Com dezenas de audições já realizadas na comissão parlamentar de inquérito à TAP e mais umas quantas na comissão de Economia e Obras Públicas, há ainda uma decisão política do Governo que continua a fugir às explicações e que até agora ninguém soube explicar. Porque é que o Governo pagou 55 milhões de euros ao empresário David Neeleman para comprar a posição deste na TAP ao fim dos primeiros meses da pandemia em 2020. E como se chegou a este valor?

E ainda não foi Ricardo Mourinho Félix, ex-secretário de Estado adjunto das Finanças, a esclarecer a questão, uma vez que como referiu esta terça-feira na comissão parlamentar de economia e obras públicas, a transação foi fechada semanas depois de ter abandonado funções no Governo quando Mário Centeno saiu e entrou João Leão. O antigo secretário de Estado e atual administrador do BEI (Banco Europeu de Investimentos) teve a tutela da TAP durante a negociação da reconfiguração acionista da TAP, cujos resultados elogiou, mas em 2020 quem acompanhava a empresa era Álvaro Novo, secretário de Estado do Tesouro.

A aquisição da participação indireta (através da Atlantic Gateway) de 22,5% de Neeleman na TAP foi realizada em julho de 2020 quando era pública e notória a divergência entre o Governo e os privados sobre a ajuda pública que teria de ser dada à TAP por causa da pandemia e na indisponibilidade (e incapacidade) dos privados injetarem esse apoio. Humberto Pedrosa, que à data era acionista em parceria com David Neeleman, afirmou que se tivesse mil milhões de euros os teria colocado na TAP. Ao contrário do empresário americano, Pedrosa ficou na TAP até ser “expulso” pela capitalização pública de 2021.

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O tema dos 55 milhões de euros foi introduzido esta terça-feira, na audição a Mourinho Félix, por Hugo Carneiro do PSD, deputado que também está no elenco da comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão pública da TAP. “Ninguém sabe como chegamos a este valor. Será o dr. Mourinho Félix a pessoa indicada para finalmente percebermos como chegamos a este valor?” Não foi. No entanto, e mesmo sem ter estado envolvido na operação, o ex-secretário de Estado admite que o acordo de compra evitou o custo reputacional de uma nacionalização.

Mas perante a insistência de Hugo Carneiro, Mourinho Félix recorda que nos dias que antecederam a compra das ações de David Neeleman esteve em cima da mesa a possibilidade de uma verdadeira nacionalização, tal como foi feito com a Efacec por causa da pandemia, mas também dos problemas da acionista Isabel dos Santos. Só depois desse cenário, que chegou a ser noticiado quando os representantes dos acionistas privados, a mando de David Neeleman, não viabilizaram a proposta do Estado para ajudar a TAP, é que se chegou a um acordo, recorda o ex-secretário de Estado.

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Apesar de desconhecer como se chegou à operação, porque já não estava nas Finanças, Mourinho Félix afasta uma ligação entre o valor dos 55 milhões de euros pago pelo Estado ao empresário americano e as prestações acessórias que os privados, sobretudo Neeleman, tinham colocado na TAP após a privatização, no valor de 226 milhões de dólares. Essa relação “não faz muito sentido porque o regime de prestações acessórias de capital (aportadas por um acionista) é muito restritivo e não permite que esse dinheiro saia da empresa”, a não ser em circunstâncias muito específicas. Lacerda Machado já tinha dito, também, mas na comissão de inquérito, que as prestações acessórias dificilmente conseguem ser retiradas da TAP.

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No caso da capitalização feita pelos privados no quadro do contrato assinado com o Estado em 2015, e alterado em 2017, estas prestações não podiam sair da empresa antes de 30 anos. Essas prestações, adianta Mourinho Félix, ficaram lá e foram absorvidas no capital, pelo que não existe uma relação direta e formal, considerou.

Havia no entanto um outro direito económico associado a David Neeleman que estava em cima da mesa de negociações com o Estado e que dizia respeito à emissão obrigacionista de 90 milhões de euros subscrita pela transportadora brasileira Azul, empresa com ligações ao empresário americano. Este crédito era convertível em capital e o Governo queria que a Azul abdicasse desse direito, tema que foi um dos últimos obstáculos ao acordo.

E os 55 milhões de euros? Apesar de ter “dificuldade em conseguir fazer uma ponte entre esse valor e as prestações acessórias”, admite que um investidor que tenha colocado 226 milhões de euros na empresa “queira recuperar algum do capital”. E o que é que os 55 milhões de euros compraram? “Reputação”, para além de evitaram litigância. “Nenhum Governo quer tomar conta de uma empresa por uma nacionalização porque isso tem um custo reputacional para o Estado. Presumo que a discussão tenha tido essa base”, admitiu.