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Nuvens dos Açores, dose dupla

Este artigo tem mais de 6 meses

Dois novos livros demonstram excelência no fazer editorial e um propósito muito concreto e louvável de sublinhar e valorizar o património natural do arquipélago.

A paisagem luxuriante representada no portefólio de "Floresta das Nuvens" transporta-nos para a quase irrealidade dum mundo de que imprudentemente nos afastámos
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A paisagem luxuriante representada no portefólio de "Floresta das Nuvens" transporta-nos para a quase irrealidade dum mundo de que imprudentemente nos afastámos

A paisagem luxuriante representada no portefólio de "Floresta das Nuvens" transporta-nos para a quase irrealidade dum mundo de que imprudentemente nos afastámos

Jénifer, ou a Princesa da França de Joel Neto (Fundação Francisco Manuel dos Santos, Fevereiro de 2023) é, sem dúvida, um respeitável retrato sociológico dos pobres de uns Açores colocados em excessiva evidência pela invasão turística dos últimos anos, que se apresenta todavia — e um tanto exageradamente — como “um homem só pregando no deserto da escassez, da exclusão e do conformismo”, mas há uns outros Açores que também não devem ou não podem permanecer desconhecidos ou ignorados: os da originalidade e invulgar qualidade de algumas das suas produções culturais mais recentes, e que projectam o arquipélago atlântico até um contexto internacional, a partir do qual podem passar a ser observados, como merecem.

Podia referir fotógrafos e fotojornalistas premiados e com encomendas de prestígio além-fronteiras, mas vou comentar dois livros novos — aliás, contemporâneos do pequeno livro de Neto — e que demonstram excelência no fazer editorial e um propósito muito concreto e louvável de sublinhar e valorizar aquela insularidade através de duas manifestações naturais: a floresta primitiva e a variedade das nuvens do seu céu atlântico. O primeiro projecto é um álbum de imagens de lugares praticamente intocados pelo predador humano, a floresta laurissilva ou pristina açoriana, coberto vegetal muito denso, exposto numa “colecção de esboços feitos a partir da luz vinda do céu e dos nevoeiros vindos do mar” (Silva, p. 9), e o segundo livro foi imaginado por Blanca Martín-Calero, cabeça pensante da editora Araucária, de Ponta Delgada, colocando em diálogo arte fotográfica, “poesia visual” e ciência ambiental, com a importante colaboração de meteorologistas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera a trabalhar nos Açores.

Florestas das Nuvens tem como epígrafe “Deixem Nosso Senhor passear sossegado pelas árvores antiquíssimas da inefável floresta das nuvens vindas do mar” (um verso de Emanuel Félix, 1936-2004) e logo a primeira fotografia, na guarda do livro, apresenta-nos uma estrutura vegetal espinhosa como aviso ou alerta para o imperativo de defesa e conservação desse património milenar, dessa “verdadeira estufa da evolução” ou desses “santuários da vida” hoje já restritos a áreas remotas. Paulo Henrique Silva deambulou por esses bosques deleitosos quase impenetráveis — que Gaspar Frutuoso descreveu deliciosamente em meados de 1500… —, e sábia e preventivamente preferiu não dar quaisquer pistas de geolocalização ou nomear taxonomicamente o que ali viu e fotografou, creio que com a firme intenção de que o nosso olhar, assim desprevenido e desinformado, fosse inteiramente absorto pela poética das formas naturais comunicantes que a humidade oceânica expandiu a limites de sobreposição e composição, muito para lá da capacidade humana de imaginar…


Título: “Nuvens”
Fotografia: Álberto Plácido 
Textos: Diamantino Henriques e outros
Design: José Albergaria
Editor: Araucária
Páginas: 136

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Título: “Floresta das Nuvens”
Autor: Paulo Henrique Silva
Prefácio: João Paulo Constância
Design: Rui Melo
Editor: Município de Angra do Heroísmo e Associação Os Montanheiros
Páginas: 120

Dos registos panorâmicos aos de ínfimo pormenor, a floresta luxuriante representada neste portefólio transporta-nos para a quase irrealidade dum mundo de que imprudentemente nos afastámos, e porque o desconhecemos não o amamos bastante. Com inteira razão, João Paulo Constância, director do Museu Carlos Machado, de Ponta Delgada (onde estas fotografias serão expostas este Verão), escreve no prefácio que Paulo Henrique Silva “é um fotógrafo de natureza orientado por um profundo sentido ético de conservação” e “um elevado sentido poético” desdobrado em “exaltações do nosso mundo natural, desconhecido e frágil, e sem outras pretensões” (p. 12). Diria até que a sua radical atitude de máxima discrição pessoal, livre — também — de ambições comerciais ao preferir álbuns de circulação restrita, denota e reforça a consistência dum trabalho solitário de longo curso, de que também fazem parte a sonoplastia dos meios naturais e uma “etnologia ambiental”, em projectos alargados a outras ilhas dos Açores, além da Terceira, onde vive. Da bibliografia de Paulo Henrique Silva também constam Furnas, Mistérios e Agulhas, com José Guedes da Silva (2021), Serra de Santa Bárbara, com Viriato Soromenho-Marques (2020) e Vulcão de Santa Bárbara: ilhas com suas chaminés fumegando vapores de angústia…, com Victor Hugo Forjaz e Paulo Barcelos (2007), mostrando que ele sabe escolher com bom dedo quem entenda e dê contrafortes ao seu projecto global de elogio da biodiversidade insular açoriana e do imperativo da sua conservação.

O rigor científico de "Nuvens" vai a extremos de precisão nos registos do momento de cada imagem, na sua geolocalização por satélite, identificação da pressão atmosférica ao nível médio do mar no dia de cada registo fotográfico

Nuvens é, em larga medida, o oposto de Floresta das Nuvens — ou, se quisermos ir mais longe, também do Diário das Nuvens de João Paulo Cotrim e João Francisco Vilhena (Abysmo, Outubro de 2021, 80 pp.). Abre com um portefólio de 30 páginas duplas com imagens colhidas no céu da ilha de São Miguel entre Maio de 2018 e Junho de 2021, exibindo formações nebulosas que concorrem entre si nos caprichos de luz e sombra e das suas construções verticais e horizontais, por vezes sob influência orográfica, mas o rigor científico logo vai a extremos de precisão nos registos do momento de cada imagem, na sua geolocalização por satélite, identificação da pressão atmosférica ao nível médio do mar no dia de cada registo fotográfico — e, mais em geral, toda uma pedagogia acerca da terminologia latina dos diferentes géneros, espécies e tipos de nuvens, e um glossário final. Ainda assim, não se poderá dizer tratar-se dum livro de ciências naturais, pois o portefólio inicial, a apresentação poético-filosófica de Eduardo Brito e o design gráfico de José Albergaria, com a paginação diferenciada e a capa serigrafada a tons de prata, dão a esta publicação um carácter inovador, diria quase experimental, de aproximação entre arte, poesia e ciência, realçando enfim a efemeridade do “exacto e irrepetível  momento” das condições meteorológicas em que foram tiradas as imagens desses “belos objectos mutantes com designações latinas” (p. 69), algo que alguém chamou, num contexto próximo, o “ouro do dia”.

“Os valores médios de nebulosidade sobre as ilhas dos Açores são maiores do que sobre o mar na mesma região, o que poderá ser explicado pela formação de nuvens orográficas sobre as ilhas” (p. 101). Elas são, portanto, uma realidade quotidiana, um prazeiroso privilégio visual acessível a todos em céus oceânicos limpos de poluição urbana, e uma referência essencial ou pelo menos útil à navegação marítima e aérea. Integrá-las devidamente na mundividência insular açoriana era algo que faltava fazer, e que a perspicácia e audácia da Araucária finalmente cumpriram para surpresa e encanto dos seus leitores — com a sua criatividade e inovação trazendo também, a todo o meio editorial açoriano, um estímulo concorrencial que o pode conduzir a melhores patamares de desempenho e realização. Assim seja.

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