Numa altura em que as preocupações com os recursos hídricos aumentam, um investigador de Vila Real alertou que a agricultura consome 75% das disponibilidades e que albufeiras perderam capacidade de armazenamento, defendendo reflorestações para reter a precipitação.
Luís Filipe Fernandes, do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB), da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), falou à agência Lusa a propósito da seca que volta a estar na ordem do dia em Portugal.
“A questão dos recursos hídricos é importante, sobretudo perante uma situação de alterações climáticas, com a inevitabilidade de termos menos disponibilidades hídricas e consequentemente mais gastos e água mais poluída”, afirmou o engenheiro civil, especialista em recursos hídricos.
Prevê-se também, acrescentou, cada vez mais eventos extremos, com períodos longos de seca, ondas de calor e precipitações intensas que ocorrem num curto período de tempo. “Ou seja, vamos ter cheias com mais frequência e vamos ter secas com mais frequência”, frisou.
Esta semana, o Ministério da Agricultura reconheceu a situação de seca severa e extrema em cerca de 40% do território nacional, que se sente de forma mais intensa a sul.
Perante este cenário, Luís Filipe Fernandes destacou o consumo dos recursos hídricos pela agricultura intensiva, as albufeiras que perderam capacidade de armazenamento devido ao arrastamento de resíduos em consequência dos incêndios e defendeu um ordenamento florestal capaz de reter água e o combate às fugas nas redes domésticas.
O especialista disse que estudos apontam “para a agricultura absorver entre 75% a 78% dos recursos hídricos disponíveis”.
Se continuamos com esta agricultura intensiva com o objetivo só de produzir sistematicamente, indo inclusivamente produzir produtos agrícolas que não são de caráter sazonal, que pretendem que seja de caráter permanente, cada vez mais água será necessária”, frisou.
Exemplificou com a produção de oliveiras e vinha com rega, sobretudo na zona da Terra Quente Transmontana, o que não acontecia há uns anos. A sul elencou a produção de abacate.
“Culturas que não eram regadas e outras que nem eram de cá [país]”, afirmou.
Questionado sobre soluções para a retenção e armazenamento de água, Luís Filipe Fernandes disse que “muitas albufeiras já não têm capacidade de armazenamento”, o que explicou que acontece em consequência dos incêndios florestais.
“Com a ocorrência de precipitações, muitas partículas foram arrastadas para as linhas de água, consequentemente para as albufeiras e acabaram retidas nessas albufeiras, fazendo com que o volume de água disponível esteja a ser cada vez menor”, explicou.
Disse ainda que, nos locais onde ocorreram incêndios, os solos não conseguem fixar a precipitação e, por isso, destacou a “importância do ordenamento florestal”.
“É um dos parâmetros que altera significativamente o coeficiente de escoamento que nós temos no solo, captando a água e obrigando a que a água se infiltre, em vez de escorrer e imediatamente se perder, porque vai parar às linhas de água e consequentemente ao mar”, sublinhou.
O investigador defendeu ainda que é necessário “controlar as fugas e perdas” nas redes domésticas de abastecimento de água.
“Temos cerca de 33% de fugas e perdas nos sistemas, reduzindo esse valor para 10%, que é a média europeia, seria sem dúvida alguma uma mais-valia em termos infraestruturais para distribuição de água pública”, salientou.
Este é um caminho que já tem sido percorrido por autarquias e sistemas de gestão, mas que, para o especialista, é “preciso continuar”.
Entretanto, a associação cívica SEDES afirmou que Portugal “não tem défice hídrico, mas problema de distribuição” e defendeu a possibilidade de transferir água de Norte para Sul, como uma “verdadeira autoestrada da água”.
“Já ouvi, de facto, falar nas autoestradas da água de Norte para o Sul, mas não nos podemos esquecer de dois fatores super importantes para que isso acontecesse, que são o fator relacionado com os custos e com as questões ambientais”, frisou.
Na opinião de Luís Filipe Fernandes, “estes dois fatores poderiam inviabilizar qualquer projeto”.