseguir absorver – e muito bem – o aumento”, afirma Paulo Macedo. Neste contexto, a Caixa está a pensar em novas formas de trabalhar com os clientes para atenuar o impacto da subida dos juros. “Alguma coisa iremos fazer, ainda estamos a estudar várias hipóteses“, diz Paulo Macedo.

A Caixa está a analisar a hipótese de “ter algum tipo de apoio numa versão complementar a algo que ainda temos que ir ver como vai funcionar que é o juro bonificado” pelo Estado. Ou seja, até ao final do ano a Caixa pode vir a “complementar essa bonificação“, nos casos dos clientes que não estão em incumprimento.

“Uma segunda questão é para os clientes que já estão em incumprimento”, diz Paulo Macedo. “Esses, uma vez que já estão marcados [em termos regulatórios], uma das hipóteses que estamos a ver será nós podermos ver qual era a taxa que a prestação que a família pagava no primeiro semestre do ano passado, ou em agosto, por exemplo, e ver as possibilidades de manter uma prestação igual por 18 meses e pôr o diferencial para o final do prazo”, acrescentou o responsável.