O presidente da Associação Nacional dos Cuidados Continuados (ANCC) estimou esta sexta-feira que se as 1.675 pessoas com alta mas que continuam internadas nos hospitais fossem colocadas em unidades de longa duração o Estado pouparia 190 milhões de euros.

“Estive a fazer as contas e multipliquei as 1.675 pessoas pelo valor que o Estado paga em unidades de longa duração. O Estado gastaria por ano 36 milhões de euros, em vez dos 226 estimados no estudo”, disse à Lusa José Bourdain, acrescentando estar a falar apenas de unidades de longa duração e não de outras tipologias.

Segundo dados esta sexta-feira divulgados no Barómetro de Internamentos Sociais, um total de 1.675 camas dos hospitais públicos estavam, em março, ocupadas por pessoas internadas apenas por razões sociais, um aumento de 60% dos internamentos inapropriados que este ano pode ter um impacto financeiro para o Estado de 226 milhões de euros.

“O Governo não podia pagar melhor aos cuidados continuados, manter estas camas abertas, abrir mais camas e serem atrativos os cuidados continuados, tendo uma resposta como deve ser, tudo a funcionar bem, gastando menos?”, questionou José Bourdain.

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Se estas 1.675 pessoas fossem colocadas em Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI), segundo José Bourdain, “o valor baixava para 10 milhões”. “Se o Estado pagasse o dobro, que é o valor justo, por ERPI, isto daria 20 milhões de euros por ano. É uma poupança brutal”, acrescentou.

Para o presidente da ANCC, o valor justo para pagar salários mais dignos a quem trabalha nos cuidados continuados, designadamente nas unidades de longa duração — “as mais mal pagas” — representaria um aumento de 15 a 20 euros por dia por doente.

“Já desafiei o Governo: façam um estudo, não é preciso mais que dois meses, façam um estudo dos recursos humanos necessários, vejam quanto custa o funcionamento de uma unidade de cuidados continuados, quanto se gasta e paguem um valor justo. E o valor justo não é para ninguém enriquecer, mas também não é para ninguém ter problemas de funcionamento porque não tem dinheiro para pagar as contas”, afirmou.

Dos 1.675 internamentos inapropriados nos hospitais, mais de 800 aguardam cuidados continuados

O responsável lembrou que as próprias unidades de cuidados continuados têm 37% de casos sociais, que não conseguem escoar, exemplificando: “Na minha instituição tenho um senhor que vive lá há 14 anos. É autónomo, bem orientado, não tem problemas, mas tem baixa visão. Podia viver na sua casa, se a tivesse, com apoio domiciliário, não precisava de estar numa unidade de cuidados continuados a ocupar uma vaga de alguém que verdadeiramente precisa”.

Defendeu ainda que quando decide aumentos de salários como os que aconteceram na Função Pública, o Governo devia pensar igualmente nos cuidados continuados e no setor social.

Questionado sobre quanto se paga por um doente/dia numa unidade de longa duração, explicou: “o valor é 75 euros, mas atenção que uma parte é paga pelo Estado, mas outra parte é paga pelas famílias. O Estado na realidade não paga os 75 euros”.

Este pagamento — acrescentou –, “no caso da Saúde é um valor fixo, mas no caso da segurança social depende do rendimento das famílias. Há casos em que as famílias têm bons rendimentos e o Estado para zero. E também há o contrário, em que as famílias não têm rendimentos e o Estado paga tudo”.

“Se pagasse 95 a 100 euros seria um valor mais justo. E as outras tipologias também teriam de ser mais bem pagas”, disse o responsável, sublinhando a importância de ter uma rede a funcionar “com salários razoáveis” e condenando a discrepância entre os profissionais que trabalham nos cuidados continuados e no setor público.

Dando como exemplo os rendimentos dos enfermeiros, disse: “Comparando com os salários numa IPSS, um enfermeiro ganha 1.020 euros, teve um aumento de 20 euros em janeiro, e no Estado ganha 1.623 euros e teve um aumento de 93 euros”.

“Isto não é correto, não é justo. É uma enorme discriminação que o Governo faz perante as pessoas que trabalham neste setor”, concluiu.

No passado mês de maio José Bourdain foi ouvido no parlamento, tendo revelado que, devido à asfixia financeira destas instituições já tinha sido encerradas este ano 300 camas de cuidados continuados, admitindo que a situação piorasse ao longo do ano.