Sete docentes da Universidade de Lisboa acusaram esta segunda-feira o reitor da instituição de censurar um projeto de investigação sobre assédio na academia, acusação rejeitada por Luís Manuel Ferreira.
Num artigo de opinião publicado esta segunda-feira no Diário de Notícias, três docentes do Instituto Superior Técnicos (IST), dois da Faculdade de Letras e outros dois da Faculdade de Arquitetura acusam o reitor de tentar censurar um projeto de investigação sobre assédio entre professores e investigadores que estava em curso no ano passado.
“Numa estrutura de forte pendor hierárquico, em que as práticas de assédio fazem parte do quotidiano, o Reitor atuou como Censor-Mor. E fê-lo com o apoio dos seus diretores e presidentes de Faculdades e Institutos e a conivência (por obstinado silêncio) do Conselho Geral da Universidade, que o elegeu”, escrevem os docentes no artigo intitulado “O Reitor censor ou a censura como assédio”.
Os docentes dizem que, quando estava a decorrer o inquérito de levantamento de casos de assédio, o reitor enviou uma circular escrita instruindo professores e investigadores no sentido de se absterem de responder ao estudo. A circular referia que estava a ser averiguada a legalidade de todo o processo e questionava a qualidade do trabalho: “A validade científica não está minimamente demonstrada” é uma das citações que aparecem no artigo de opinião.
A Lusa contactou o gabinete da reitoria durante a manhã desta segunda-feira, mas não obteve qualquer resposta até ao momento.
Em declarações à Antena 1, o reitor Luís Manuel Ferreira negou qualquer tentativa de censurar um projeto de investigação sobre o assédio: “Aquilo que fizemos foi um apelo e não uma ordem para que se abstivessem de responder ao inquérito cuja validade científica não estava minimamente demonstrada”, explicou esta manhã.
O reitor garantiu que não houve “nenhuma censura”, apenas que não recomenda a utilização de inquéritos que não seguem passos normais: “Não referia, e isso é importante, a que se destina aquele inquérito e qual a política de dados?”, exemplificou.
A Lusa questionou também o Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) sobre se recebera alguma denuncia sobre o caso relatado, se tinham sido tomadas diligências e quais as consequências, mas também não obteve qualquer resposta até ao momento.
Foi precisamente a abertura de um canal de denúncias no início do ano passado pela Universidade de Lisboa que chamou a atenção para os casos de assédio na academia. Na altura, a ministra do Ensino Superior, Elvira Fortunato, apelou para que as instituições desenvolvessem ações de prevenção e criassem mecanismos de denúncia próprios.
Já este ano, o assédio na academia voltou a ser notícia com a divulgação de um artigo de três investigadoras que tinham passado pelo Centro de Estudos Sociais, na Universidade de Coimbra, e que denunciaram situações de assédio e violência sexual envolvendo o sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
Este fim de semana, o sociólogo admitiu num artigo de opinião escrito no Expresso que nasceu num tempo e faz parte de uma “geração em que comportamentos inapropriados, se não mesmo machistas, quer se trate da convivência ou da linguagem, eram aceites pela sociedade”.
A Lusa fez há cerca de dois meses um levantamento junto das universidades e politécnicos de todo o país e verificou que das mais de 150 queixas de assédio recebidas, apenas quatro resultaram em penalizações.
Foi nas três instituições mais antigas do país que se concentrou a grande maioria das queixas (são também as que têm mais alunos e funcionários): A Universidade de Lisboa (UL) registou 60 denúncias, a Universidade de Coimbra (UC) “36 reportes” e a Universidade do Porto (UP) 19.
Também em declarações à Lusa, alunos, professores e investigadores defenderam que os canais de denúncia devem ser independentes para que as vítimas se sintam seguras para denunciar e as equipas não se sintam pressionadas durante a investigação.