A Aliança da Nação, a coligação de seis forças da oposição, concluiu na tarde desta sexta-feira em Ancara a campanha eleitoral para legislativas e presidenciais de domingo, com o líder do CHP, Kemal Kiliçdaroglu, a assumir pose de chefe de Estado.

A Turquia cosmopolita e urbana, que aceita a cultura ocidental, juntou-se numa grande praça perto do Mausoléu de Mustafa Kemal Ataturk, o fundador da República em 1923, para saudar o líder do Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata e nacionalista) e os restantes cinco partidos heterogéneos que surgem coligados nas listas sob a designação de Aliança da Nação (MI).

Dezenas de milhares de pessoas aguardaram quase três horas pelo discurso final de Kiliçdaroglu, 74 anos, quando já trovejava e chovia, mas sem desmobilizarem.

Com a frase em destaque “Vamos vencer estas eleições”, tinham antes percorrido o palco os restantes lideres da AI: os populares presidentes das câmaras municipais de Ancara e Istambul, Mansur Yavas e Ekrem Imamoglu, que em 2019 derrotaram os candidatos do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islamista conservador) do Presidente. Para Recep Tayyip Erdogan são o maior desafio em 20 anos de poder – uma oposição unida e numa conjuntura pouco favorável.

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“Contei dias, contei milhas para te ver aí, agora a primavera está a chegar” é a frase em inglês que Narlican e Zeynep, de 20 e 21 anos, estão a escrever num cartaz assente num banco de pedra, com as fotos de Kiliçdaroglu e Taylor Swift, uma cantora britânica de quem são fãs. Votam pela primeira e dizem que querem terminar com uma “ditadura”.

Erdogan compara eleições de domingo com golpe de Estado de 2016

Ali, 19 anos, a terminar o ensino secundário, também se estreia numa eleição, e a candidatura presidencial da AI parece estar a atingir muitos jovens. “Se me derem duas taças de vinho provo a primeira e escolho a segunda, porque não pode ser pior”: é com este provérbio turco que justifica o seu voto no candidato do CHP.

“Erdogan já não governa, apenas escolhe para os cargos dirigentes pessoas de confiança sem capacidade para as funções. Queremos que algo mude de forma positiva, não vemos uma luz no futuro”, diz Ali num inglês quase perfeito.

No entanto, receia o rescaldo eleitoral de domingo. “Não sabemos como a nossa vida será afetada. Erdogan governa a Turquia como um reino e perdeu o controlo da situação. E, se for afastado, decerto que será investigado pela justiça devido a graves denúncias de corrupção. Pode perder tudo numa noite, até a vida. Por isso não aceitará a derrota, e pode enviar forças policiais e pessoas armadas para as ruas”.

Ali votará em Kiliçdaroglu mas sabe que a heteróclita coligação da oposição apresenta deputados dos quais suspeita, incluindo alguns com ligações ao predicador exilado Fethullah Gülen, acusado pelo poder de organizar o fracassado golpe militar de 2016. Ou de ex-ministros de Erdogan que mudaram de partido e de discurso, em tempos de vingança.

À entrada do recinto do comício na capital turca, quatro barreiras policiais, com agentes femininas e revistarem as mulheres e os polícias os homens. Dezenas de pessoas já estão concentradas frente ao palco e espalham-se pelas ruas laterais. Trazem cartazes com mensagens pessoais e bandeiras da candidatura com a frase da campanha: “A minha promessa, a primavera chegará”.

Um contraste com a Turquia popular, muçulmana, religiosa, que seguiu Erdogan nos seus comícios. Mulheres originárias de Hatay, uma das regiões mais afetadas pelos sismos de 06 de fevereiro, exibem um cartaz que rodam pela multidão: “Se não nos tivesses abandonado na zona do sismo seríamos mais a estar aqui”, uma crítica direta a Erdogan e à forma como o Governo respondeu à tragédia. “Deixaram-nos sós e perdemos muitos familiares. Fomos ao funeral dos nossos primos dez dias após os sismos”, dizem.

São Zazas, um povo do sudeste da Turquia que se exprime em língua zaza. “Não confiamos nos resultados eleitorais na nossa região. Muitas das pessoas morreram, o registo não foi feito e receamos que sejam atribuídos votos ao AKP em seu nome”, revelam, perto de um dos diversos ecrãs gigantes que começam a transmitir os discursos e de grandes cartazes com os seis dirigentes da AI alinhados, em pose confiante.

“Batatas, cebolas, adeus Erdogan”, grita a praça, frase que rima em turco. “Direitos, lei, justiça”, prosseguem em uníssono. Ainda outra melodia popular, que sai da potente aparelhagem: “Nunca conheci ninguém tão especial como tu”. O tempo de agitar as bandeiras de várias cores dos partidos, da Turquia, ou de com as mãos exibir a forma de um coração. Eleva-se um cartaz de cartão com a frase “Erdogone”, alusão ao nome do Presidente e da conjugação verbal inglesa para “ir embora”.

Os discursos são demorados, e oito políticos vão passando pelo palco. Surgem relâmpagos ao longe, o vento ameaça chuva, o céu enegrece, mas todos e todas, algumas mulheres com lenço islâmico, aguardam pelo candidato que pode afastar do poder o poderoso Erdogan, 69 anos.

O discurso de Ekrem Imamoglu, o presidente da câmara de Istambul, era dos mais aguardados e dos mais aplaudidos. O político do CHP, que se confronta com um pouco sustentado processo judicial movido pelo AKP, obedeceu à multidão que gritava “Tira o casaco!”. A frase que utilizou na sua campanha municipal em 2019, quando prometeu que se fosse eleito “tirava o casaco” para começar a trabalhar pela cidade.

“Somos novos e ambiciosos. Sou o mais novo deste palco. Não digam a ninguém, mas estamos a vencer”, conclui – sem casaco – o popular Imamoglu, 59 anos.

Por fim, Kiliçdaroglu, já de noite e com chuva intensa. Dirige-se às mulheres e aos jovens, que lhe darão a vitória no domingo, promete que não irá habitar no grande palácio presidencial que Erdogan mandou construir, mas antes instalar-se ” na casa de Ataturk”; promete fazer regressar ao país de origem os cerca de 3,5 milhões de refugiados sírios, mas “de forma legal”; assegura que dará prioridade à justiça quando a anunciada primavera chegar.

Todos os líderes regressam ao palco na despedida. Milhares de luzes de telemóveis ondeiam na ampla praça, e à chuva centenas de jovens dançam uma popular canção da zona da Ancara, na incerteza de poder dançar ao mesmo ritmo na noite eleitoral que se avizinha.